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Folha de São Paulo, Ciência + Saúde, DOMINGO, 27 DE OUTUBRO DE
2013

Mackenzie investe R$ 20 mi em centro de estudo de grafeno

Folha de carbono é formada por uma só
camada de átomos; Fapesp vai entrar com R$ 9,8 mi no projeto

Produção do material, que é o mais resistente
conhecido, rendeu Nobel de Física a dupla de cientistas em 2010

MARCELO LEITEDE
SÃO PAULO

A Universidade Presbiteriana Mackenzie está
desembolsando R$ 20 milhões, em uma prova de que instituições de ensino superior
privadas podem e devem fazer pesquisa. Pesquisa com "p" maiúsculo: o maior
investimento com recursos próprios do país, na fronteira dos novos materiais.

Os R$ 20 milhões vão para construir o prédio e
contratar cientistas para o MackGraphe (Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno,
Nanomateriais e Nanotecnologia), pioneiro desse campo no Brasil.

A obra do edifício de seis andares e 4.230 m² de
área útil já começou no campus da rua Consolação, em São Paulo. Como não havia
mais espaço no quarteirão superlotado, um prédio foi demolido para dar lugar ao
novo.

No centro de tudo está o material produzido pela
primeira vez em 2004, que deu em 2010 o Prêmio Nobel de Física a Andre Geim e
Konstantin Novoselov, da Universidade de Manchester.

É uma folha cristalina de átomos de carbono
organizados em forma hexagonal, com apenas um átomo de espessura. Empilhadas em
inúmeras camadas, compõem o grafite que recheia os lápis.

Esfoliada do grafite –o que pode ser feito até
com fita adesiva–, a película transparente e flexível é também o material mais
resistente que se conhece.

O grafeno tem propriedades ópticas e elétricas
bem exóticas. Elas incendeiam a imaginação de físicos e engenheiros, a ponto de
eles falarem numa revolução tecnológica. Cabos de fibra óptica para transmitir
dados com velocidade até cem vezes maior que a atual estão entre as aplicações
com que eles sonham para o grafeno.

CINGAPURA-SÃO PAULO

A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo) também aposta no MackGraphe. Mais precisamente, R$ 9,8
milhões, para custear equipamentos, materiais e bolsas de estudo –e criar
condições para repatriar, por três meses ao ano, o brasileiro Antonio Helio de
Castro Neto.

Castro é o diretor do Centro de Pesquisa de
Grafeno na Universidade Nacional de Cingapura. Em matéria de estudos sobre o
tema, seu instituto –com 232 dos mais de 10 mil artigos publicados até maio de
2011– só perde para a Academia de Ciências da China (440 trabalhos).

O brasileiro foi decisivo para o MackGraphe
brotar do chão com rapidez.

Foi após uma visita a Cingapura organizada pelo
físico Eunézio Antônio de Souza, o Thoroh, que o reitor do Mackenzie, Benedito
Guimarães Aguiar Neto, decidiu turbinar a pesquisa com o novo material e criar o
centro para integrar trabalhos de químicos, engenheiros de materiais e
especialistas em dispositivos optoeletrônicos de telecomunicações.

"Ficamos impressionados com a visibilidade que
[o grafeno] daria para o Mackenzie", diz o reitor.

A viagem a Cingapura ocorreu em janeiro de 2012.
Em dezembro, o prédio que deu lugar para o MackGraphe estava demolido. O centro
será aberto até julho de 2014.

"Além da excelência científica, [Castro Neto] já
mobilizou várias de suas conexões internacionais para apoiarem as atividades no
MackGraphe", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp.

Antonio Helio de Castro Neto elogia, desde
Cingapura, a "atitude visionária" do reitor Aguiar Neto. "Esperamos que seja um
primeiro passo para o Brasil ficar competitivo numa área de pesquisa de ponta."


Transmissão de dados será alvo de pesquisa em SP

DE
SÃO PAULO

Os
centros de pesquisa em grafeno em Cingapura e São Paulo têm vocações
complementares. O da Ásia estuda aplicações do material na eletrônica e
nanoeletrônica –chips e componentes para miniaturizar e tornar mais rápidos
computadores e tablets.

Já o
MackGraphe nasce com os pés na fotônica, especialidade do físico Eunézio Antônio
de Souza, o Thoroh, coordenador do centro. Esse campo de pesquisa busca
desenvolver processadores que usem fótons (partículas de luz) em vez dos
elétrons que materializam bits de informação nos semicondutores.

Nas
comunicações, os fótons já predominam. São eles –na forma de pulsos de luz– os
portadores da informação nos cabos de fibra óptica, mas essa tecnologia esbarra
nas limitações dos dispositivos semicondutores convencionais integrados ao
sistema. Está cada vez mais difícil transmitir mais informação, em menos tempo,
com eles.

O
grafeno pode substituir os semicondutores convencionais. Sua malha de hexágonos
com átomos de carbono nos vértices permite o avanço de elétrons com agilidade
comparável à das partículas de luz.

O
material é transparente, mas absorve luz. Quando se aplica voltagem nele, a
transparência pode ser controlada para que transmita mais ou menos luz numa
certa faixa de frequência ("cor").

O
grupo de Thoroh quer explorar essas propriedades para multiplicar até cem vezes
a taxa de transmissão de informações nas fibras ópticas.

Na
visão dele, o centro encadeará quatro elos: químicos trabalharão em processos
para fabricar grafeno; engenheiros de materiais estudarão como transferir filmes
de grafeno para substratos adequados a diferentes aplicações; físicos e
engenheiros eletricistas criarão dispositivos fotônicos e optoeletrônicos e o
setor de inovação criará start-ups para levar protótipos ao mercado.


FOCO


Físico que está à frente do projeto também se dedica ao canto lírico


Pesquisador está ensaiando solo da Nona Sinfonia de Beethoven para apresentação

DE
SÃO PAULO

Quem
chegasse ao laboratório de fotônica do Mackenzie na hora do almoço, nos últimos
dias, ficaria desconcertado. Ouviria uma voz de baixo profunda entoando o solo
que abre a parte cantada do quarto movimento da Nona Sinfonia de Beethoven: "Freude,
schöner Götterfunken…"

Nos
versos de Schiller, a alegria é uma "bela faísca divina". Mas as únicas
centelhas ali produzidas se propagam silenciosas dentro de cabos de fibra
óptica.

Quem
rege o grupo de alunos de doutorado e pós-doutorado é Eunézio Antônio de Souza
–o professor Thoroh.


Thoroh, na realidade, é o nome artístico do físico no mundo do canto lírico.
Ainda menino de colo, chorava muito para pedir mais comida e ganhou o apelido de
"Toró" (pancada de chuva).

O
acréscimo dos dois agás ocorreu na adolescência, por sugestão do cantor lírico
Amin Feres (1934-2006), como ele um mineiro. Feres detectou o talento musical do
então estudante de escola técnica ao passar diante da república onde o jovem
morava em Ouro Preto.

O
rapaz cantava no banho e foi ouvido, da rua, por Feres, que bateu à porta da
casa. Os outros estudantes deixaram que entrasse e batesse na porta do banheiro.
Abriu como estava e deu de cara com o futuro mentor.


Quando Thoroh fez vestibular, Feres conseguiu-lhe uma bolsa para estudar canto
em Karlsruhe, na Alemanha. "Foi a decisão mais difícil da minha vida", conta o
físico. Acabou escolhendo a engenharia metalúrgica.

Durou
pouco. Logo Thoroh faria outro vestibular, para cursar física na Universidade
Federal de Viçosa, mas pediu transferência e terminou a graduação na USP de São
Carlos. Depois o doutorado na Unicamp, sob orientação de Carlos Henrique de
Brito Cruz (hoje diretor científico da Fapesp), e o pós-doutorado no Bell Labs
(Nova Jersey, EUA).

Nos
Estados Unidos, teve aulas de canto com o baixo Jerome Hines (1921-2003). Chegou
a ser convidado por ele para uma audição no Metropolitan. Mais uma vez, deu
prioridade para a ciência.

O
professor do Mackenzie, no entanto, nunca deixou de cantar. Sua participação
mais recente numa ópera foi no "Don Giovanni" de Mozart, no papel do
Commendatore, o convidado de pedra.


Ensaia, nos poucos momentos que a pesquisa lhe deixa de sobra, o solo da Nona
Sinfonia, que cantará na próxima quinta-feira (às 20h, no auditório Rui Barbosa)
com um coro combinado da universidade e a Sinfônica Municipal de Americana
–pois ainda não nasceu a orquestra do próprio Mackenzie, que investiu R$ 1,4
milhão para criá-la.


(ML)

Categorias: Medicina

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