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Revista Isto É,
COMPORTAMENTO,
|  N° Edição:  2311 |  07.Mar.14 – 20:50 |
 Atualizado em 10.Mar.14 – 15:27

Os novos 50 anos


Eles mudam de
profissão, começam outra faculdade, se divorciam, casam novamente… Conheça a
nova geração de cinquentões que, em ótima forma, é protagonista de uma das
maiores mudanças de comportamento do nosso tempo

Camila
Brandalise (camila@istoe.com.br), Fabíola Perez* e Mariana Brugger*

O engenheiro Narcizo
deixou o emprego em outubro do ano passado para se aventurar em outras águas: é
um feliz calouro do curso de física da Universidade de Campinas. Já José Rubens
acorda diariamente às 4h20 para percorrer 70 quilômetros de bicicleta com um
grupo de amigos pelas vias paulistanas. Depois de uma jornada extenuante de
trabalho – há dois anos deu uma guinada na carreira –, ele ainda encara um
treino de musculação noturno. Depois de passar alguns meses viajando sem
compromisso pelo mundo, Andrea acaba de ser contratada por uma empresa do setor
de óleo e gás. Ana Maria e Elmo namoram há apenas quatro meses, mas já nutrem um
sonho em comum – querem fazer ao menos uma viagem internacional por ano. Essas
são histórias de vitalidade, coragem e recomeços protagonizadas por pessoas no
auge dos seus 50 anos. Mais ativa do que nunca, a atual geração de cinquentões é
protagonista de uma das maiores mudanças de comportamento do nosso tempo.
“Estamos passando por uma revolução em relação ao envelhecimento como nunca se
viu antes. Não é só uma questão de viver mais tempo, mas também com mais saúde e
energia”, afirma Vern Bengtson, professor da University of Southern California e
especialista em sociologia do envelhecimento. Com mais anos de vida pela frente,
a ordem é não diminuir o ritmo nem ter medo de mudar. “Os padrões de
comportamento sofreram alterações, por isso é mais comum pensar em novas
carreiras, novos casamentos, prática de esportes audaciosos e formas de se
vestir diferentes daquilo que se imaginava até então para os 50 anos”, afirma
Mônica Yassuda, psicóloga e professora de gerontologia da Universidade de São
Paulo.


PRAZER


Os
cinquentões não ficam mais aprisionados a relacionamentos insatisfatórios.


Por isso
o aumento do número de divórcios e recasamentos nessa faixa etária

Na década de 1960, a
expectativa de vida no Brasil era, em média, de 50 anos. Meio século depois,
essa estatística soa absurda. Primeiro porque o dado mais recente, de 2012,
saltou para 74,6 anos. Segundo porque a realidade de quem tem 50 hoje é
totalmente contrária ao que previam as pesquisas. Caso do engenheiro agrônomo
José Rubens Macedo, 56 anos, que trabalhou durante 11 anos com franquias do
setor alimentício e até hoje gerencia duas unidades de restaurantes japonês e
árabe. Em 2012, porém, ele recebeu a proposta de um fundo de investimento para
abrir restaurantes em aeroportos brasileiros. “Não imaginei que uma mudança como
essa pudesse acontecer a essa altura”, diz. Para conseguir levar adiante seus
compromissos de trabalho, Macedo, que é divorciado e pai de quatro filhos, segue
à risca uma rigorosa rotina de exercícios, que começa com 70 quilômetros diários
de bicicleta, ainda de madrugada, e termina com um treino de musculação noturno.

Nos últimos anos, é cada
vez mais comum encontrar cinquentões com um perfil semelhante ao de Macedo. Para
a psicóloga Mônica Yassuda, pessoas nessa faixa etária tendem a assumir novos
desafios como uma forma de provar a si mesmas e aos outros que são capazes de se
reinventar. “É uma maneira de driblar a velhice e reafirmar a continuidade da
vida”, diz Suzanne Braun Levine, autora do livro “A Reinvenção dos Cinquenta:
Lições de Vida para Mulheres na Segunda Adolescência”. Ela acredita que a
sociedade está assimilando essas mudanças de postura, principalmente em relação
às mulheres. “Nos tornamos mais independentes e confiantes. Isso significa que
quando entramos naquela idade considerada “velha” dizemos: “De jeito nenhum!
Ainda temos muito o que fazer”. O conceito de envelhecimento está sendo
redefinido.” Esse pensamento é o que move a estilista Bibi Barcellos, 51 anos.
“Acordo cedo para fazer exercícios e trabalho até tarde. Me sinto com uma
energia incrível. A última coisa em que penso é me aposentar”, diz. “Brinco que
minha geração não é de cinquentonas, mas de cinquentérrimas.” Sem levantar
bandeiras a favor da quebra de estereótipos, essa turma acaba fazendo uma
verdadeira revolução do cotidiano – seja na maneira de agir, de encarar a vida
ou até no jeito de se vestir. “Estamos rompendo com tudo isso de uma maneira
meio invisível. Mas podemos notar várias mudanças em relação às prescrições
sociais que dizem respeito à idade. Há muitos homens e mulheres cuja idade não é
possível classificar. Não são velhas, mas não são jovens, são “ageless” (sem
idade, em inglês)”, diz a pesquisadora Mirian Goldenberg, autora do livro “A
Bela Velhice” (Record).

A projeção do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é que neste ano o País tenha cerca
de 21,6% de sua população com mais de 50 anos, o equivalente a cerca de 44
milhões de pessoas. Em 30 anos, esse número vai representar 40% dos brasileiros.
Essa revolução em curso, portanto, deve ganhar mais adeptos e enfraquecer os
limites de conceitos como “meia-idade”. Se até pouco tempo atrás esse período da
vida era conhecido por marcar a quarta década de existência – uma etapa anterior
à “terceira idade” em que as pessoas costumam repensar suas vidas –, hoje é
difícil estabelecer um momento em que ele de fato comece. O consenso é que esse
marco foi atrasado. “Em 1950, quando meu pai fez 40 anos, ele estava na
meia-idade. Acho que hoje isso deve estar entre os 50 e 55 anos”, afirma Vern
Bengtson, da University of Southern California. A mais recente pesquisa sobre o
assunto foi divulgada em agosto de 2013 pela empresa de assistência médica
britânica Benenden Health, afirmando que a meia-idade começa aos 53 anos. O
levantamento foi feito com duas mil pessoas e relacionava a meia-idade a alguns
comportamentos que especialistas da instituição consideram característicos dessa
fase da vida, como preferir uma noite com amigos a uma balada, gastar mais
dinheiro com cremes anti-idade e preferir fazer uma caminhada em um domingo em
vez de passar mais tempo na cama.


SONHO


Narcizo
Sabbatini, 55 anos, deixou o trabalho como engenheiro para estudar física na
Unicamp. "Era um desejo antigo"

Na área da psicologia
analítica, o psiquiatra austríaco Carl Gustav Jung definiu a segunda metade da
vida como o momento em que a pessoa se volta para o processo de busca de
caminhos próprios, não dos que os outros ou as convenções sociais exigem.
“Diferentemente de quando se é mais jovem e estamos mais voltados para questões
estruturais, de sobrevivência, como emprego e família”, afirma a psicóloga
clínica Dulce Helena Rizzardo Briza, presidente do Instituto Junguiano de São
Paulo. Na vida de Narcizo Sabbatini, essa chave virou aos 55. Depois de
trabalhar por três décadas como engenheiro, decidiu voltar para a faculdade e
estudar física, um sonho antigo, desde a época em que foi universitário pela
primeira vez. “Deixei meu último emprego em outubro de 2013 porque vi que o que
eu fazia não me realizava mais. Já tinha estabilidade financeira e minha família
estava formada. Resolvi ir atrás de planos deixados para trás”, diz o aluno do
primeiro semestre da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Quero
continuar estudando e penso em trabalhar com pesquisas.” O número de estudantes
nessa faixa etária tem crescido muito. De 2002 a 2012, subiu 205,5%, enquanto
alunos até 49 anos tiveram um aumento de 93,3%.


ENERGIA


A rotina
da estilista Bibi Barcellos inclui acordar às 5h30 diariamente para caminhar e
fazer ioga e trabalhar até de noite em seu ateliê, em São Paulo

A mudança vista na área
da educação também aparece no mercado de trabalho. Nos últimos anos, o mesmo
mercado que dava preferência à mão de obra da população jovem passou a valorizar
profissionais com mais estrada. Para o diretor-executivo da empresa de
recrutamento Michael Page, Leonardo de Souza, algumas áreas do mercado, como a
indústria e a construção civil, passaram a requisitar um número maior de
profissionais experientes. “Pessoas sêniores conseguem aliar energia com uma
visão mais ampla e madura do mercado”, diz Souza. Andrea Tavares Fonseca, 53
anos, assistiu de perto às mudanças do mercado de trabalho para a sua geração,
mas nunca teve medo de ousar. Aos 51 anos, com uma carreira consolidada, com
direito a MBA na Inglaterra, ela decidiu deixar o emprego e viajar pelo mundo.
“Estava muito cansada, não conseguia cuidar de mim, fazia apenas coisas
relacionadas à empresa”, diz. Depois de uma longa jornada, retornou ao Brasil e
foi aprovada em um processo seletivo de uma empresa do setor de óleo e gás. “Não
foi um processo fácil, mas, independentemente da idade, o importante é ter
coragem e planejamento para buscar aquilo em que acreditamos.”

Na vida pessoal, os
tabus em relação a relacionamentos e sexualidade também caem por terra. “As
opções aumentaram e os julgamentos morais diminuíram. Como consequência, muitas
pessoas não se sentem mais aprisionadas a escolhas do passado. Não gosta do seu
casamento? Mude”, afirma o cientista social britânico Chris Middleton, coautor
do livro “Pense Jovem: o Mais Bem Guardado Segredo para a Juventude Eterna”
(Ediouro). A empresária Maria José Mosquini, 55 anos, e o servidor Elmo Lima, 54
anos, namoram há quatro meses.  Eles são o retrato de uma nova geração que
acredita que a idade não é impedimento para começar uma relação. “É muito
complicado dar o primeiro passo e voltar a namorar, mas quero construir minha
família de novo”, diz Maria José, que já planeja fazer uma viagem por ano ao
Exterior com o namorado. O sexo também está muito mais vibrante nessa faixa
etária. “Esse processo de perceber que ainda vai viver muito tempo começou a
mudar a maneira de as pessoas mais velhas encararem o sexo. Além disso, aos 50 a
pessoa já sabe bem o que gosta e o que não gosta. É mais prazeroso”, afirma a
sexóloga Carmita Abdo.



VITALIDADE
 


Ana
Carvalhais, 51 anos, começou a fazer exercícios por recomendação médica, para se
livrar da depressão. Hoje maratonista e dançarina, é exemplo para a filha de 23
anos

O bem-estar físico,
tanto no que diz respeito à saúde quanto à aparência, é uma das maiores
preocupações entre os cinquentões, segundo Mônica Yassuda, da USP. “Observo uma
grande valorização das atividades físicas, da psicoterapia e da meditação”,
afirma. Foram os exercícios aeróbicos e a dança que ajudaram a dona de casa Ana
Maria Carvalhais, 51 anos, a superar uma crise de depressão. Ela começou a
praticar exercícios físicos por recomendação médica e logo já era uma
participante de maratonas, além de ter iniciado a filha de 23 anos na prática
esportiva. “Sinto que ainda tenho muita coisa para viver”, diz, recuperada.
Segundo Salo Buksman, geriatra da Sociedade Brasileira de Geriatria e
Gerontologia, o conceito mais forte é o de promoção da saúde. “Quem tem 50 hoje
pode ser tão saudável quanto alguém com 30, 40. Mas não pode esperar uma ­doença
aparecer. Precisa começar a se cuidar cedo. O exercício físico faz aumentar as
reservas respiratórias, cardía­cas e cognitivas. Atenua o peso da idade no
físico e na mente”, afirma.

A pesquisa “Melhor
Idade” realizada em agosto do ano passado pela Nielsen revelou o potencial que a
nova geração de 50 anos possui como mercado consumidor. O estudo mostra que essa
faixa etária já representa 38% dos lares no Brasil e é responsável por 40% das
despesas de casa. “É um consumidor muito ativo, com preferências consolidadas”,
diz Jefferson Silva, gerente de homescan da Nielsen. De acordo com a pesquisa, o
grupo que mais cresce é o de “maduros bem-sucedidos”, ou seja, a população com
mais de 50 anos que tem boas perspectivas para o futuro, emprego estável,
economias e planejamento a longo prazo. Um dos setores que essa faixa etária
mais movimenta é o de turismo. Prova disso é que a Student Travel Bureau, uma
das maiores agências de intercâmbio do País, oferece programas específicos para
ela. Segundo o presidente, José Carlos Hauer Santos Júnior, cerca de 15% dos
interessados em fazer viagens internacionais possuem mais de 50 anos. “Começamos
a criar programas específicos, como de arte contemporânea, culinária, vinhos e,
então, surgiram as viagens em família”, diz Santos Júnior. Mudando sutilmente a
sociedade em que vivem com suas ações e novos comportamentos, a geração dos 50
deixa um legado para as próximas. Os pais e avós de hoje comprovam diariamente
que tudo é possível, em qualquer idade.



*fabiola.perez@istoe.com.br, marianabrugger@istoe.com.br


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