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Carta Maior,


Colunistas
,
Terça-Feira, 30 de Novembro de 2010,

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DEBATE ABERTO

O diploma e os desafios contemporâneos

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além
de empresários e grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem
com a formação do profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os
sindicatos de trabalhadores?

 

Venício Lima


Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa

 

São raras as atividades das quais participei nos últimos dois ou três
anos nas quais, independente do tema sendo discutido, não aparecesse alguém e
cobrasse minha posição sobre a obrigatoriedade do diploma de curso superior em
jornalismo para o exercício da profissão de jornalista profissional.

 

Tenho constatado que a resposta a essa pergunta provoca inesperadas
paixões e, em geral, serve como critério para colocar quem a responde no céu ou
no inferno. Se a audiência for, majoritariamente, composta de estudantes de
Jornalismo e/ou militantes de sindicatos de jornalistas, relativizar a
importância do diploma e chamar a atenção para as transformações radicais pelas
quais passa o campo das comunicações – e as incontornáveis conseqüências desse
fato para o jornalismo e a profissão de jornalista – pode ser o caminho seguro
para hostilidades e intolerância.

 

Assumo, mais uma vez, o risco e boto a minha mão no vespeiro.

 


Transformações radicais

 

Nos Estados Unidos, como se sabe, não há exigência de diploma para o
exercício profissional de jornalista. Aliás, a exigência não é encontrada em
nenhum país de tradição democrática.

 

Em artigo publicado neste Observatório há cerca de três anos, comentei
que o College of Communications, na minha alma mater, a Universidade de
Illinois, em Urbana-Champaign, estava mudando seu nome para College of Media (
ver
"Ensino & Pesquisa: Mídia versus comunicação"
).

 

Reproduzi a justificativa oferecida pelo então dean do College, Ronald
Yates, para a troca de communications por media. Disse ele:

 


"O que nos realmente fazemos é estudar e ensinar
‘comunicação midiatizada’ [mediated communications] (…). Nós estudamos e
ensinamos mídia – mídia velha, mídia nova, mídia emergente, mídia futura. Em
resumo, o College of Communications é sobre mídia. O mais importante de tudo
isso (…) não é encontrar uma nomenclatura precisa, mas dar conta das mudanças
que estão ocorrendo (…). A enorme mudança que produz informação e
entretenimento a qualquer hora, em qualquer lugar, tem forçado as pessoas a se
adaptarem constantemente. O resultado é que elas estão ficando mais sábias e
discernindo melhor como gastar o dinheiro e o tempo delas, como buscar as
notícias e como responder à mídia. Essas mudanças nas formas de distribuição [de
informação e entretenimento] e na maneira como as pessoas pensam a respeito da
mídia provocaram mudanças no escopo das comunicações como disciplina."

 

Na ocasião comentei também que, guardadas as diferenças, o "mercado"
brasileiro demanda hoje um profissional que lembra os velhos pioneiros, isto é,
um profissional que compreende a mídia em suas variadas dimensões, sua
importância no mundo contemporâneo, e é capaz de produzir "comunicação" que
possa ser distribuída em diferentes tecnologias. Em resumo: o profissional de
hoje é multimídia, não é um especialista.

 

Apesar disso, afirmava, entre nós continuam a predominar cursos de
graduação em unidades acadêmicas ainda vinculadas às divisões das velhas
tecnologias, enquanto na pós-graduação prevalece uma tendência de forte
fragmentação do campo de estudos (ver, neste OI, 
"Fragmentação
versus convergência na comunicação"
).

 


Posição explicitada

 

Em pequeno livro concluído antes da decisão do STF, de junho de 2009, que
considerou "não recepcionado" pela Constituição de 1988 o decreto que requer a
obrigatoriedade do diploma de curso superior em jornalismo para o registro
profissional, afirmei:

 


"Essa é uma questão sobre a qual tenho pensado há
muito tempo. Mais recentemente, o surgimento da internet e o aparecimento dos
blogs fizeram com que eu consolidasse uma posição amadurecida. Acredito que a
melhor solução, aliás, já adotada em muitos países, inclusive no país que sempre
é tido como referência na discussão sobre o jornalismo – os EUA – é a seguinte:
existem os cursos de jornalismo nas escolas, nas universidades. As entidades
profissionais fazem o ranking de qualidade desses cursos, que é amplamente
divulgado. Os alunos que passam pelos melhores cursos acabam sendo valorizados
no mercado profissional. Apesar disso, não há Lei impedindo alguém que não tenha
feito o curso oferecido nessas escolas de exercer a profissão. Isso significa
que ter freqüentado cursos de jornalismo, ter diploma, não é critério para o
exercício da profissão. Mas também significa, evidentemente, que as escolas de
jornalismo não devem deixar de existir. Ao contrário, elas devem existir. As
melhores formarão os melhores profissionais" (cf. Bernardo Kucinski e Venício A.
de Lima; Diálogos da Perplexidade – reflexões sobre a mídia; Editora Fundação
Perseu Abramo, 2009; p. 27).

 


Formação profissional

 

Ao longo dos últimos três anos, os fatos parecem confirmar as tendências
apontadas e a posição explicitada.

 

Noticiou-se recentemente que "a Universidade do Colorado estuda fechar
seu curso de graduação em Jornalismo para criar um programa que combine
preceitos jornalísticos e de ciência da computação". O novo curso seria algo
próximo de uma "graduação em mídias". Além disso, informa-se que não é só a
Universidade do Colorado "que estuda mudanças drásticas na grade de Jornalismo
ou até mesmo a extinção do curso. Ao menos outras trinta escolas no país, entre
elas Wisconsin, Cornell, Rutgers e Berkeley, consideram modificar os cursos para
que se adequem às novas tendências do mercado de trabalho" (
ver
aqui
).

 

No Brasil, aos poucos, vai desaparecendo a tradição de formação crítica e
humanista das universidades públicas. Ela vem sendo substituída pelo
comprometimento exclusivo com o "mercado", predominante nos cursos oferecidos
nas escolas privadas. Mais recentemente identifica-se uma clara movimentação por
parte de setores do empresariado tradicional de mídia no sentido de atuar
diretamente na formação profissional de jornalistas.

 

Além do conhecido e controvertido "Master
em Jornalismo"
 (sic),
que há mais de dez anos é oferecido no Brasil em associação com a Universidade
de Navarra, recentemente a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)
anunciou que iniciará, no próximo ano, cursos de graduação e pós-graduação em
jornalismo. Os cursos terão a parceria do Instituto de Altos Estudos em
Jornalismo (IAEJ), criado em 2010 por Roberto Civita, principal executivo do
grupo Abril. A pós-graduação terá ênfase em "Direção Editorial", será coordenada
pelo jornalista e professor Eugênio Bucci e, nas palavras do diretor-presidente
da ESPM, deverá "aliar os valores e práticas do jornalismo independente a noções
avançadas de gestão. Vamos desenvolver nos alunos a capacidade de coordenar a
produção de conteúdos multimídia de qualidade" (cf. "Um impulso extra para a
carreira de jornalistas" in Imprensa, nº 262, pp. 22-25).

 


Desafios imediatos

 

Não seria o caso de outros setores da sociedade – além de empresários e
grupos ligados a doutrinas religiosas – também se preocuparem com a formação do
profissional em "jornalismo independente"? Por exemplo, os sindicatos de
trabalhadores?

 

A questão da obrigatoriedade ou não do diploma, inevitavelmente passará
para segundo plano se considerarmos a indiscutível centralidade da mídia nas
sociedades contemporâneas e a necessidade que a sociedade civil organizada tem
de utilizar plenamente os enormes potenciais democratizantes que a internet
oferece para tornar públicas suas posições e travar a cotidiana "batalha das
idéias".

 

Esse é um desafio concreto e imediato que torna mais importante – e não
menos – a profissão de jornalista, mas que, ao mesmo tempo, torna inevitável a
rediscussão (a) das profundas transformações que ocorrem no campo das
comunicações; (b) de suas implicações na redefinição do jornalismo e do
jornalista profissional; e, também, (c) do que significa a conquista do pleno
exercício do direito à comunicação.

 

Apesar de todas as paixões que o tema desperta, não podemos esquecer que
mais importante do que a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o
registro profissional é a universalização da liberdade de expressão e o
aprimoramento da democracia.

 

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência
Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade
de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia,
Publisher, 2010.

Categorias: Jornalismo

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