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Folha de São Paulo, Opinião, sábado, 01 de setembro de 2012

JOSÉ HAMILTON
RIBEIRO

TENDÊNCIAS/DEBATES

O diploma de jornalismo deve ser obrigatório para o exercício da profissão?

SIM

Que jornalista é esse?

Dizem que o diploma é uma reserva de mercado.
Não é. Jornalista vocacionado e com energia para enfrentar profissão tão
estressante acaba achando emprego, seja qual for a forma de ingresso na
profissão. Jornal sem jornalista nunca vai ter.

Assim, para o profissional, tanto faz ter lei de
diploma ou não ter. Já para a nação…

É bom que jornalista tenha sólida formação -sim,
com curso superior- tanto quanto é bom que, para toda profissão, de funileiro a
dentista, haja a melhor qualificação possível. Um país se faz com bons
profissionais em todas as áreas. Malandragem e jeitinho podem ser engraçados,
mas não levam a nada.

Quase 70% da população adulta no Brasil não
consegue entender um texto de dez linhas. A universidade brasileira, que devia
estar entre as dez melhores do mundo -coerente com nossa posição de 6ª ou 7ª
maior economia- não aparece nem entre as cem. Num país assim, tão atrasado e
carente, ser contra escola de jornalismo, qualquer escola, é cinismo ou má
intenção.

Argumento muito usado: o decreto que
regulamentou a profissão é de 1969, no governo militar, sendo assim "entulho
autoritário". Primeiro: a luta pela formação superior do jornalista vinha desde
os anos 1930. Segundo: gato que nasce no forno é biscoito ou é gato? Seria o
caso então de dinamitar Itaipu, a ponte Rio-Niterói e acabar com a fluoretação
da água potável das cidades?

Existe um axioma no jornalismo: notícia deve ser
feita com isenção, não envolve opinião de quem escreveu. Opinião o leitor
encontra nos editoriais, nos colunistas, nos colaboradores (não jornalistas).

Em 2009, o STF acabou com o diploma -após 40
anos, com resultados tão bons que até mudaram a "paisagem" das redações, com a
chegada (hoje hegêmonica) das mulheres, antes excluídas. A sentença foi tão
inapropriada que, de certa forma, não "pegou": estudantes, professores,
entidades, intelectuais e políticos iniciaram movimento para restabelecer a
regulamentação pelo Congresso. Já passou pelo Senado, com mais de 90% dos votos
dos presentes. Agora vai para a Câmara, onde deve também ser aprovada.

O STF confundiu liberdade de expressão com
regras para exercício de uma profissão. Liberdade de expressão tem a ver com
partidos políticos livres, as pessoas poderem se unir em sindicatos e
associações, com a porta da Justiça aberta a todos. Nada a ver com requisitos
para ingresso numa profissão, como de advogado, jornalista ou médico.

Antes do diploma, os integrantes de uma redação
tinham origem em frustrados de outras profissões, estudantes sem rumo, boêmios,
poetas (alguns finíssimos) e… braçais das empresas jornalísticas. O jovem
entrava no jornal (ou TV) como faxineiro, boy, porteiro. Ia se enturmando,
acabava jornalista -principalmente pela porta da fotografia, reportagem policial
e esportiva.

Pesquisa de 1997 do Sindicato de São Paulo
revelou a existência, a três anos do século 21, de 19 jornalistas sindicalizados
-e analfabetos. Um contou sua história para um livro que escrevi: era "chapa" de
caminhão, descarregava de madrugada pacotes de jornais. Tornou-se "colega" do
motorista, aprendeu a fotografar, virou "jornalista". Dizia que nunca esteve
numa escola.

É um perfil diferente do jornalista que veio com
a escola de comunicações, com no mínimo 16 anos de estudo, sendo quatro na
universidade (com todo aquele agito) e anos de inglês. Uma estrutura cultural e
psicológica aparentemente mais forte do que a do ex-carregador de caminhão…

Qual jornalista é melhor para um país que quer
um dia ser sério, desenvolvido?

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO, 77 anos, 57 de profissão, é repórter do
"Globo Rural" (TV Globo). Formado em jornalismo, trabalhou nas revistas
"Realidade", "Quatro Rodas" e na Folha. É autor de "O Gosto da Guerra"
(Objetiva) e "Jornalistas 37/97" (Imesp), entre outros

CLÓVIS ROSSI

TENDÊNCIAS/DEBATES

O diploma de jornalismo deve ser obrigatório para o exercício da profissão?

NÃO

Verbos que não se ensinam

Jornalismo é um exercício basicamente simples,
que depende da boa execução de apenas quatro verbos: saber ler, ouvir, ver e
contar. Se alguém acha que ao menos um desses verbos (o ideal seria que fossem
todos) pode ser ensinado em uma faculdade de jornalismo, deve mesmo ser a favor
do diploma específico. Quem, como eu, duvida dessa possibilidade só pode ser
contra. Eu sou.

Pegue-se o verbo ler, em ambos os sentidos, o
mais primário, de alfabetização para compreender palavras escritas, e o mais
nobre, o de gosto pela leitura. No primeiro caso, ou se aprende a ler na escola
primária ou nunca mais, salvo raros casos de autodidatas.

No segundo, tampouco a faculdade pode ensinar o
gosto pela leitura. Ou vem do berço ou se adquire nos primeiros tempos
pós-alfabetização.

Como não creio que se possa escrever bem sem ler
bastante, depender da faculdade de jornalismo para desenvolver esse gosto só
fará o profissional chegar ao mercado de trabalho com um deficit talvez
irreparável.

Alguma faculdade pode ensinar a ver? Ou a ouvir?
Duvido.

Pode, sim, desenvolver o talento, de todo modo
natural, para contar histórias. Mas qualquer faculdade pode fazê-lo, acho.

Pulemos da teoria para os fatos concretos.
Ricardo Kotscho não fez faculdade de jornalismo. Nem qualquer outra, a não ser
depois que já estava solidamente instalado na profissão. Nada disso o impediu de
se tornar um dos melhores repórteres de todos os tempos no jornalismo
brasileiro.

Se, quando eu lhe dei o primeiro emprego na
chamada grande imprensa (no "Estadão"), já vigorasse a exigência do diploma, o
jornalismo brasileiro teria perdido um imenso talento.

Se a obrigatoriedade do diploma valesse nos anos
1960, o jornalismo brasileiro teria ficado sem o gênio de Cláudio Abramo
(1923-1987), que foi corresponsável pelas reformas que tornaram o "Estadão",
primeiro, e a Folha, depois, os grandes jornais que são.

Abramo não tinha diploma algum. Não obstante,
foi convidado pela USP para ministrar curso de aperfeiçoamento para estudantes
de pós-graduação. Irônico, não?

Desconfio que boa parte das equipes com as quais
Cláudio trabalhou tampouco tinha diploma de jornalista, o que não impediu que
fizessem grandes jornais.

Esclareço, antes que alguém suspeite que estou
advogando em causa própria, que eu, ao contrário de Kotscho e Abramo, tenho,
sim, diploma específico, aliás o único. Mas garanto que aprendi mais, na
prática, com gente como Kotscho, Abramo e tantos outros sem diploma do que na
faculdade.

Um segundo ponto que me leva a ser contra o
diploma específico é a evidência de que nem a mais perfeita faculdade de
jornalismo do mundo pode ter um currículo que ensine a seus alunos todos os
temas que, um dia ou outro, podem lhes cair sobre a cabeça. Não dá para ensinar
agricultura e transportes, tênis e política, legislação e teatro -e por aí vai.
Não dá.

Quem pensa em entrar para o jornalismo com um
objetivo definido (jornalismo econômico, digamos) deve fazer economia e não
jornalismo. Se tiver desenvolvido os quatro verbos-pilares (ver, ouvir, ler e
contar), estará mais pronto para a profissão, na área específica, do que se
fizer jornalismo.

Último ponto: não entro na discussão sobre a
diferença entre profissões (medicina, engenharia, por exemplo) que, mal
exercidas, podem matar, e aquelas (jornalismo) que não podem e, portanto, não
precisam de diploma específico. Jornalismo pode matar, sim, mesmo que seja
moralmente. Mas é de uma presunção absurda supor que só faculdades de jornalismo
ensinam ética.

CLÓVIS ROSSI, 69 anos, 49 de profissão, é colunista da Folha.
Formado em jornalismo, trabalhou também nos jornais "O Estado de S. Paulo" e
"Jornal do Brasil". É autor dos livros "O que É Jornalismo" (editora
Brasiliense) e "Enviado Especial" (Senac)

Categorias: Jornalismo

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