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Revista Isto É,
Edição 2009, 03/05/208,CHRISTOPHER EDGINTON



O acesso ao lazer é um direito social


Consultor da ONU diz que o descanso e o prazer são meios para medir a felicidade
de uma pessoa e o grau de democracia de uma sociedade

Por JONAS
FURTADO


Em uma sociedade tão competitiva e assolada pelo
stress, o acesso a momentos de lazer tornou-se

tão essencial e desejável para os indivíduos quanto serviços básicos, como o
transporte e a educação. Esta é a opinião do americano Christopher Edginton,
secretário-geral da World Leisure Organization, órgão não-governamental que
presta consultoria à Organização das Nações Unidas (ONU) em questões relativas
ao lazer e ao desenvolvimento pessoal e social. “Qual é o propósito da vida?
Para mim é encontrar felicidade, satisfação e conseguir apreciá- la, torná-la
relevante. Isso pode ser alcançado pelo trabalho, mas também pelo lazer”, diz
Edginton, 62 anos, que também é diretor e professor da Escola de Saúde, Educação
Física e Serviços de Lazer da Universidade de Iowa (EUA). Ele esteve no Brasil
como o principal nome do seminário Lazer em Debate, promovido recentemente pelo
Senac e a Universidade de São Paulo.


ISTOÉ
Qual
é a melhor definição para lazer?


Christopher Edginton

– Há três maneiras clássicas para defini-lo. A primeira é que ele representa o
tempo livre, no qual não se tem que trabalhar para garantir a subsistência. A
segunda é que ele é a série de atividades em que um indivíduo está envolvido.
Futebol pode ser uma atividade de lazer para uma criança, mas é um trabalho para
jogadores profissionais. Mais recentemente surgiu uma nova definição
considerando- o como um estado da mente – isso significa que ele pode ocorrer a
qualquer momento, em qualquer lugar. Mas arrumar uma definição unânime sobre
esse tema é mais difícil do que grudar uma gelatina numa árvore. Nos meios
acadêmicos, nunca conseguimos entrar em acordo sobre isso. O que, de certa
forma, é bom, porque o lazer é definido culturalmente. Não é certo que um
americano defina o que é lazer no Brasil, mesmo em um mundo tão globalizado.


ISTOÉ
Em
que época o culto ao lazer tornou-se importante?


Edginton
– A
estratificação do trabalho, sua organização social, criou uma espécie de
dinâmica do lazer. As pessoas nas sociedades agrícolas tinham muito mais tempo
do que nós. O tempo deles era regulado pelas estações e havia mais feriados,
especialmente religiosos. Com a industrialização, os indivíduos passaram a ficar
acorrentados a um esquema, a uma agenda, a uma máquina. Foram criados, então, o
conceito de tempo de trabalho e tempo livre. O uso errado desse segundo se
tornou um problema nos negócios e aí o governo começou a intervir. Basicamente,
pelo menos nos Estados Unidos, os trabalhadores começaram a ir para tavernas,
bebiam à noite e não conseguiam se apresentar para o trabalho no dia seguinte.
Algo tinha que ser feito para tirar as pessoas dos bares. O lazer foi
introduzido como um instrumento de controle social – e assim é utilizado em
algumas sociedades até hoje.


ISTOÉ
Qual
a relação dele com a saúde?


Edginton
– As
pessoas cada vez mais vêem o lazer ligado à saúde e ao bemestar físico e mental.
Nas grandes sociedades, um dos maiores desafios enfrentados é a epidemia de
obesidade que está por vir. Muito disso pode ser creditado à falta de atividades
físicas durante o período de lazer das pessoas, associada a um hábito alimentar
pouco nutritivo. E isso se torna um problema ainda mais sério quando começa a
elevar os custos com saúde e assistência médica. Em 2006, ouvi de membros do
governo chinês que, nos próximos 50 anos, um quarto da economia na China será
focada em lazer e produção cultural. Nos Estados Unidos, em uma década, os
gastos com lazer, serviços e bens aumentaram 1,3%, chegando a 8,3% da economia
em 2004. Imagino a quanto esse percentual chegará em 50 anos.


ISTOÉ

Pessoas que dedicam mais tempo ao lazer são mais saudáveis?


Edginton
– Seu
uso positivo contribui para uma boa saúde física e mental. Mas eu conheço muitas
pessoas que vão ao bar para beber e isso talvez seja bom para a saúde mental
delas, mas não para a física. O lazer é como a força em Guerra nas estrelas –
pode ser usado para o bem e para o mal. Temos que ajudar a população a usar seu
tempo de lazer em benefício próprio e da comunidade.


ISTOÉ
Qual
a importância do acesso ao lazer na terceira idade?


Edginton
– A
aposentadoria de meu avô de 97 anos já dura mais do que todo o meu tempo de
trabalho, 35 anos. Quando penso no quanto minha profissão é importante para mim,
imagino, quando estiver aposentado, ter uma outra vida inteira equivalente em
tempo. É nosso dever assegurar que os idosos tenham acesso a programas,
facilidades e serviços e a oportunidades de conhecimento e aprendizado. Uma
alternativa, também, é buscar nessa fase novos significados para o lazer. Como
tornar-se voluntário, por exemplo. E se todas as pessoas da sociedade brasileira
com mais de 60 anos decidissem dedicar três ou quatro anos de suas vidas para
trabalhar com crianças, por exemplo? Isso teria um impacto imenso na educação da
população. É impressionante o número de pessoas entre 75 anos e 85 anos que
ganharam um Prêmio Nobel. Nessa idade, ainda há muito a oferecer aos outros.


ISTOÉ
Como
fazer com que sociedades culturalmente voltadas para o trabalho dediquem mais
tempo ao lazer?


Edginton
– Qual
é o objetivo de quem trabalha muito? Com certeza não é trabalhar sempre mais,
mas alcançar, de alguma maneira, a prosperidade, seja ela financeira,
intelectual ou espiritual. Trabalhamos muito para nos posicionarmos, para que
nossos esforços sejam recompensados com lazer. Veja quanto o trabalho é
importante em nossa vida. Se eu perguntar o que você é, você me dirá:
jornalista. O lazer ganha importância quando as pessoas começam a se definir a
partir dele, como “eu jogo golfe” ou “eu danço” – e isso acontece cada vez mais.
Outra coisa muito importante é que construímos um sistema que gera bens e
riquezas, não para todos, claro, mas que produz recompensas materiais. Isso não
está mais satisfazendo as pessoas.


ISTOÉ
Por
quê?


Edginton
– As
pessoas não colecionam coisas materiais, colecionam experiências. Pense na sua
infância. Você se lembra das cinco bolas de futebol que teve ou daquele jogo em
que marcou o gol da vitória? São essas lembranças que o acompanharão para
sempre.


ISTOÉ
É
importante criar momentos de lazer em tudo o que se faz durante o dia, mesmo no
trabalho?


Edginton

Todos precisam de equilíbrio em suas vidas. É necessário um tempo para reflexão,
para se comprometer com os outros, para ter a oportunidade de aprender novas
habilidades. Há muitas razões pelas quais o lazer é essencial. Mas a principal
delas é porque ele é o meio pelo qual as pessoas medem a satisfação em suas
vidas. Ele cria espaço e tempo para você aprender uma nova habilidade, adquirir
sabedoria, rever valores, refletir sobre o relacionamento com outras pessoas –
enfim, possibilita a transformação pessoal. Vivemos num mundo que se modifica
tão drasticamente que precisamos de tempo para podermos mudar – e, se lazer é
liberdade, ele propicia isso.


ISTOÉ
Como
garantir e providenciar o acesso às classes menos favorecidas?


Edginton
– Não
acho que a resposta passe apenas pela intervenção do poder do Estado. O que os
governantes devem fazer é criar políticas que permitam às empresas reformar suas
estruturas financeiras e administrativas de modo que possam apoiar comunidades
carentes com pequenos investimentos. Os governantes também têm que intervir nos
serviços necessários e garantir que eles estarão disponíveis, seja em espaços
abertos, seja em parques ou centros esportivos. E as organizações
não-governamentais precisam liderar a causa e trabalhar para providenciar
serviços, torná-los acessíveis, para que todos possam satisfazer suas
necessidades de lazer.


ISTOÉ
É
uma tendência que o lazer fique cada vez mais caro nas grandes cidades?


Edginton
– Há
uma diferença nas experiências das pessoas que moram em centros urbanos e as que
vivem em lugares mais próximos da natureza. As segundas pescam, bebem cerveja,
conversam, o lazer é mais informal. Nas grandes cidades, ele é mais estruturado
– em edifícios, espaços designados, como cinemas e museus – mesmo os parques são
lugares formais. Custa mais caro construir estruturas para o lazer nas áreas
urbanas do que numa área mais informal. Isso não significa que não temos
oportunidades mais casuais nas metrópoles: se você considerar lazer um estado de
espírito, 95% das nossas experiências ocorrem em ocasiões sociais breves – como,
por exemplo, quando saímos para o corredor e conversamos rapidamente antes de
voltar ao trabalho. Mas o fato é que grande parte do lazer nos centros urbanos é
feita dentro das residências. As pessoas ficam em seus casulos, como borboletas,
com toda a sua tecnologia, porque é seguro. Trancamse as portas e as conexões
são mantidas através do computador, do iPod, do iPhone.


ISTOÉ

Modernidades tecnológicas servem para aproximarou distanciar os indivíduos?


Edginton
– Para
ambos, na verdade. Nós conhecemos o lado da tecnologia avançada da sociedade,
mas será que entendemos o lado do contato humano avançado? As pessoas acham que
podem se relacionar através de um toque no computador, mas o que realmente
acontece nessas experiências online? Elas são apenas fantasia. Quando
conversamos cara a cara, temos que nos relacionar em todos os aspectos como
seres humanos. É uma convivência muito diferente da que praticamos através de
uma máquina. O contato humano é muito importante e os ambientes voltados para o
lazer criam oportunidades para todos manterem contato real entre si e com o
mundo. Se acreditamos em valores humanos e na sociedade, isso sempre será
importante.


ISTOÉ
Que
metrópole no mundo seria exemplo na oferta de opções à população?


Edginton
– Hong
Kong é um grande exemplo de sociedade urbana que desenvolveu um fantástico
sistema de lazer público e privado. Todo bairro tem um centro que oferece uma
vasta gama de opções, como prédios com atividades físicas em um andar,
biblioteca em outro, aulas de reforço para crianças em dificuldade na escola e
um mercado de produtos saudáveis no piso térreo. Comunidades evoluídas também
prezam a preservação de seus espaços – não há grandes cidades sem grandes
parques.


ISTOÉ
O
lazer é um jeito de medir o grau de democracia de uma sociedade?


Edginton
– Se o
lazer é liberdade, e a liberdade é essencial para uma vida e um aprendizado
democráticos, então a resposta é sim.


ISTOÉ

alguma parte do mundo em que as pessoas simplesmente não têm lazer?


Edginton
– O
conceito de lazer está presente em todas as culturas, mas a indústria do lazer
está estabelecida apenas em países desenvolvidos. Essa é a diferença.


ISTOÉ

Pessoas ricas se divertem mais?


Edginton
– Não
há relação direta entre a quantidade de dinheiro que você ganha e sua satisfação
com o lazer. Há muito trabalho científico sendo feito recentemente na área de
psicologia sobre a alegria humana. A maioria das pessoas bem ajustadas, por
exemplo, é de classe média. Há alguns sistemas sociais e econômicos que geram
fartura e todos podem tirar proveito disso. Mas há outros sistemas, como o
socialismo e o comunismo, que não parecem funcionar efetivamente para gerar o
tipo de inovação e criatividade que você encontra em sociedades capitalistas.
Claro que as sociedades capitalistas tem seus pontos fracos também. Mas acho que
não precisamos satanizar as empresas, e sim colocálas para trabalhar a nosso
favor. Devemos encontrar um jeito de nos beneficiar dessa capacidade de gerar
enriquecimento, inovação e criatividade.

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