Folha de São
Paulo, The New York times, segunda-feira,
09 de julho de 2012

ENSAIO
– ANDREW FERREN

O
arquiteto-chefe do Império Otomano

Fui à Turquia numa
peregrinação arquitetônica. Embora o
design e a arte contemporânea estejam em
alta por lá, eu ansiava por saber mais sobre o trabalho de
Sinan (1490-1588),
chefe dos arquitetos e engenheiros civis do Império Otomano.
Seus patrões, o sultão
Suleyman, o Magnífico, e seus descendentes, eram os homens
mais poderosos da
Terra.

Os guias costumam
compará-lo ao seu contemporâneo Michelangelo, mas
Michelangelo fez
contribuições espetaculares a alguns poucos
prédios em Roma e Florença,
enquanto Sinan construiu cerca de 300 estruturas no Leste Europeu e
Oriente
Médio, das quais centenas continuam em uso.

“Como na [praça]
São
Pedro, em Roma, seu olho é atraído para a
própria cúpula”, disse Dogan
Kuban, autor de muitos livros sobre arquitetura islâmica. “As
cúpulas
rasas de Sinan, porém, com sua
decoração abstrata pintada, parecem flutuar
magicamente. Em vez da estrutura, você contempla o
espaço.”

Visitei mais de uma
dúzia
dos seus edifícios em Istambul, uma cidade com quase 3.000
mesquitas, para
melhor compreender como a sua experimentação com
composições geométricas
complexas transformou grossas paredes de pedra em colunas, arcos e
abóbadas -e
em coisas chamadas trompas e tímpanos- na hora de fazer a
transição vertical do
piso quadrado das mesquitas para os seus tetos redondos.

A mesquita Sehzade, em
Edirnekapi, foi concluída em 1548, no começo da
carreira de Sinan. Nas paredes
exteriores da mesquita, Sinan organizou habilmente os contrafortes que
sustentam a cúpula sobre as colunas. Para criar simetria,
ele posicionou portas
no centro delas. Mas, dentro da mesquita, as portas faziam os
fiéis entrarem e
saírem no meio da sala, e não pelo fundo. “Um
local sagrado destinado à
oração e contemplação se
tornou um corredor”, disse meu guia, “um
erro que ele nunca mais repetiria”.

Perto dali fica a mais
importante mesquita de Sinan em Istambul. Encomendada por Suleyman para
ser a
sua própria tumba, e concluída em 1558, a
mesquita Suleymaniye está entre os
monumentos mais visíveis da cidade. Sinan modulou a altura
dos quatro
minaretes, reforçando a ilusão de que a mesquita
flutua sobre a cidade.

A mesquita Rustem Pasha
fica no movimentado mercado de especiarias da cidade. Sinan enfrentou
os
desafios de construir neste lugar não exatamente pacato
elevando todo o complexo
acima do nível da rua.

Uma serena praça
flutua
sobre a algazarra. No interior, os brilhantes azulejos de Iznik, do
século 16,
criam um jardim de tulipas encarnadas, turquesas e cobalto.

A mesquita Mihrimah Sultan,
em Edirnekapi, foi encomendada por Mihrimah, filha de Suleyman.
Decoradas com
vitrais e vidros translúcidos, as paredes são uma
maravilha da alvenaria.

Dizem que Sinan estava
apaixonado por Mihrimah, mas, como ela se casou com o
grão-vizir de Suleyman,
ele se contentou em fazer a mesquita ser a mais luminosa
possível, de modo a
refletir o nome dela, que significa “sol e lua”.

Meu guia, adequadamente
chamado Sinan Yalcin, também me contou que, no dia em que um
novo sultão era
proclamado, seus irmãos eram mortos, para evitar disputas de
poder.

A mesquita Sokollu Pasha
também é famosa por seus azulejos. A chegada
oferece uma vista impressionante
do amplo teto que protege a fonte das abluções,
em primeiro plano, e a
repetição aparentemente infinita de
cúpulas e arcos da mesquita.

No outro lado do
Bósforo,
no lado asiático de Istambul, fica a mesquita Semsi Pasha,
versão em miniatura
de templos enormes como a famosa Mesquita Azul. Seu discreto interior
é uma
elegante e comedida evocação do
paraíso terrestre.

A três horas de carro
de
Istambul, em Edirne, ex-capital otomana perto da fronteira com a
Bulgária e a
Grécia, fica a mesquita Selimiye. Com seus quatro esguios
minaretes, ela coroa
o centro da cidade. Sinan a considerava a sua obra-prima.

Em 2011, o conjunto foi
tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade.

À primeira vista,
ela
parece uma tensa mistura de esferas, cones e cilindros, nas cores bege
ou cinza
escuros.

Mas a complexidade
artística das paredes externas aparentemente
impenetráveis se dissolve em um
bordado de colunas e arcos de pedra que abraçam um
espaço vasto e harmonioso.

Apesar da
sua escala impressionante -a cúpula ultrapassa em alguns
centímetros a da Hagia
Sófia, em Istambul-, nenhum detalhe era pequeno demais para
escapar à atenção
de Sinan.


Categorias: Arquitetura

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