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Folha de São Paulo, Ciência e Saúde, SEXTA-FEIRA, 21 DE FEVEREIRO
DE 2014

Nova regra limita atendimento em genética médica

Biólogo geneticista não pode oferecer
aconselhamento no SUS, que exigirá profissional formado em medicina

Outra norma recente, da ANS, prevê que só
médicos especialistas em genética possam pedir exames de DNA

RAFAEL
GARCIA
DE
SÃO PAULO

Uma portaria do Ministério da Saúde que
regulamenta a oferta de aconselhamento genético por meio do SUS (Sistema Único
de Saúde) está recebendo críticas de geneticistas não médicos, que ficam
impedidos de oferecer o serviço a partir de agora.

Pacientes que querem entender riscos dos males
hereditários, suas consequências e as opções para lidar com situações que eles
impõem precisam recorrer a um geneticista formado em medicina.

As críticas ganharam força há uma semana quando
a bióloga Mayana Zatz, da USP (Universidade de São Paulo) –uma das mais
conhecidas especialistas do país em genética humana–, acusou o ministério de
estrangular a demanda por serviços de saúde na área de genética.

“Existem mais de 6 milhões de pessoas com doença
genética no Brasil e apenas 160 médicos geneticistas”, diz a cientista. “Não é
difícil prever que, com essa limitação, a grande maioria das famílias com
doenças genéticas não terá acesso ao aconselhamento genético.”

Segundo Zatz, a portaria exclui “milhares de
cientistas com doutorado em genética humana” que já vêm oferecendo o serviço.

Sérgio Pena, médico geneticista da UFMG, diz que
não vê problema em outros profissionais de saúde fazerem aconselhamento, desde
que diagnósticos continuem sendo prerrogativa de médicos.

O governo afirma que a portaria não restringe,
mas amplia a atenção a doenças raras, pois institui o serviço como procedimento
bancado pelo SUS. Até então, segundo José Eduardo Fogolin, coordenador da área
no ministério, o aconselhamento genético era feito só em centros universitários,
tendo a pesquisa como finalidade.

O ministério prevê um segundo momento em que
outros profissionais possam realizar o procedimento. Fogolin nega que o número
de médicos geneticistas seja um gargalo para o aconselhamento e diz que o SUS
pode vir a oferecer o serviço em todas as regiões do país.

SETOR PRIVADO

Uma outra norma para serviços de genética em
saúde atrai reclamações de médicos. Aqueles que possuem registro no CRM, mas não
são especialistas em genética, não poderão mais assinar pedidos de exame de DNA.

A ANS (Agência Nacional de Saúde) determinou que
isso passa a ser exclusividade do médico geneticista. Planos de saúde podem
recusar, por exemplo, um pedido de exame de síndrome de Huntington feito por um
neurologista, ainda que a doença seja um mal do sistema nervoso.

“Não sei se as seguradoras querem evitar bancar
esses exames, que são muito caros”, diz Thomaz Gollop, geneticista-obstetra da
Faculdade de Medicina de Jundiaí. Ele vê risco de “elitização” do serviço sob a
nova regra.

Colaborou JOHANNA NUBLAT



OUTRO LADO


Mudança não é corporativismo, diz especialista

DE
SÃO PAULO

A
presidente da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica), entidade
consultada pelo governo para a elaboração das novas regras do setor, nega que a
motivação para as mudanças tenha sido o corporativismo de médicos dessa
especialidade.


“Vemos com muito bons olhos os outros profissionais, desde que tenham o
treinamento adequado”, diz Lavinia Faccini, médica geneticista da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. “O que a SBGM não concorda é que, por exemplo,
biólogos que têm mestrado ou doutorado em genética sejam automaticamente
considerados capacitados para fazer aconselhamento genético.”


Quanto à norma da ANS que restringe exames, Faccini diz que é um meio de evitar
pedidos “desnecessários”. Para ela, o médico geneticista pode atuar só como
consultor nesses casos, sem precisar examinar pacientes. “Isso tem funcionado
bem em planos de saúde que têm um geneticista encarregado de ver os pedidos que
vêm dos médicos e dizer se são adequados ou não”, diz.


(RG)


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