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Folha de São Paulo, Negócios, domingo, 17 de junho de 2012

Jovens investem em autonomia

No RJ, estudantes que querem trabalhar com
design de produto aprendem a gerir um negócio

JÚLIA DUARTE,
COLABORAÇÃO PARA A
 FOLHA

Os designers de produto no Rio de Janeiro estão
preferindo abrir o próprio negócio em vez de procurar emprego. Algumas
características do mercado fluminense, como a escassez de escritórios com
funcionários fixos, têm incentivado o empreendedorismo entre esses
profissionais.

Segundo Felipe Rangel, professor do departamento
de design da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica), os alunos que querem
trabalhar em empresas acabam migrando para a região Sul ou para São Paulo.

No Rio, ainda existem grandes escritórios, como
o Índio da Costa A.U.D.T., comandado pelo arquiteto Luiz Eduardo Índio da Costa
e seu filho, Guto, que é designer.

Porém, os recém-formados têm priorizado a
autonomia no mercado. "Estimulo o empreendedorismo porque é uma maneira de
desenvolver a identidade profissional com mais liberdade. Sempre que podemos,
direcionamos os alunos para a incubadora da universidade", diz o professor.

"Nas incubadoras, estão sempre chegando
investidores interessados em criar parcerias", diz Julia Zardo, coordenadora do
projeto Rio Criativo -Incubadoras de Empreendimentos da Economia Criativa do
Estado do Rio de Janeiro. Segundo ela, existem hoje 24 incubadoras instaladas em
universidades públicas e particulares do Rio.

Além de espaço, elas oferecem apoio jurídico,
administrativo e cursos de empreendedorismo. Zardo aponta o Rio como um ambiente
propício à inovação e destaca a preparação da cidade para a Copa de 2014 e para
as Olimpíadas de 2016. "O enfrentamento de problemas demanda criatividade para
resolvê-los", diz.

O designer Eduardo Cronemberger, 29, um dos
sócios da Habto Design, formou-se em desenho industrial na Uerj (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro), em 2005. Logo após receber o canudo, ele montou a
empresa com os colegas e recém-formados Gil Guigon, 29, e Diogo Lage, 30.

Dois dos sócios passaram por um treinamento de
empreendedorismo na incubadora da Coppe (instituto de pós-graduação), da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro). Cronemberger afirma que essa fase foi
essencial para o sucesso do empreendimento.

A Habto trabalha com mobiliário educacional e
desenvolveu projetos que ganharam visibilidade. Um deles é uma sala multiuso que
se adapta às necessidades do professor. O projeto chama-se Sistema Revoluti e
inclui carteiras de estrutura leve, que permitem mobilidade e vêm com
computadores acoplados. O material está exposto na Rio+20, conferência da ONU
sobre desenvolvimento sustentável, que termina nesta sexta-feira.

A empresa também elaborou um kit multimídia a
pedido do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). Batizado de UMA
(Unidade Móvel de Aprendizagem), o kit é composto por um projetor móvel de
imagem 3D e óculos especiais. Cerca de 40 exemplares circularão pelas escolas do
Senai e Sesi (Serviço Social da Indústria).

Cronemberger participou de concursos e editais
para ganhar experiência e portfólio. Algumas das instituições que lançam editais
de incentivo a projetos de design e de inovação são Finep (financiadora de
projetos) e Faperj (fundação de amparo à pesquisa).

TENDÊNCIA

O empreendedorismo entre os designers de produto
não é exclusividade dos cariocas, diz Ernesto Harsi, diretor de relações
institucionais da ADP (Associação dos Designers de Produto). "Essa tendência não
existe só no Rio, em São Paulo ou no Brasil. É internacional. Na Europa, há
muitos designers de móveis e decoração empreendendo."

Quanto ao panorama carioca, o diretor da ADP
afirma que o empreendedorismo pode ser uma saída para a escassez de vagas.
"Existem boas escolas formando designers e não há mercado de trabalho suficiente
para todos." Segundo ele, a maioria dos empreendedores investe em móveis e
objetos de decoração. "É raro encontrar algum que faça outro tipo de produto",
diz.

Vale até contar com a ajuda dos pais



Empurrão da família e estrutura reduzida estimulam o empreendedorismo no
design

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


O professor da PUC-RJ Felipe Rangel observa uma tendência nos escritórios que
estão saindo das incubadoras -de se manterem pequenos.


"No Brasil, há uma série de fatores que fazem com que a estrutura grande seja
complicada. Temos taxas tributárias altas e, principalmente no Rio, uma
especulação imobiliária muito grande", diz.


O professor afirma ainda que as formações mais enxutas e com menos funcionários
são um fenômeno mundial, pois ampliam as possibilidades de atuação da empresa.


É o caso da Modo Design, criada pela designer Julia Gostkorzewicz, 35, e pela
jornalista Adriana Calderoni, 34. A empresa trabalha a marca como um todo.
Planeja desde a embalagem do produto até como será visto pelo consumidor. A Modo
reformulou a embalagem do Leite de Rosas e produziu lixeiras para coleta
seletiva da Petrobras.


A equipe é pequena -tem oito profissionais e, eventualmente, contrata
freelancers. Assim, mantém o custo baixo.



AJUDA DOS PAIS


Além das incubadoras, os jovens recém-formados costumam contar com a ajuda dos
pais para que o negócio seja viabilizado.


O designer autônomo Pedro Braga, 28, recebeu o apoio da mãe para os primeiros
projetos e passou a produzir peças de mobiliário e utensílios domésticos. Ele
diz que aprendeu empreendedorismo na prática. "Um ponto positivo foi ter
conhecido a fundo todo o processo, desde a criação até o produto final", diz.


Os primeiros clientes da Habto Design foram os pais de Eduardo Cronemberger, 29,
que "contrataram" a empresa para fazer novas cadeiras para a mesa de jantar.
Depois, veio a fase de inovação, com projetos como o Sistema Revoluti.

Incentivos e cultura explicam fortalecimento

FELIPE GUTIERREZ, ,DE SÃO PAULO


Para empreendedores ligados à economia criativa, o Rio tem uma vocação para a
área.


"Em outras partes do país, empresas giram em torno dos grandes negócios da
região, seja siderurgia ou fabricação de sapatos. Aqui, a referência é a
criatividade", diz Alan James, 36, dono de uma aceleradora de novos
empreendimentos.


Trata-se de uma característica histórica, afirma Illan Sztejnman, coordenador da
Endeavor, uma ONG para promover o empreendedorismo. Quatro das 14 empresas
cariocas apoiadas pela ONG são da indústria criativa.


Cezar Vasquez, diretor do Sebrae-RJ (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas), cita incentivos de diferentes esferas do poder público que
favorecem arranjos produtivos criativos. O Sebrae, por exemplo, apoia pequenos
joalheiros a acessar novos mercados.

É preciso criar um estilo brazuca , sugere especialista

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA


Para o coordenador do laboratório de gestão em design da PUC-RJ, Cláudio
Magalhães, o Brasil ainda tem uma atitude conservadora e divergente em relação
ao design. Na região Sul, designers estão próximos aos polos industriais,
chamados de Arranjos Produtivos Locais. No Rio, as indústrias estão distantes do
centro e são pouco acessíveis. "Os impostos e as taxas para manter um
trabalhador especializado no Rio são bem mais altos do que no Sul", afirma.


Magalhães faz parte da equipe que organiza as ações da Rio+Design, iniciativa do
governo estadual que promove mostras e leva designers brasileiros para o Salão
Internacional de Milão, na Itália. Para ele, os novos designers do país devem
participar desses encontros para "se internacionalizar". "Neste ano, quando
voltei à Milão, vi produtos no mercado que eram apenas projetos do ano
anterior", conta.


Segundo Magalhães, as riquezas naturais do país não são aproveitadas no design.
"Ainda somos conservadores na hora de inovar", afirma. Ele lembra que o Brasil
saiu há pouco tempo de uma ditadura militar que impossibilitava a indústria
criativa de se expressar. "Está na hora da indústria e da cultura fazerem as
pazes e perceberem que não há divisão", diz.


Em países como França e Japão, diz, a cultura do empresariado é diferente. Lá se
percebe uma série de referências culturais que vem da indústria. "Seja ela
cinematográfica, de carros, de moda, de vinhos, de perfume. E a nossa indústria
ainda não percebeu isso", afirma.


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