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O Estado de São Paulo, 22 de outubro de 2012 | 7h 06

 “O brasileiro não leva o design a sério”

A Pininfarina, um dos mais tradicionais escritórios
do design mundial, depende agora de mercados como o Brasil. Mas é difícil fazer
negócios por aqui, diz seu presidente

Quando esteve no Brasil pela primeira vez, no ano
passado, o italiano Paolo Pininfarina ficou empolgadíssimo. "Conversava com as
pessoas e elas tinham várias ideias e os projetos iam surgindo. Voltei para a
Itália com mais de cem deles". Mas dessa centena de ideias, somente dez tiveram
continuidade nas conversas. E, desse total, só uma realmente se tornou projeto
real, que está agora em andamento. Diante desse cenário, até a vontade do
designer de abrir uma operação no Brasil, um escritório da Pininfarina em São
Paulo, foi por terra. "O brasileiro não leva o design a sério. Ele acha que é
lazer, que é passatempo", disse Pininfarina ao Estado.

Mesmo desiludido, ele voltou ao País, na semana
passada. "Precisamos conhecer melhor como funcionam as coisas por aqui porque o
Brasil é importante para nós." A Pininfarina tem 82 anos de história no design,
principalmente no campo automobilístico. É da empresa italiana o desenho de
vários sucessos da Alfa Romeo, Ferrari, Fiat, General Motors, Lancia e Maserati.
Mesmo com toda essa tradição, a Pininfarina não escapou da crise na Europa. A
empresa – que foi além do design e chegou a ter três fábricas de automóveis de
luxo e 3 mil funcionários – acumulou 600 milhões (R$ 1,5 bilhão) em dívidas. Sob
o comando de Paolo Pininfarina desde 2008, a companhia passa por uma
reestruturação. A dívida foi renegociada no início do ano e será paga até 2018.
As vendas, porém, ainda não se recuperaram. De 670 milhões há cinco anos, caíram
para 53,8 milhões em 2011, número 73,6% inferior que o de 2010, de 204,41
milhões. A saída, mesmo que complicada, segundo Pininfarina, é investir em
mercados como o Brasil.

A indústria automobilística está em crise e a
Pininfarina tem uma grande dependência desse setor, não é?

Sim, 90% de nossas vendas vêm da indústria de
transportes, carros, barcos. A parte de mobiliário vinha crescendo bastante e já
chegou a 10% do negócio. Mas a crise atingiu também o setor de móveis. Se
ninguém compra casa nova, também não compra mobília. A saída, então, é procurar
novos mercados, fora da Europa e Estados Unidos, como a Ásia, a Índia e o
Brasil.

Diante dessa constatação, por que vocês desistiram
de abrir escritório aqui?

Porque o brasileiro não leva o design a sério. Não
leva as ideias a sério também. Parece que fazer negócio é lazer, um passatempo.
Quando vim para cá no ano passado, todo mundo ficava muito empolgado com a
Pininfarina. Todos tinham ideias, projetos. Fiquei deslumbrado. Mas quando
voltei à Itália, apenas uns dez desses projetos tiveram continuidade e só um
vingou. Conclusão? Perdi muito do meu tempo.

Qual dos projetos vingou?

Não posso falar o que é. O cliente é uma empresa que
tem atuação tanto aqui quanto na Europa. E lá nós já temos uma parceria boa com
essa empresa. O projeto é algo que era para acontecer só em São Paulo, mas que
agora irá para outros Estados também. Estamos estudando para onde ir.

O sr. parece ter ficado ressentido com o ambiente
de negócios no Brasil…

Sim… Ontem (terça-feira, 16), por exemplo, tive uma
reunião das 10h às 16h com uma empresa que quer fazer alguns produtos em
parceria com a Pininfarina. A cada minuto que discutíamos, surgia uma nova
possibilidade, uma nova ideia. O risco é não dar foco ao assunto. Aí volto para
Itália com um monte de ilusões. As pessoas precisam ser mais realistas. Mas o
Brasil é extraordinário e não vamos deixar o País de lado. O crescimento que
vemos por aqui é alucinante. Um iate que desenhamos para uma empresa europeia
vende, lá na Europa, quatro por ano. Aqui se vende mais de 40.

Como a Pininfarina fará, então, para atuar no
País?

Precisamos conhecer melhor como funcionam as coisas
por aqui. Por isso digo que não é o momento para abrir um escritório da
Pininfarina no País. Talvez reforcemos o de Miami, para que atenda todas as
Américas. Ou talvez possamos dividir os custos de uma representação de empresas
de Turim (sede da Pininfarina, na Itália) no País, para não pesar no orçamento.
Mas não sei ainda qual a melhor maneira de estar mais presente no Brasil. Só sei
que precisamos estar aqui para aproveitar o crescimento do País.

Por aqui, a classe que mais cresce é a C, que
compra produtos de massa. Mas a Pininfarina é mais voltada para o luxo. Existe
alguma intenção de ir para o consumo de massa?

Não tenho nada contra o consumo de massa, mas o
problema para nós é a logística. Para atuar nesse mercado, é preciso produzir
aqui, caso contrário fica muito caro. Por isso, nossa estratégia é continuar
mais no segmento de luxo, que também tem crescido absurdamente no Brasil.

Como estão os negócios entre a Pininfarina e as
montadoras hoje?

Hoje, vamos ainda bem com as montadoras porque nosso
maior negócio é com as companhias alemãs. A Alemanha é 30% de nossas vendas. Só
a Volkswagen tem, nesse momento, mais de 100 modelos em desenvolvimento. Não são
todos irão para o mercado. E também não participamos de todos, mas de grande
parte. Outro grande projeto nosso é o do carro elétrico, com a Bolloré, em
Paris.

Como anda esse projeto?

Vai bem. Não sabemos ainda quando poderemos lançar o
carro, porque o desafio é o preço. A crise também atrapalhou um pouco. Mas
chegou a dar inspiração em alguns momentos. Por exemplo: a empresa de pintura
automobilística da região faliu e não pudemos pintar o carro, que foi batizado
de Bluecar. Mas aí percebemos que ele não precisaria ser pintado. Com isso,
economizamos tinta, tempo e mão de obra. E foi muito melhor para o ambiente. O
carro. além de tudo, ficou magnífico na cor natural do aço.


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