Folha de São Paulo, Ciência, quarta-feira, 15 de fevereiro de
2012
SABATINA MAYANA ZATZ
"Não vamos usar paciente como cobaia"
Em sabatina promovida pela Folha, geneticista
da USP falou sobre incertezas da genética e das células-tronco
Para Mayana Zatz, ainda é cedo para falar em
tratamento de humanos por meio de células-tronco
SABINE RIGHETTI,
DE SÃO PAULO
A geneticista Mayana Zatz, coordenadora do
Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, é hoje um dos principais nomes da
ciência nacional e uma das responsáveis pela aprovação de pesquisas com
células-tronco no país.
Ela testa essas células em modelos animais com
distrofia muscular -uma doença genética sem cura- e coordena o aconselhamento de
casais com incidência de doenças genética na família.
Zatz participou de uma sabatina na
segunda-feira, 13, no Teatro Folha, em São Paulo. Ela respondeu às perguntas dos
jornalistas da Folha Reinaldo
José Lopes, editor de "Ciência" e "Saúde", Marcelo Leite, editor de "Opinião" e
Hélio Schwartsman, colunista do jornal, além da editora de Ciência e Saúde do
UOL, Tatiana Pronin.
Acompanhe os principais trechos da sabatina.
Tratamento
Se alguém estiver cobrando tratamento com
células-tronco, tome cuidado. O que temos hoje é pesquisa -e pesquisa não pode
ser cobrada. O único tratamento que existe é a infusão de células-tronco
coletadas do sangue do paciente e usadas em um autotransplante de medula óssea
[como no tratamento de Reynaldo Gianecchini]. Não sabemos os riscos de outras
aplicações, como em rugas.
Exames genéticos
Por que se faz exames na gravidez como o
ultrassom? É a mesma filosofia dos exames genéticos. Quando começamos a
oferece-los, os abortos diminuíram. Havia quem abortasse com medo de que o filho
tivesse uma doença genética presente na família.
Burocracia
O custo para fazer um genoma no Brasil é cerca
de cinco vezes maior do que na China. Temos muitas dificuldades para fazer
pesquisa, especialmente para importar material. O governo diz que precisamos
importar a cada seis meses. Isso é o mesmo que dizer a uma dona de casa que ela
precisa comprar de uma vez só tudo que usará em seis meses. Sobra farinha e
falta fubá. Os materiais são cadastrados, os pesquisadores são cadastrados. Por
que não importamos material científico como se importam livros?
Religião
Muitas pessoas que nos ajudaram a aprovar a lei
que autoriza pesquisas com células-tronco no Congresso [em 2005] são
evangélicas. Um dirigente católico já me disse para não desistir da luta: "a
Igreja muda de posição".
Expectativas
Não queremos criar falsas expectativas e nem
usar os pacientes como cobaia. Mas não podemos parar de divulgar os resultados
das pesquisas para mostrar que os trabalhos têm andado.
Informação genética
Há empresas dos EUA sequenciando genoma e
mandando pelo correio por mil dólares. Esses testes não são confiáveis e as
pessoas não saberão interpretar os dados.
Ética
Se um paciente nos procura por causa de um
problema muscular e descobrimos que ele tem gene para Alzheimer, devemos contar?
Os EUA contam tudo. Aqui nós perguntamos se a pessoa quer saber as doenças que
pode ter. Os exames genéticos mostram que 10% das pessoas não são filhos de quem
pensam ser. Nós só falamos essa informação caso afete o tratamento ou
aconselhamento genético.
Genes "fúteis"
Sou totalmente contra manipulação genética de
genes que chamo de "fúteis", como para aptidão a esportes ou cor dos olhos. E se
o filho, em vez de esportista, quiser ser músico?
Futuro da genética
Pense na complexidade que é um ser humano. Hoje
sabemos que não basta ter um gene para manifestar uma doença. Há genes
"protetores" que parecem impedir essa manifestação. Ainda temos muitas
perguntas.
RAIO-X MAYANA ZATZ
IDADE
64 anos (nascida em Tel Aviv, Israel)
FORMAÇÃO
Bióloga pela USP, com pós-doutorado nos EUA
ATUAÇÃO
Coordena o Centro de Estudos de Genética Humano da
USP e preside a ABDIM (Associação Brasileira de Distrofia Muscular). Trabalha
com genética e células-tronco
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