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O Estado de São Paulo, Quinta-Feira, 25 de Setembro de 2008 ,
Quinta-Feira, 25 de Setembro de 2008 | Versão Impressa


 

Jornalistas e sua
formação

 

Eugênio Bucci

Na quarta-feira da semana passada
houve um ato público na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Está no site do
Sindicato dos Jornalistas de São Paulo: "Mais de duzentas pessoas, entre
dirigentes sindicais, profissionais, professores e estudantes de jornalismo de
todo o País, participaram hoje (17/9), em Brasília, de um ato público em defesa
da formação específica em jornalismo e da regulamentação profissional da
categoria." Segundo a nota, a intenção dos manifestantes foi "sensibilizar os
ministros (do Supremo Tribunal Federal) que devem julgar, ainda este ano, o
recurso extraordinário (RE/511961), ação que questiona a constitucionalidade da
legislação que regulamenta a profissão no Brasil".

 

Embora a imprensa fale pouco do
tema, é grande a expectativa em torno do julgamento. Trata-se de saber se a
exigência do diploma de jornalista para os que trabalham na imprensa impõe ou
não uma barreira ao direito de livre expressão, assegurado na Constituição. Por
que só diplomados em Jornalismo podem ser empregados em jornais? Quanto a isso,
o País espera a decisão do Supremo Tribunal Federal.

 

Mas o debate não fica só aí. Há
outras frentes em que os destinos da profissão de jornalista estão em jogo.
Citemos duas. No âmbito do Ministério do Trabalho, um grupo de trabalho pretende
redigir um projeto para a regulamentação da atividade. A segunda frente está no
Ministério da Educação.

 

Recentemente, o ministro Fernando
Haddad lançou a idéia de constituir uma comissão para discutir as diretrizes da
formação dos cursos de Jornalismo, identificando e delimitando com maior clareza
os conhecimentos práticos e teóricos que precisam ser dominados pelos que
concluem a graduação. A partir daí, o ministro espera abrir uma nova
possibilidade para a formação de jornalistas, sem prejuízo dos cursos que já
existem: "A comissão fará uma análise das perspectivas de graduados em outras
áreas, mediante formação complementar, poderem fazer jus ao diploma" (Folha de
S.Paulo, 17/9/2008).

 

Desde logo, fica bem claro que essa
discussão não se confunde com a outra, sobre exigência – ou não – de diploma
para que alguém seja empregado na área, o que é assunto para o Ministério do
Trabalho. Ela cuida especificamente das diretrizes da formação. Sua pauta é
educacional, não trabalhista. Seu objetivo é estudar a possibilidade de que
gente como cientistas sociais ou economistas, por exemplo, possa, por meio de um
curso mais breve, algo em torno de dois anos, habilitar-se a ter um emprego
regular em veículos de informação. A iniciativa, como se vê, não ameaça nem
reforça a exigência do diploma.

 

Ainda sobre exigência do diploma, é
bom que se saiba que, na prática, ela ajudou a elevar o padrão da profissão no
Brasil. Pesa contra ela, no entanto, o fato de ter sido imposta pela ditadura
militar (o decreto-lei é de 1969) e, agora, surge com força essa alegação de que
ela agride princípios constitucionais, dúvida que só pode ser dirimida pelo
Supremo. De todo modo, não é aí, nessa formalidade abraçada por interesses
corporativos, que se encontra o âmago do debate. O que deve falar mais alto,
nessa matéria, não é a defesa sindical de uma categoria, mas o direito à
informação, de que todo cidadão é titular. Essa é a pedra de toque. O que se
deve buscar não é o conforto dos que hoje estão empregados, mas o melhor sistema
para assegurar qualidade à mediação do debate público.

 

Por isso é que se pode afirmar: o
ponto dramático repousa sobre a qualidade das faculdades. Onde elas são boas,
seus formandos têm lugar no mercado. Mesmo em países que não dispõem de nenhuma
obrigatoriedade de diploma, como os Estados Unidos, a Alemanha, a França e
outros, nota-se a preferência dos empregadores por jovens que tenham cursado uma
boa escola de Jornalismo. Aí, as faculdades adquiriram autoridade não em função
de uma reserva de mercado, mas pela capacitação que são capazes de aportar aos
estudantes. E no Brasil? O que seria das faculdades se elas não estivessem
protegidas pela reserva de mercado? Elas sobreviveriam como estão? Ou seriam
forçadas dramaticamente a se aperfeiçoar? Se seriam obrigadas a se aperfeiçoar,
por que não cuidar disso desde já?

 

Que ninguém se iluda: boas
faculdades são fundamentais. Elas não são dispensáveis, como alguns ainda tentam
fazer crer. A presunção de que o jornalismo é um "ofício que se aprende na
prática" é tão ingênua quanto despreparada. Contra isso se levantou, desde o
final do século 19, Joseph Pulitzer. De magnata da mídia americana, ele se
projetou como o principal inspirador do Curso de Jornalismo da Universidade de
Colúmbia, que só começaria a funcionar em 1912, um ano após a sua morte. Contra
o comodismo de seus contemporâneos, que viam na criação da escola uma perda de
tempo, Pulitzer afirmava que era necessário transformar aquilo que não passava
de um ofício numa profissão nobre. E acertou. Seu texto em defesa da escola de
Colúmbia, lançado em 1904, resiste como um pequeno clássico (The School of
Journalism, Seattle: Inkling Books, 2006). Deveria ser lido pelos adeptos da
tese de que "jornalismo se aprende na prática".

 

Qualquer um de nós, quando vai ao
médico, ao advogado ou ao dentista, procura profissionais com bons currículos
acadêmicos e científicos. Mas, quando se trata de servir informação ao público,
imaginamos que um prático, sem formação, pode dar conta do recado. Não pode – ou
não pode mais, a não ser excepcionalmente. A porta para o futuro, também nesse
caso, está na qualificação dos profissionais. Com diploma ou sem diploma, é da
qualificação que dependerá a consistência e a fecundidade do nosso debate
público.

 

Eugênio Bucci, jornalista, é
professor da Escola de Comunicações e Artes e pesquisador do Instituto de
Estudos Avançados, da USP

Categorias: Jornalismo

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