Folha
de São Paulo, DOMINGO, 16 DE DEZEMBRO DE 2012

MARCELO
GLEISER

Medo
do fim

Como pessoas
inteligentes creem numa besteira dessas, após centenas de
profecias
apocalípticas na história?

SEGUNDO AS profecias que andam
aterrorizando uma boa fração da
população
mundial, esta será minha última coluna.
Sexta-feira, dia 21, o mundo acaba.
Venho recebendo dezenas de mensagens de pessoas visivelmente
preocupadas,
achando que desta vez é pra valer, que não temos
como escapar.

Leitores, podem se acalmar.
Garanto que sexta-feira, dia 21, será apenas
mais um solstício de verão, o dia mais longo do
ano. No sábado de manhã, você
estará tomando seu café tranquilamente, com um
sorriso nos lábios, convencido
de que essa história de profecia de fim de mundo
é mesmo uma bobagem. Tudo será
devidamente esquecido e a vida continuará como antes. Pelo
menos, até a próxima
profecia.

No caso dessa, o
calendário maia recomeça a cada 13 “baktuns”, e
cada ciclo tem 5.126 anos. O calendário maia foi iniciado no
dia 13 de agosto
de 3114 a.C. É apenas o fim de um ciclo e o
começo de outro, típico de culturas
que acreditam num tempo circular, ao oposto da nossa, na qual o tempo
é linear,
com apenas um começo e um fim.

Nenhum tablete de barro ou
papiro misterioso prevê o fim do mundo. Ao
contrário, os pouquíssimos documentos que
sobreviveram à dilapidação tropical e
ao fanatismo dos padres espanhóis, que queimaram tudo o que
encontraram, não
oferecem qualquer indicação de fim de mundo.

O mesmo ocorre com a
ciência. Várias causas foram oferecidas para
provocar o
fim: a reversão dos polos magnéticos da Terra, a
colisão com um asteroide,
instabilidade solar, o planeta Nibiru, alinhamento galáctico
etc. A Nasa
preparou respostas para todas essas “ameaças” em seu portal
e em um
vídeo. (Se você entende inglês, eis o
link do video:http://www.youtube.com/watch?v=QY_Gc1bF8ds)
A história do planeta Nibiru, por exemplo, foi inventada
pela médium americana
Nancy Lieder, que diz ter um implante na cabeça que permite
a ela se comunicar
com alienígenas do sistema planetário Zeta
Reticuli, a 39 anos-luz de
distância.

Como milhões de
pessoas inteligentes acreditam numa besteira dessas e se
esquecem de que o mundo ainda não acabou, mesmo
após centenas de profecias
apocalípticas no decorrer da história?

Entre outras coisas, o medo do
fim do mundo reflete nosso medo de perder o
controle da vida, do nosso destino. Reflete o medo ancestral, encravado
em
nossa memória coletiva e reconfirmado todos os anos em
dezenas de desastres
cataclísmicos, de que a natureza é muito mais
poderosa do que nós e tem o poder
de nos aniquilar a qualquer instante.

Se nos séculos
passados o fim do mundo refletia a ira divina ou a chegada da
ressurreição, hoje, com os avanços da
ciência, as causas são fenômenos
cósmicos
devastadores. Mas, como explico em meu livro “O Fim da Terra e do
Céu”, a simbologia é sempre a mesma: o fim vindo
dos céus, sem que
possamos nos defender, vítimas de nossos pecados ou de nossa
fragilidade.

Mas não precisa ser
assim. Temos um poder enorme para nos defender de medos
ancestrais e infundados: a razão. Nossa
compreensão da natureza não nos traz
apenas celulares e DVDs mas também a certeza de que o
conhecimento é a melhor
forma de liberdade.

MARCELO
GLEISER
 é
professor de
física teórica no Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor de “Criação
Imperfeita”. Facebook: goo.gl/93dHI



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