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O Estado de São Paulo, 19 de agosto de 2012 | 3h 02

 “Missão de jornalista é filtrar a informação”, diz Bill Kovach


E a do leitor, habituar-se a ser cético e manter esse ceticismo até se
convencer, por provas, de que a informação é verdadeira

GABRIEL MANZANO – O Estado de S.Paulo

O mundo tem hoje informação demais, e o público não
tem tempo nem meios de descobrir o que é melhor nem o que é verdade. Diante
disso, a missão do jornalista é saber “filtrar e agregar” essa avalanche de
dados para os cidadãos. Filtrar é conhecer as fontes, saber avaliá-las,
transmitir ao leitor os próprios limites de sua checagem.


 “Pergunte de onde vem a informação”, sugere Kovach

O alerta é do veterano jornalista americano Bill
Kovach – ganhador, com sua equipe no Atlanta Journal-Constitution, de dois
prêmios Pullitzer nos anos 1980 e cujo livro Elementos de Jornalismo (em
parceria com Tom Rosenstiel) tornou-se um clássico nas escolas americanas.

Kovach é um dos ilustres convidados do 9.º Congresso
Brasileiro de Jornais, que se reúne amanhã e terça-feira no Sheraton WTC Hotel,
em São Paulo. Com abertura de Judith Brito, presidente da Associação Nacional de
jornais, que organiza o encontro, e representantes de toda a mídia nacional, o
congresso debaterá o tema “Jornalismo e Inovação – construindo novos modelos de
negócios”. Liberdade de expressão, estratégias digitais e autorregulamentação
serão alguns dos assuntos em discussão.

Convencido de que a internet muda os meios, mas não o
conteúdo da informação, Kovach debaterá, em um dos painéis, justamente o tema
“Fundamentos do Jornalismo: por que continuam valendo nas novas mídias”. Nesta
entrevista ao Estado, dá um conselho ao leitor assoberbado com tanta notícia:
acostume-se a praticar o ceticismo. O cidadão “deve perguntar sempre como o
jornalista soube e como verificou a informação. Se não se convencer, mantenha o
ceticismo até que as provas lhe permitam aceitá-la como válida”.

O sr. sempre viu o jornalismo como uma missão
voltada para o interesse público. Com a invasão de novas tecnologias, o
interesse público lhe parece hoje mais bem servido do que há 20 anos?

As novas tecnologias criam uma oportunidade para que
o interesse público esteja hoje mais bem servido. Mas se essa oportunidade vai
ou não ser bem aproveitada depende de como os jornalistas vão lidar com elas. Há
mais informação do que nunca disponível, mas o leitor não tem tempo, nem
habilidade, para separar o que é melhor e o que é verdadeiro. Essa será a missão
do jornalista: atuar como um agregador, para o público, da informação melhor e
mais confiável.

Mas o cidadão, no contato direto com a
internet, depara com textos anônimos e com a dificuldade de verificar as fontes.
Como ele pode se defender?

O modo de lidar com isso é o mesmo que o jornalista
sempre adotou ao deixar claro a seu público qual informação foi checada e qual
não foi. Cabe ao jornalista ajudar o público a entender como determinar, por
conta própria, se a notícia é confiável. Qual foi a fonte da informação? Foi
checada? E de que modo foi checada?

Por falar em checar, qual a sua avaliação do
trabalho de Julian Assange e do WikiLeaks?

Acho que Assange entendeu seu instinto inicial de
divulgar informação sem nenhum cuidado de verificar as fontes originais da
informação nem a confiabilidade da fonte que a entregou – em outras palavras, o
que ele fez não foi jornalismo. Simplesmente espalhar documentos que podem ou
não ser autênticos não é jornalismo. Por outro lado, acredito que ele estava
tentando levar informações significativas ao público, informações que o público
tinha o direito de saber. Eu preferiria que ele fizesse algum esforço
jornalístico para checar.

Quando repórteres estão morrendo na Síria ou
na Somália, e sendo perseguidos na Venezuela, faz sentido o profissional que
atua nessas regiões “negociar” a liberdade de informação para obter as notícias?

Essa liberdade não é negociável. Acredito que, em
condições como as que você menciona, jornalistas devem ter todo cuidado para
proteger fontes que poderiam sofrer retaliação se identificadas. E nessas
situações o jornalista deve também revelar a quem recebe sua informação tudo o
que for possível dizer sobre sua fonte. Ela estava em condições de conhecer a
informação em primeira mão? Foi uma fonte confiável no passado? Essa fonte sabe
como a informação vai ser recebida? Esse tipo de cuidado é indispensável em
regiões como Síria ou Venezuela.

O sr. disse, há algum tempo, que sua visão de
jornalismo foi mudando, ao longo dos anos. Qual o “eixo” dessas mudanças?

Não me lembro de ter dito que essa definição mudou.
Sempre acreditei que o jornalismo é um esforço feito (por jornalistas) para
procurar a informação que é importante para os cidadãos. Para que estes, por sua
vez, fiquem em condições de formular decisões sobre pessoas e instituições que
têm poder sobre suas vidas. Nunca mudei minha ideia sobre essas noções básicas.
Acredito que a tecnologia mudou o modo como o jornalismo é comunicado e
transmitido, mas o conteúdo deve sempre ser desenvolvido sob essas regras de que
falei.

Que conselho o sr. dá para que o leitor
sobreviva à avalanche de informações da vida moderna?

O leitor deve, mais do que nunca, adotar uma atitude
cética – como fazem os bons jornalistas. Receber qualquer declaração, comentário
ou crítica com uma perguntinha básica: como o jornalista soube disso? Foi
checado? Em caso contrário, mantenha-se o ceticismo até que uma prova permita
aceitar a informação como válida.

Categorias: Jornalismo

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