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Revista
Isto é, COMPORTAMENTO,
|  N° Edição:  2212 |  30.Mar.12 – 21:00 |
 Atualizado em 01.Abr.12 – 11:58

O profissional que o mercado quer



O mundo do trabalho vive sua maior transformação desde a Revolução Industrial e
busca um novo tipo de pessoas. Agora o que vale mais é ter formação
diversificada, ser versátil, autônomo, conectado e dono de um espírito
empreendedor

Débora
Rubin

Esqueça tudo o que você
aprendeu sobre o mercado de trabalho. Estabilidade, benefícios, vestir a camisa
da empresa, jornadas intermináveis, hierarquia, promoção, ser chefe. Ainda que
tais conceitos estejam arraigados na cabeça do brasileiro – quem nunca ouviu dos
pais que ser bem-sucedido era seguir tal cartilha? –, eles fazem parte de um
pacote com cheiro de naftalina. O novo profissional, autônomo, colaborativo,
versátil, empreendedor, conhecedor de suas próprias vontades e ultraconectado é
o que o mercado começa a demandar. O modelo tradicional de trabalho que foi
sonho de consumo de todo jovem egresso da faculdade nas últimas duas décadas
está ficando para trás. É a maior transformação desde que a Revolução
Industrial, no século XVIII, mandou centenas de pessoas para as linhas de
produção, segundo a pesquisadora inglesa Lynda Gratton, professora da London
Business School e autora do livro “The Shift: The Future is Already Here” (“A
mudança: o futuro já começou”, em tradução livre).

Nas novas gerações esse
fenômeno é mais evidente. Hoje, poucos recém-formados se veem fiéis a uma única
empresa por toda a vida. Em grande parte das universidades de elite do país, os
alunos sequer cogitam servir a um empregador. “Quando perguntamos onde eles
querem trabalhar, a resposta é: na minha empresa”, conta Adriana Gomes,
professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo.
Entre os brasileiros que seguem o modelo tradicional, a média de tempo em um
emprego é de cinco anos, uma das menores do mundo, segundo o Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) – os americanos
trocam mais, a cada quatro anos. O ritmo dinâmico inclui mudanças de função, de
empregador, e até de carreira.

O cenário atual
contribui. “Estamos migrando de um padrão previsível para um modelo no qual
impera a instabilidade”, diz Márcio Pochmann, presidente do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Quem apostar na estrutura antiga vai sair
perdendo, segundo a professora Tânia Casado, da Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo. Isso significa, inclusive, rever o
significado de profissão. “O que passa a valer é o conceito de carreira sem
fronteiras, ou seja, a sequência de experiências pessoais de trabalho que você
vai desenvolver ao longo da sua vida”, define Tânia, uma das maiores
especialistas em gestão de pessoas do País. Dentro desse novo ideal, vale somar
cada vivência, inclusive serviços não remunerados, como os voluntários, e os
feitos por puro prazer, como escrever um blog.

O conceito não é novo.
Surgiu em 1993 da mente futurista de Michael Arthur, professor de estratégia e
negócios da Universidade Suffolk, nos Estados Unidos. Só agora, quase 20 anos
depois, é que a teoria começa a virar realidade. De acordo com sua tese, a
carreira sem fronteiras é aquela que se apoia no tripé “por quê, como e com
quem”. “É preciso se perguntar o que você quer da sua vida e por quê; estudar
para obter a técnica necessária e, por fim, estabelecer relações nas quais
exista uma troca de conhecimentos”, explica Tânia, estudiosa da tese de Michael.
Ou seja, você pode até passar anos no mesmo lugar, como fizeram seu pai e avô,
desde que tenha a mente flexível do profissional sem fronteiras e busque
autoconhecimento, atualização constante e intercâmbio de experiências.

O novo profissional
também tem que ter jogo de cintura para os novos arranjos trabalhistas. “A
tendência é ter mais flexibilidade na remuneração, no tempo de duração da
atividade, no conteúdo e no fuso e local de trabalho”, destaca Werner Eichhorst,
diretor do Instituto de Estudos sobre o Trabalho de Bonn (IZA, sigla em alemão),
na Alemanha. O home-office, prática de trabalhar em casa que começa a ganhar
terreno, será a realidade de milhões de brasileiros nos próximos dez anos,
sobretudo nas grandes cidades sufocadas pelo trânsito.

A revolução trabalhista
está na pauta do dia por diversas razões. Em seu livro, Lynda Gratton apresenta
o resultado de um estudo feito com 21 companhias globais e mais de 200
executivos na London Business School. Do extenso debate, ela elegeu as cinco
forças que estão moldando o trabalho e, claro, seus profissionais. Em primeiro
lugar, está a tecnologia. Como na Revolução Industrial, quando as máquinas
aceleraram a produtividade, hoje a vida em rede e os recursos de ponta eliminam
uma série de empregos e modificam outros tantos. No cenário brasileiro, há de se
considerar a herança deixada pelas amargas décadas de 1980 e 1990, nas quais o
desemprego e a terceirização explodiram – segundo Pochmann, o número de
trabalhadores sem carteira assinada e por conta própria subiu de 11,7% para
58,2% somente entre 1985 e 1990. Nos últimos anos, o desemprego vem diminuindo e
a formalização aumentou. Esse crescimento, porém, se deve mais pela geração de
novos postos de trabalho com carteira assinada do que pela regularização do
trabalho informal. Hoje, 45% dos brasileiros ativos não são registrados, de
acordo com o Ipea. 

Outras três forças
citadas por Lynda Gratton são globalização, mudanças demográficas e preocupações
ambientais. A primeira traz com ela a entrada de novos países no grande jogo
econômico global – como o próprio Brasil. A segunda diz respeito à quantidade de
gente no mundo – seremos nove bilhões em 2050 –, e à maior expectativa de vida.
E a terceira tem a ver com as mudanças necessárias na forma de produzir e
consumir para reduzir os impactos no meio ambiente. Por fim, a autora destaca a
quinta força: as tendências de comportamento humano. Mais gente viverá só, as
famílias serão menores e as relações afetivas serão foco de maior atenção.
Trabalhar em casa ou próximo da moradia, mais que uma questão sustentável, será
uma opção pelo bem-estar, algo que o brasileiro já valoriza. Em uma pesquisa
feita pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), no começo do ano, a
meta profissional mais desejada em 2012 pelos entrevistados é “melhorar a
qualidade de vida”, acima até da opção “ganhar mais”. “O workaholic está saindo
de moda”, afirma a professora Adriana Gomes, da ESPM. “Aos poucos, as pessoas
foram percebendo que a produtividade delas caía a médio e longo prazos.”

Não é só o profissional
que deve estar preparado para tamanha virada. As empresas, sobretudo as grandes
corporações que se expandiram ao longo dos últimos 20 anos, também precisam
arejar suas convicções. Uma das principais mudanças é dar mais autonomia para
que o funcionário crie, produza e evolua sem ficar estafado. Tânia Casado, da
USP, coordena um grupo de estudo que tem se debruçado sobre um tema fresquinho,
curioso e fundamental para o mundo corporativo: o “opt-out”. Trata-se da
prática, ainda pouco conhecida e aplicada, na qual as pessoas podem continuar
sua trajetória dentro de uma empresa sem ter que necessariamente seguir a trilha
convencional de subir na hierarquia. “Executivos de grandes grupos me procuram
preocupados com a fuga de talentos e me perguntam o que podem fazer para
retê-los”, diz a professora. Isso inclui principalmente mulheres que gostariam
de passar mais tempo com seus filhos após a licença-maternidade, sem abrir mão
da carreira. A resposta de Tânia é: opt-out. Ofereça opções ou os talentos vão
embora. Principalmente em um momento bom da economia.

O desafio de lidar com
esse novo perfil é tão grande que é o tema do Congresso Anual de Gestão de
Pessoas (Conarh) deste ano, que será realizado em agosto. “Os profissionais, em
especial os jovens, guiam suas carreiras por suas causas e valores”, diz Leyla
Nascimento, presidente da ABRH, que organiza o evento. “Se percebem que seu
empregador não compra a sua causa, ele simplesmente vai embora.” Outra
insatisfação grande, segundo ela é não ser reconhecido, cobrado e valorizado, o
que exige melhorias na comunicação e na forma como as lideranças atuam. Até
mesmo o uso das redes sociais é visto como uma questão estratégica. “É uma
realidade e não pode mais ser ignorada.” 

Nas empresas de médio
porte, em especial as de tecnologia, esse novo profissional já encontra
território acolhedor. Na Conectt, os 150 funcionários têm a liberdade de propor
ideias a qualquer momento. São eles que decidem também os programas de
bem-estar, além de desfrutar de horários maleáveis. Alguns designers nunca
pisaram na sede da empresa, em São Paulo, e trabalham remotamente de diferentes
pontos do Brasil. No ano passado, um programador recém-contratado avisou que
sairia em seguida para passar uma temporada na Austrália. Foi incentivado e lhe
asseguraram que teria sua vaga na volta. Segundo o sócio-diretor Pedro
Waengertner, o importante é a equipe entregar o trabalho, independentemente da
quantidade diária de horas trabalhadas, e ela se sentir parte fundamental do
processo. “O funcionário é um ativo valioso e, para reter os melhores, é preciso
ter flexibilidade”, diz ele.

Nesse cenário de
mudanças aceleradas, a legislação trabalhista brasileira é um entrave. Criada em
1943 por Getúlio Vargas e alterada em poucos detalhes ao longo das últimas
décadas, a essência da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) corresponde a um
Brasil que já não existe. A rigidez da CLT, que impede, por exemplo, a opção de
meio período para várias profissões, é o ponto mais criticado pelos
especialistas. Um estudo realizado no ano passado pelo IZA, de Werner Eichhorst,
em parceria com a USP, faz um comparativo entre os dois países e mostra que a
possibilidade de os funcionários alemães negociarem seus salários diretamente
com os empregadores, sem sindicatos nem governo no meio, ajudou a salvar 350 mil
postos durante a crise de 2008. No Brasil, a pesquisa aponta a cultura de
desconfiança entre as partes como fruto de uma lei extremamente paternalista.
Resultado: dois milhões de casos julgados na Justiça do Trabalho a cada ano. 

Apesar do embaraço
legal, o mercado trata de pressionar, na prática, por mudanças. “Os empregadores
vão achando as brechas até alguém ter a coragem de mudar”, acredita a professora
Adriana, da ESPM. O governo Dilma acena com transformações. Irá propor ao
Congresso duas novas formas de contratação, a eventual e a por hora trabalhada.
As alterações podem dar mais dinamismo ao mercado e permitir que quem dá
expediente dois dias na semana ou três horas por dia seja integrado formalmente
à força produtiva do País. Se a proposta for adiante, estará em maior sintonia
com a realidade atual. Afinal, a revolução no mundo do trabalho já começou.


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