Nova pagina 1


O Estado de São Paulo, Domingo, 28 outubro de 2007


METRÓPOLE

 



O apaixonado italiano que usa terno até para ensaiar



Violinista que deixou carreira confortável em Bolonha há 3 anos diz que
diversidade é a marca de São Paulo

Tirando o fraque usado nos concertos, a rotina dos
músicos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo passa longe de ser
glamourosa. Os ensaios ocorrem religiosamente de segunda a sexta-feira, às vezes
até aos sábados, das 9 às 13 horas. E mesmo que leve o nome de ensaio, não há
espaço para erros. O maestro carioca John Neschling cobra o grupo como se
estivesse à frente de um batalhão militar, interrompendo sinfonias bruscamente
quando ouve alguma nota fora do lugar. Se gosta do que ouve, solta um “bravo!”.
Se não, sobram gestos de desaprovação e cobranças severas.

 

No grupo de 115 músicos, a imensa maioria usando jeans e
tênis esportivo, chama a atenção uma figura de terno e óculos de aro fino
sentada logo à esquerda do maestro. Emmanuele Baldini, de 35 anos, foi um dos
últimos estrangeiros contratados pela Osesp e o primeiro italiano. Chegou há
três anos, para ocupar o posto de spalla da trupe (como o primeiro violino da
orquestra, ele é o último músico a entrar no palco e fica responsável por afinar
a grupo antes da entrada do maestro).

 

Um tanto tímido, sempre agarrado ao seu violino (“trato
como se fosse um nenezinho”) e com um forte sotaque do norte da Itália, Baldini
se transforma quando sobe no palco da Sala São Paulo. Ao contrário dos colegas
de postura impecável e gestos ritmados, ele se contorce, torce o lábio, joga o
tronco para frente e para trás com o andamento da música e em alguns momentos
até finca o sapato de bico fino firme no chão para segurar o corpo.

 

Sai a timidez, entra uma confiança absurda – em si mesmo
e no instrumento. “É a paixão”, diz ele, que começou a tocar aos 6 anos. “Quando
era pequeno, eu tinha um gravador de fitas que sempre ouvia antes de dormir.
Ficava escutando música clássica e sonhava. Adorava a figura do violinista, era
tão nobre, tão aristocrático. Lembro que pagaria para poder fazer parte daquilo,
tocar aquilo. Hoje, ganho para isso. Não posso pedir mais nada da vida.”

 

Antes de vir para São Paulo, Baldini tocava na Orquestra
do Teatro de Bolonha e tinha um contrato de funcionário público – poderia se
aposentar lá, sem problemas. Mas aceitou o desafio de vir para a Osesp, num país
em que nunca tinha botado os pés antes. “Achei que ia ser difícil me acostumar,
mas que nada”, conta. “Eu me apaixonei por São Paulo. Logo que cheguei, a cada
dia saía com um grupo diferente da orquestra: primeiro com os músicos do Leste
Europeu, depois com os latinos, depois alemães… Assim conheci a cidade. É isso
que me toca tanto, essas diferenças de São Paulo. Prova de que vários povos
podem conviver. É que nem na orquestra. Somos diferentes, mas nos completamos.”

Categorias: Música

1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp