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Folha de São Paulo, Mais, domingo, 25 de março de 2007


O papel das elites

Pioneiro na informação
on-line, Robert Cauthorn diz que barateamento da banda larga e telas portáteis
de alta qualidade modificarão profundamente os jornais impressos, que em breve
deverão sair apenas nos fins de semana

LAURE BELOT PASCALE SANTI

Para o jornalista americano Robert Cauthorn, pioneiro da
informação on-line, a revolução digital nos meios de comunicação promete
aposentar o jornalismo diário em papel em apenas uma geração.

Segundo o responsável pela adaptação à web de jornais
como o “San Francisco Chronicle”, premiado pela Newspaper Association of America
como “pioneiro digital”, a geração nascida com internet prescinde de folhear as
páginas impressas do jornal.

A mudança é só uma questão de os preços do “papel
eletrônico” e das conexões sem fio chegarem a um nível acessível, disse ele na
entrevista abaixo, dada ao “Le Monde”.

PERGUNTA – O “Yantai Daily”, na China, e o “Les
Echos”, na França, estão fazendo experimentos com jornais que podem ser lidos
numa simples folha eletrônica. Quando os jornais existirão apenas em formato
digital?

ROBERT CAUTHORN – A revolução digital já
está em curso. A hegemonia será dos suportes eletrônicos, que permitem o acesso
a informações constantemente atualizadas.

É pouco provável que um adolescente de hoje, integrante
da geração dos “digital natives” [nativos digitais], nascidos com internet, leia
um jornal diário impresso quando chegar aos 30 anos. Tudo se acelera.

Já hoje, meu telefone 3G [de terceira geração] me
permite acessar vídeos de 30 imagens por segundo e um grande número de textos, a
qualquer momento e em qualquer lugar.

Os jornais impressos vão se tornar anacrônicos a partir
do momento em que houver ampla disponibilidade de telas de alta qualidade e
baixo preço e quando as conexões de banda larga e sem fio se generalizarem. Isso
deve acontecer em menos de cinco anos nos EUA.

PERGUNTA – Quer dizer então que o jornal de papel
vai desaparecer?

CAUTHORN – Um livro impresso sempre terá
razão de ser, já que pode ser lido várias vezes ao longo de muitos anos.

Mas quais serão as vantagens do papel para um jornal? A
força do hábito para muitas gerações de leitores e o conforto da leitura em
folhas grandes, mais agradável do que a leitura na tela.

Mas tudo vai mudar com a chegada, após a generalização
da banda larga, da tinta eletrônica e das telas flexíveis.

Para produzir um jornal de papel, árvores são cortadas,
transportadas, transformadas em celulose e depois em rolos gigantes de papel que
são transportados para gráficas.

Jornais são impressos, embalados, carregados sobre
caminhões e depois descarregados nos pontos-de-venda.

Os consumidores os compram, os levam para suas casas e,
depois, os jogam no lixo. Eles são recolhidos por caminhões e, na melhor das
hipóteses, levados a centros de reciclagem.

Tudo isso guarda mais relação com a logística do que com
a informação! Para um produto tão imediato quanto um jornal, esse desperdício é
obsoleto.

PERGUNTA – Como as organizações de imprensa vão se
adaptar?

CAUTHORN – Os jornais nunca foram
precursores, mas o modelo econômico do jornal em papel, que já se encontra sob
pressão há dez anos, será cada vez mais pressionado. Quase todos os jornais dos
países desenvolvidos perdem dinheiro entre segunda e quinta-feira e são
lucrativos apenas três dias por semana.

O leitor que compra seu jornal sete dias por semana
praticamente desapareceu. Doze anos atrás, eu criei para o “San Francisco
Chronicle” um dos cinco primeiros sites de informação na internet.

Dentro de 12 anos, duvido que os jornais impressos ainda
sejam diários.

Dentro de cinco a dez anos vão surgir jornais impressos
três dias por semana: às sextas e aos sábados e domingos.

Paralelamente, eles oferecerão informações na internet
ou outras plataformas digitais durante sete dias por semana, 24 horas por dia.

O conteúdo desses jornais em papel será mais
contextualizado, lembrando o das revistas atuais; os furos ou informações
quentes já terão sido dados na versão digital.

PERGUNTA – Que conteúdo os jornais deverão propor?

CAUTHORN – Hoje os jornais oferecem uma
informação generalista. Amanhã, terão que se adaptar aos universos diferentes
dos leitores. Estes vão querer uma informação concisa e pertinente, que lhes
seja entregue “on demand” [por encomenda].

Assim, os longos artigos narrativos sempre existirão,
mas de maneira menos dominante.

Hoje mesmo as pessoas já têm a tendência a ler apenas os
títulos. Dentro das próprias redações dos jornais, é difícil encontrar pessoas
que lêem um jornal inteiro. Essa tendência vai se ampliar.

PERGUNTA – Os jornais se tornarão um produto de
consumo amplo?

CAUTHORN – É claro que não! Uma paisagem
feita de informações que respondem apenas à demanda seria deplorável.

Entretanto, para serem lidos, os artigos terão que ser
ainda mais surpreendentes, em vista da enorme concorrência representada pela
profusão de informações disponíveis. Os jornalistas terão que pensar de maneira
diferente e se preocupar mais com seu público.

Há uma verdadeira revolução por vir. Hoje a maior
preocupação dos jornalistas ainda é com os horários de fechamento e com a
questão de fazer a informação sair o mais rapidamente possÍvel. O desafio é
grande, mas o momento é apaixonante para o jornalismo.

PERGUNTA – Como vão evoluir os blogs ou o
jornalismo cidadão e colaborativo? Estamos assistindo ao fim do quarto poder?

CAUTHORN – Não. Mas ele terá que aceitar
compartilhar seu poder. Já hoje, nos EUA, blogueiros privados, que não têm o
patrocínio de nenhuma instituição, gozam de tanta notoriedade junto ao público
quanto os maiores editorialistas.

Até hoje as pessoas que controlavam os jornais eram
aquelas que tinham voz de autoridade no debate público. Isso era algo inerente
ao equilíbrio de poder entre a imprensa e as instituições. Essa divisão de
papéis pertence ao passado.

Os blogs nunca vão tomar o lugar do jornalismo, mas vão
continuar fazendo parte da paisagem. Quanto ao jornalismo cidadão, vai
constituir uma maneira rápida e eficaz de revelar um acontecimento, mas nem por
isso tornará obsoleto o jornalismo tradicional.

Apesar disso, não creio que esse tipo de jornalismo seja
capaz de lançar luz sobre crimes ou temas políticos.

Para isso é preciso que se tenha acesso a determinadas
fontes, e, sobretudo, é preciso contar com a proteção de uma instituição como um
jornal.

Este texto foi publicado no “Le Monde”. Tradução de Clara
Allain.


Relatório vê crise em jornais dos EUA

DA REDAÇÃO

O Projeto pela Excelência no Jornalismo, organização que
analisa a imprensa americana e que, em sua origem, foi ligada à Universidade
Columbia (EUA), divulgou seu relatório anual sobre o estado da mídia nos EUA no
último dia 12, afirmando que a maioria dos meios de informação está perdendo
popularidade no país.

Diz também que o modelo de negócios dos jornais
impressos está em crise. “No último ano, as tendências de mudança na imprensa
não apenas se aceleraram mas, aparentemente, estão se aproximando de um ponto
crítico”, crava o informe, que pode ser acessado no site
www.stateofthenewsmedia.org (em inglês).

Categorias: Jornalismo

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