Jornal da Tarde, 29/03/2010 – São Paulo SP
Nem Estado
reconhece cursos da USP Leste
Gerontologia e
Obstetrícia, duas graduações da unidade de Ermelino Matarazzo, já formaram 200
alunos, mas eles não conseguem trabalhar na área porque suas profissões não são
reconhecidas pelos conselhos de classe
ISIS BRUM
Cinco anos depois
da criação dos cursos de Gerontologia e Obstetrícia da USP Leste, nem o governo
estadual, que investiu R$ 105 milhões na criação do câmpus, em Ermelino
Matarazzo, reconhece as novas profissões. Não há vagas para os formados na rede
pública de saúde estadual e municipal. Muito menos na privada. Mas os problemas
não param por aí: essas duas novas profissões foram criadas a partir de
especialidades cursadas em nível de pós-graduação por enfermeiros, médicos e
profissionais de saúde – categorias estabelecidas, fiscalizadas e reconhecidas
por conselhos profissionais e pelas sociedades científicas. O mesmo não ocorre
com a Gerontologia, que fundou uma associação e pretende criar seu próprio
conselho, e com a Obstetrícia, que obteve na Justiça o direito de ter a
inscrição profissional emitida com ressalva pelo Conselho Regional de Enfermagem
de São Paulo (Coren-SP).
Procuradas pelo
JT, as reitorias da USP Leste e da Cidade Universitária não quiseram se
manifestar. O ex-governador Geraldo Alckmin, hoje secretário estadual de
Desenvolvimento, também não comentou os problemas referentes aos cursos da USP
Leste, idealizada e construída durante sua gestão como governador do Estado de
São Paulo. De acordo com a descrição contida no site da USP Leste, a Obstetrícia
forma profissionais para “cuidar da saúde de gestantes, parturientes, puérperas,
recém-nascidos e familiares” e a Gerontologia, para gerenciar políticas públicas
e projetos para a melhoria da qualidade de vida na terceira idade.
Dentro da lei –
Para o Conselho Estadual de Educação(Ceesp), que aprovou todos os dez cursos em
vigor na USP Leste, não há
ilegalidade com
as carreiras de Obstetrícia e Gerontologia. “A universidade não é obrigada a
criar cursos que só os conselhos (profissionais) autorizam”, afirma João Cardoso
Palma Filho, presidente da Câmara de Ensino Superior do Ceesp. As coordenadorias
das duas graduações concordam com Palma Filho e apostam no “olhar inovador” da
universidade. Entretanto, reconhecem a dificuldade de aceitação dos novos
profissionais pelo mercado e a inexistência de medidas por parte da universidade
para tornar os cursos mais conhecidos. Entre 2008 e 2009, quatro turmas se
formaram – duas de cada graduação. Nesse período, a USP Leste já lançou ao
mercado cerca de 200 pessoas, sendo que a maioria dos ex-alunos optou por seguir
carreira acadêmica, iniciando o mestrado, ou seguiu para uma área distinta da
formação superior que recebeu.
Formada na
primeira turma de Obstetrícia, em 2008, Natascha Gaeta Szewczuk, de 25 anos, não
esconde a frustração por ter se dedicado em vão a um curso da USP. Sem conseguir
emprego na área, Natascha trabalha como gerente comercial há um ano. “Ninguém
abre vaga só para obstetrizes.” A maior resistência, aliás, é com os graduados
em Obstetrícia, que reivindicam seu reconhecimento pelo Coren-SP, alegando que
uma lei, em vigor até 1975, incluía as obstetrizes na categoria das enfermeiras.
A profissão foi extinta e se tornou uma especialidade feita em nível de
pós-graduação pela própria USP.
O Coren-SP é
expressamente contrário à inscrição desses profissionais e emite uma certidão
provisória, em cumprimento a uma decisão judicial. O formando da USP Leste é
inscrito como “enfermeiro provisório” e com a
ressalva de que
poderá trabalhar somente na área de Obstetrícia. De acordo com a entidade, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) extinguiu a Obstetrícia como
habilidade e a elevou para o nível da pós-graduação. “A obstetriz deixou de
existir, foi banida pela lei, pelas diretrizes curriculares”, diz Claudio Alves
Porto, presidente do Coren-SP, ao ser questionado sobre o motivo pelo qual não
aceita os alunos saídos da USP Leste. “Eu só posso autorizar o registro de três
categorias: a de enfermeiro técnico, auxiliar e obstetra.” O caso está sendo
analisado pela procuradora da República em São Paulo, Adriana da Silva
Fernandes, que preferiu não comentar o assunto por não ter uma opinião formada.
Gestão da velhice
– A pressão sobre os graduados em Gerontologia é menor porque a área de atuação
não está diretamente ligada ao trato do paciente e sim à gestão de políticas e
ações intervencionistas em centros próprios para a terceira idade ou em
hospitais, como coordenador da equipe multidisciplinar no atendimento ao
paciente idoso. A ressalva maior é com a titulação. A Sociedade Brasileira de
Geriatria e Gerontologia de São Paulo (SBGG-SP) considera gerontólogo somente o
profissional com graduação em uma área da saúde e com o título de especialização
em Gerontologia, reconhecido pelo órgão após aprovação em uma prova que é
realizada uma vez por ano. “Não foram (universidade) felizes na escolha do nome
para a disciplina”, diz Claudia Fló, presidente do Departamento de Gerontologia
da SBGG-SP. No ano passado, a USP recebeu R$ 2,8 bilhões do Tesouro do Estado.
Desse montante, R$ 33,5 milhões (1,15%) são destinados para a USP Leste, que
gasta R$ 32,4 (97%) de sua renda anual com a manutenção do quadro funcionários.
Para ex-aluna,
faculdade forma desempregados
“O
que a faculdade forma? Um bando de desempregados?”, questiona a gerente
comercial Natascha Gaeta Szewczuk, de 25 anos, formada em Obstetrícia há dois
anos. Ela é uma entre as dezenas de graduados do mesmo curso sem emprego na
área. Ao mesmo tempo em que briga na Justiça para obter o registro definitivo no
Coren-SP também cobra uma postura da USP. “Estão falando que o curso é ruim e
ninguém se posicionou. Nem o
jurídico deu
suporte”, critica. Também por falta de emprego, Nathalie Leister, de 22 anos, da
mesma turma de Natascha, faz mestrado. “Não pensei que haveria tanta
resistência”, conta. No entanto, se tivesse, à época do vestibular, a vivência
de hoje, afirma que não cursaria Obstetrícia. “Teria feito enfermagem.”
No 3º ano de
Gerontologia, Laís Markarian, de 20 anos, trabalha no setor administrativo de
uma
AMA de
especialidades da Prefeitura, na zona leste. Não exerce a profissão, mas tem
expectativas de ser aceita no mercado. “A população está envelhecendo e não há
profissionais para suprir as necessidades desse público”, aponta. Há um ano,
alunos do curso fundaram a Associação Brasileira de Gerontologia, que tem 60
associados. Atualmente, a entidade está voltada para auxiliar os
ex-universitários a encontrar trabalho.
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