Nova pagina 3

Folha de São Paulo, Mundo, sábado, 18 de agosto de 2012

Novos postos viram “mico” no Itamaraty

Governo tem dificuldade em preencher
embaixadas abertas por Lula em países pobres, por falta de interesse

Ministério das Relações Exteriores afirma que
política de expansão das representações foi bem-sucedida

FLÁVIA FOREQUE, DE BRASÍLIA

O aumento do total de embaixadas no governo Lula
(2003-2010) esbarrou na falta de interesse dos diplomatas em atuar nesses
postos.

Das 40 embaixadas abertas durante a gestão do
petista, 35 contam com um corpo diplomático abaixo do previsto -a lotação ideal
de cada representação é definida em portaria assinada pelo ministro das Relações
Exteriores.

A falta de servidores é recorrente em postos na
África, no Oriente Médio e no Caribe, classificados, em grande maioria, como C e
D. Essas categorias, as piores, são definidas por critérios como grau de
representatividade do posto e nível de vida no país.

Em Camarões, por exemplo, só há um diplomata
lotado na embaixada brasileira: o chefe do posto, embaixador Orlando Galvêas.

Embaixadora em Acra, capital de Gana, Irene Vida
Gala afirma que um dos motivos para a dificuldade em ocupar postos mais áridos é
o pouco reconhecimento profissional.

"De um modo geral, ainda na atual geração, os
funcionários mais destacados da estrutura do Itamaraty nunca passaram por esses
postos, sobretudo na África. A mensagem é de que a África, ou postos menores e
de sacrifício, não podem estar no currículo daqueles que esperam fazer uma bela
carreira na Chancelaria", afirma. "Felizmente isso está mudando", avalia ela.

Acra esteve por duas vezes na lista de
embaixadas oferecidas aos recém-formados.

Criada em 2007, essa relação prioriza os postos
com "alta carência" de pessoal. Mas nem sempre essas vagas são preenchidas.

Muitos diplomatas preferem ficar mais tempo no
Brasil até conseguirem postos mais tradicionais. Na última turma, só 11 dos 108
formandos aceitaram lugares como Iraque, Paquistão e Haiti.

O terceiro-secretário Michael Lawson foi um
deles. Atualmente, ele é o único diplomata em Gaborone, capital de Botsuana. A
expectativa é de que até setembro o posto tenha um embaixador.

Lawson afirma que aceitou a oferta por ter
interesse em atuar na África. Ele cita ainda alguns benefícios.

Diplomatas em postos mais difíceis recebem uma
remuneração maior, além de ter a possibilidade de pagamento integral de
auxílio-aluguel.

"Existe uma defasagem entre discurso e prática",
afirma um diplomata sobre a festejada expansão de postos.

O Itamaraty rebate e defende que o aumento do
número de embaixadas foi uma política bem-sucedida.

"A maior capilaridade da representação do Brasil
no exterior, inclusive em áreas de grande importância nas quais tínhamos
presença esparsa, tem ajudado na interlocução com os governos e contribuído para
identificar novas oportunidades de negócios rapidamente", afirma o ministério
por meio da assessoria de imprensa.

"Conacri é uma imensa favela", diz embaixador

DE BRASÍLIA

"Conacri é uma imensa favela, pior do que as
nossas."

É assim que o embaixador José Fiúza Neto define
a capital da Guiné. Há quatro anos ele é o único diplomata brasileiro no país
africano.

Até há pouco tempo, o diplomata acumulou a
função de embaixador em Serra Leoa, hoje com sede própria.

"Não existe esgoto, o fornecimento de água é
precaríssimo. Em algumas áreas da cidade mais habitadas por estrangeiros, esse
fornecimento ocorre, mas em geral não existe. Até para escovar o dente você
utiliza água mineral", relata o diplomata.

O cenário, entretanto, está longe de ser o
retrato de todas as embaixadas na África.

O estigma e o desconhecimento da rotina em
capitais africanas são apontados, na verdade, como outro fator para a falta de
interesse dos diplomatas por esses postos.

A embaixadora brasileira em Gana lembra a
estabilidade política e os baixos índices de violência como bons indicadores do
país.

"Viver em Acra não é um problema. A cidade é
agradável, bem abastecida, com bom atendimento médico, elites profissionais e
culturais interessantes", afirma Irene Vida Gala.

Segundo ela, os estereótipos de capitais
africanas são realidades "já muito ultrapassadas".

(FF)

Categorias: Diplomacia

1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp