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Portal Universia, 31/08/2009


Para STF,
regulação profissional extrapola o diploma


Demandas de
mercado e conhecimento técnico resguardam profissões

Por Bruno Loturco

O fim da
exigência do diploma para exercício do jornalismo, decidido pelo STF (SupremoTribunal
Federal) no último dia 17 de junho, trouxe à tona, junto com os argumentos dos
juízes do STF, questionamentos sobre a aplicação dos mesmos critérios a outras
profissões regulamentadas. Afinal, as justificativas do STF para eliminar a
necessidade de diploma de jornalista referem-se ao resguardo da liberdade de
expressão, à relevância pública e social da profissão e à inexistência de
técnicas específicas para o desenvolvimento das atividades jornalísticas. Tais
argumentos não serviriam, no entanto, para todas as profissões, conforme afirma
o presidente da OABSP (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo), Luiz
Flávio Borges D Urso em relação ao Direito que, além do diploma, demanda
aprovação do profissional junto ao órgão de classe para poder ser exercido. "Não
é a leitura da lei que faz de alguém um jurista, mas sua interpretação. O leigo
não tem como conhecer isso", afirma. O mesmo valeria para profissões
relacionadas à saúde, como a odontologia, que demandam conhecimentos técnicos
específicos e, portanto, fogem à argumentação do STF. "Estamos falando de saúde,
de exercício de uma profissão em que se pode fazer diagnóstico e intervenções no
corpo humano. O que é impossível se o indivíduo não é habilitado, se não tem o
diploma", salienta Rubens Corte Real, do CFO (Conselho Federal de Odontologia

 

Embora a decisão
do STF abra precedente para questionar a exigência do diploma em outras
profissões, a dinâmica das demais profissões deve evitar questionamentos mais
contundentes. É no que acredita Otacílio Amaral Filho, diretor da faculdade de
comunicação da UFPA (Universidade Federal do Pará). "A Medicina, por exemplo,
tem um impacto social muito grande, mas a atividade em si é muito internalizada
e só os resultados vêm a público. O jornalismo subverte o espaço público porque
lida com a informação escancaradamente", analisa. A afirmação corrobora a
opinião do ministro e presidente do STF, Gilmar Mendes. "O ponto crucial é que o
jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita vinculação ao pleno
exercício das liberdades de expressão e informação", explica. O questionamento
acerca da exigência de diploma em outras profissões extrapola a aplicação dos
mesmos critérios. Isso porque, segundo Mello, a sugestão de que os diplomas de
outras profissões possam cair contraria a evolução. "Não posso acreditar nisso
sob pena de desregulamentação total e porque seria um retrocesso em termos
culturais. Temos que avançar e buscar o aprimoramento", acredita. Ele faz,
ainda, um paralelo sobre os riscos de ampliar a discussão sobre liberdades
individuais sob o

risco de
subverter a organização social. "Falou-se muito em liberdade de expressão para
determinar o fim do diploma de jornalismo, mas não podemos partir para contextos
específicos. Ou então vamos questionar a liberdade de ir e vir e podemos chegar
ao fim da CNH (Carteira Nacional de Habilitação)", exemplifica. "A comparação é
exagerada. São coisas distintas e assim deve ser consideradas", completa.

 

Mercado e
sociedade – A diferenciação do jornalismo perante as demais profissões não o
torna imune às forças de mercado, às quais estão sujeitas todas as profissões
cuja regulação é pouco eficiente e que tende a desvalorizar o trabalho frente à
oferta de mão-de-obra. "Hoje podemos ter jornalistas com os mais variados níveis
de formação. Pode ser Superior, Médio ou até Fundamental", conta o ministro
Marco Aurélio Mello, também do STF e único a votar contra o fim da exigência do
diploma. Dessa forma, aumenta a oferta de mão-de-obra e a remuneração,
logicamente, cai. D Urso, presidente da OABSP, alerta ainda para o risco de
perda de qualidade da profissão. "Ao longo do tempo, se pessoas despreparadas
exercerem a profissão, podem rebaixar a qualidade", alerta. Na concepção de
Mendes, no entanto, o diploma não é a única forma de assegurar a qualidade do
trabalho profissional. A autorregulação promovida pelo mercado, para ele, é
eficiente para separar bons e maus profissionais. Assim, caberia às empresas
promover a regulação e a manutenção da qualidade. Sob essa perspectiva, Filho,
da UFPA, considera que o STF tirou da sociedade e entregou às empresas o direito
de decidir o que é liberdade de expressão. "Basta olharmos a história para
vermos que essa decisão não é muito promissora. Temos como exemplo a escravidão,
a exploração de mão-de-obra infantil. Isso, decididamente, é ruim", lamenta.

 

Dentre as
justificativas do STF para abolir a exigência do diploma para jornalistas está a
afirmação de que se trata de atividade profissional de grande relevância
profissional e que, portanto, não deveria ser limitada apenas aos detentores do
diploma. É possível questionar, sob esse aspecto, os riscos à sociedade do
exercício da profissão por profissionais não qualificados. No entanto, de acordo
com o voto do ministro Cezar Peluso, favorável ao fim da obrigatoriedade do
diploma, os riscos decorrentes da atividade jornalística não são eliminados com
a mera exigência do diploma. Esses, afirma em seu voto, "correm à conta de
posturas pessoais, de visões do mundo, de estrutura de caráter e, portanto, não
têm nenhuma relação com a necessidade de freqüentar curso superior específico,
onde se 

pudesse obter
conhecimentos científicos que não são exigidos para o caso".

 

No mesmo sentido
vai a argumentação de Mendes. "Um excelente chefe de cozinha certamente poderá
ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima o Estado a exigir
que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante
diploma de curso Superior nessa área", comentou, de acordo com informações da
Agência Brasil. Mello, em contraponto, contesta o argumento. "Presume-se que a
pessoa que passa quatro anos numa faculdade e detém o diploma tem uma base maior
para redigir, informar e entrevistar, considerando a ética e as exigências da
profissão", explica. "A exigência do diploma não implica em prejuízo à
veiculação de informações e idéias. Pelo contrário, associa-se à prestação de
serviços de maior valor", completa. Algumas profissões não têm tanta
visibilidade ou relevância social quanto o jornalismo, mas, além de carecerem de
regulamentação, têm problemas com aquela promovida pelo mercado. É o caso do
Design, cujos profissionais não são reconhecidos e, portanto, não podem
participar de concursos públicos, e concorrem com profissionais de outras áreas,
como a arquitetura. "Queremos definir áreas de competência, em que cada um é
responsável pela sua especialidade. Afinal, só arquiteto assina planta de
arquitetura", explica a diretora financeira da ADG Brasil (Associação Brasileira
de Design Gráfico), Sônia Carvalho.

 

Ela acredita que
a regulação traria benefícios aos profissionais, mas não configuraria reserva de
mercado. "Seria o reconhecimento da profissão, que existe no Brasil desde a
década de 1950, e permitiria melhor entendimento e absorção da nossa capacidade
profissional, principalmente por órgãos públicos", conta. Os resultados,
acrescenta, seriam benéficos também para as escolas de design. "Não adianta ter
muitos cursos de design sendo oferecidos se a profissão pode ser exercida por
qualquer um. A regulação serviria também para elevar a qualidade, pois os
profissionais teriam de registrar os projetos", ressalta. D Urso também não
encara a regulamentação do Direito como reserva de mercado. "No Direito, a
pessoa não tem condições de ser autodidata. São cinco anos de estudo e, ainda
assim, 80% dos candidatos são reprovados no exame da OAB", salienta. No caso da
odontologia, Corte Real cita os cursos de especialização como instrumentos
adicionais para regular a profissão "Logicamente, quem tem o diploma de
cirurgião-dentista pode atuar em qualquer área. Mas a especialização resguarda o
profissional sobre o assunto", finaliza.

Categorias: Jornalismo

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