Folha de São Paulo, Ilustrada, quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Os sonhos dos adolescentes

Por
que os adolescentes sonham com um futuro acomodado e razoável, que nem a nossa
vida?

CONTARDO CALLIGARIS

NA FOLHA de domingo passado, uma reportagem de Antônio Gois e Luciana Constantino trouxe os dados de uma pesquisa
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais: em 2005, 16% dos
adolescentes entre 15 e 17 anos de idade não freqüentaram a escola. Trata-se de
1,7 milhão de jovens. Alguns desistiram por falta de
meios, de vaga ou de transporte escolar, outros adoeceram, mas, em sua maioria
(40,4%), eles abandonaram os estudos por falta de interesse. Como disse uma
entrevistada, "os professores eram muito chatos".

Os comentadores, na própria reportagem, acusam a pouca
qualificação ou motivação de muitos professores e um sistema de avaliação que
produz repetências. Concordo, mas talvez haja mais.

Ao longo de 30 anos de clínica, encontrei várias gerações de
adolescentes (a maioria, mas não todos, de classe média) e, se tivesse que
comparar os jovens de hoje com os de dez ou 20 anos atrás, resumiria assim:
eles sonham pequeno.

É curioso, pois, pelo exemplo de pais, parentes e vizinhos, os
jovens de hoje sabem que sua origem não fecha seu destino: sua vida não tem que
acontecer necessariamente no lugar onde nasceram, sua
profissão não tem que ser a continuação da de seus pais. Pelo acesso a uma
proliferação extraordinária de ficções e informações, eles conhecem uma
pluralidade inédita de vidas possíveis.

Apesar disso, em regra, os adolescentes e os pré-adolescentes
de hoje têm devaneios sobre seu futuro muito parecidos com a vida da gente:
eles sonham com um dia-a-dia que, para nós, adultos, não é sonho algum, mas o
resultado (mais ou menos resignado) de compromissos e frustrações.

Um exemplo. Todos os jovens sabem que Greenpeace
é uma ONG que pratica ações duras e aventurosas em defesa do meio ambiente.
Alguns acham muito legal assistir, no noticiário, à
intrépida abordagem de um baleeiro por um barco inflável de ativistas. Mas,
entre eles, não encontro ninguém (nem de 12 ou 13 anos) que sonhe em ser
militante do Greenpeace. Os mais entusiastas se
propõem a estudar oceanografia ou veterinária, mas é para ser professor,
funcionário ou profissional liberal. Eles são "razoáveis": seu sonho
é um ajuste entre suas aspirações heróico-ecológicas e as
"necessidades" concretas (segurança do emprego, plano de saúde e
aposentadoria).

Alguém dirá: melhor lidar com adolescentes tranqüilos do que
com rebeldes sem causa, não é? Pode ser, mas, seja qual for a
qualidade dos professores, a escola desperta interesse quando carrega consigo
uma promessa de futuro: estudem para ter uma vida mais próxima de seus sonhos.

Aparte: por isso, aliás, é bom que a escola não responda apenas
à "dura realidade" do mercado de trabalho, mas também (talvez,
sobretudo) aos devaneios de seus estudantes; sem isso, qual seria sua promessa?
"Estude para se conformar"?

Conseqüência: a escola é sempre desinteressante para quem pára
de sonhar.

Em princípio, os jovens interpretam o desejo (inconsciente) dos
pais e herdam os sonhos reprimidos atrás das vidas (fracassadas ou
bem-sucedidas, tanto faz) dos adultos. Aquela fala chata dos pais, que evocam
as renúncias que foram necessárias para conseguir criar os filhos, aponta o
caminho de aventuras menos sacrificadas. Há uma guitarra empoeirada no sótão do
comerciante ou do profissional cujo filho quer ser roqueiro. O que mudou? Duas
hipóteses.

É possível que, por sua própria presença maciça em nossas
telas, as ficções tenham perdido sua função essencial e sejam
contempladas não como um repertório arrebatador de vidas possíveis, mas como um
caleidoscópio para alegrar os olhos, um simples entretenimento. Os heróis
percorrem o mundo matando dragões, defendendo causas e encontrando amores
solares, mas eles não nos inspiram: eles nos divertem, enquanto,
comportadamente, aspiramos a um churrasco no domingo e
a uma cerveja com os amigos.

É também possível (sem contradizer a hipótese anterior) que os
adultos não saibam mais sonhar muito além de seu nariz. Ora, a capacidade de os
adolescentes inventarem seu futuro depende dos sonhos aos quais nós
renunciamos. Pode ser que, quando eles procuram, nas entrelinhas de nossas
falas, as aspirações das quais desistimos, eles se deparem apenas com versões
melhoradas da mesma vida acomodada que, mal ou bem, conseguimos arrumar. Cada
época tem os adolescentes que merece.


ccalligari@uol.com.br


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