O Estado de São Paulo, ESPAÇO ABERTO, Quinta-feira, 23 novembro de
2006

O jornalismo como
profissão e ocupação

Roberto Macedo

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, concedeu
liminar suspendendo a exigência do diploma de curso superior de jornalismo para
o exercício dessa profissão, o que reacendeu a discussão sobre o tema. Conforme
este jornal do último sábado, a Federação Nacional dos
Jornalistas (Fenaj) anunciou que recorrerá da
decisão.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também opinou pela
necessidade de formação na área, “especialmente em matérias específicas como
teoria e técnicas de comunicação”, segundo seu presidente. Já a Associação
Nacional de Jornais (ANJ) é contrária à exigência do
diploma. Seu presidente afirmou que “limita o direito de livre expressão”.

Até uma organização não-governamental (ONG) internacional, a
Repórteres sem Fronteiras, se envolveu na discussão. Contrária à exigência,
divulgou texto em que se afirma que “a competência jornalística não depende de
capacitação a priori, pois está ligada à prática da profissão”.

Vou dar palpite nessa história porque, como economista,
dediquei parte de minha carreira ao estudo do mercado de trabalho. É como tal
que vejo uma saída desse imbróglio, e defendo solução semelhante no caso dos
economistas.

Jornalista é uma profissão socialmente reconhecida e
requisitada e, no Brasil, assim continuaria, mesmo se não houvesse essa
exigência de diploma da área. Até onde sei, tal exigência não é comum
internacionalmente, o que se depreende também da posição da referida ONG.

Quão importante é o diploma de curso superior para o exercício
dessa profissão? A maioria dos jornalistas que conheço diz que, em geral,
nossas escolas de jornalismo são fracas e que o dia-a-dia do jornal é que, de
fato, molda o jornalista. Meu argumento a seguir se sustenta independentemente
da qualidade dessas escolas.

Há alguns aspectos típicos da formação educacional do
jornalista que podem ser aprendidos nelas, como as referidas “teoria e técnicas
de comunicação”. Assim, a formação específica na área é um dos caminhos do
jornalismo, e haveria tais escolas mesmo sem a exigência de diploma na área.

Entretanto, além de profissão, o jornalismo é uma ocupação, no
sentido de atividade, cargo ou função, que também pode ser aprendida no próprio
trabalho. E, além disso, exercida por profissionais de outras áreas, em função
do domínio que têm delas. O conhecimento humano se especializa e se multiplica
velozmente e é impossível os jornalistas o dominarem
em todas as áreas para produzirem e tratarem todas as informações que serão
matérias dos jornais.

Alguém poderia argumentar que para isso há jornalistas
especializados, mas a especialização hoje necessária é tanta que também
recomenda o recurso a especialistas para trabalharem ocupados como jornalistas.
É muito mais difícil formar um jornalista especializado em física, engenharia,
biologia, medicina, direito e outras áreas do que ter profissionais delas a trabalhar
em jornais, onde, como reconhecem muitos jornalistas, e também a ONG citada,
muito da competência vem da prática da profissão.

Mesmo no jornalismo econômico, que conheço mais de perto e no
qual temos profissionais consagrados, os estudos da área de economia estão se
tornando tão especializados no seu foco e nas suas ferramentas analíticas que
também há espaço para economistas-jornalistas. Exemplo disso vi em matéria do jornalista Elio Gaspari (Folha de S.Paulo,
19/11), na qual sintetiza um estudo econômico, mas diz que “o trabalho
apresenta um modelo matemático indecifrável para leigos…”, e depois volta a
esse ponto dizendo que o trabalho está “… infelizmente … em matematês”.

 

Recorrer episodicamente a especialistas para decifrar trabalhos
como esse não resolve o problema, pois muitos o fazem a seu modo, sem a
preocupação de se fazerem entender pelo leitor, o que podem aprender em cursos
de jornalismo e/ou com jornalistas. Assim, os jornais
também deveriam ter especialistas-jornalistas em tempo integral, e outros
deveriam ser treinados para ficarem à disposição dos editores, mesmo sem
envolvimento diário. E, pela dinâmica que envolve o tripé vocação, profissão e
ocupação, com esta última freqüentemente levando ao reexame das duas primeiras,
não seria surpresa se muitos desses especialistas-jornalistas se tornassem
jornalistas no sentido usual, inclusive assumindo posições de comando nas
redações.

Nessa linha, defensores e adversários da exigência do diploma
deveriam buscar um entendimento para flexibilizá-la, permitindo que outros
profissionais de nível superior sejam também credenciados a exercer a ocupação
por um período de um a dois anos, durante o qual completariam apenas um curso
de especialização em jornalismo, ministrado por professores e profissionais da
área, após o que se credenciariam ao registro profissional definitivo. Quem já
tivesse esse curso teria desde logo o registro.

Flexibilizando a exigência de diploma, a profissão não perderia
em status. Ao contrário, a ela se juntariam profissionais capazes de melhorar a
cobertura e a qualidade das matérias jornalísticas, granjeando o reconhecimento
do público a que elas se dirigem, e fortalecendo a profissão.

Em geral, a exigência de diploma de graduação na área não é a
forma adequada de defender a dignidade, a respeitabilidade e a força de uma
profissão. Essa exigência só se justifica por outras razões e em casos
excepcionais, como em medicina e engenharia, nos quais o que se protege são os
clientes dos profissionais dessas áreas. Já no jornalismo, a exigência
prejudica leitores, ouvintes, telespectadores, internautas
e outros a quem priva de informações de maior amplitude e melhor qualidade.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade
Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi
secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda

Categorias: Jornalismo

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