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, Guilherme Sardas | 11/03/2013 16:00

Pesquisador aponta aumento de depressão, assédio e cocaína entre jornalistas

Desde 2003, José Roberto Heloani investiga a
interface entre saúde e a profissão jornalística. Naquele ano, o doutor em
psicologia e professor titular da Universidade de Campinas (Unicamp) entrevistou
cerca de 20 jornalistas do eixo Rio-São Paulo, com foco em qualidade de vida.

Após estudo intermediário de 2005 – com espaço
amostral ampliado para mais de 70 profissionais – concluiu em 2012 o mais
recente deles, com mais de 250 jornalistas, aprofundando temas como saúde
mental, identidade e subjetividade, e incidência de assédio moral e sexual.

Suas conclusões são duras. De dez anos para cá,
aumentam entre os profissionais da área as incidências de depressão,
infidelidade conjugal e uso de drogas, principalmente, cocaína e anfetamina,
além do fenômeno que ele chama de "naturalização do assédio". 

"Hoje, no país, há cerca de seis grandes grupos de
comunicação. Ou seja, o jornalista precisa ter muita coragem para fazer uma
denúncia formal de assédio se quiser permanecer no mercado. Além disso, trocar
de profissão, quando desejado, não é fácil.” 

Outro problema apontado por Heloani é a distância
entre a experiência real e a representatividade social da profissão. "Enquanto a
imagem do jornalista é idealizada e positiva na sociedade, sua vivência diária é
precarizada. Isso os torna mais inseguros e frustrados". 

Confira a íntegra da entrevista à IMPRENSA:


IMPRENSA – Quais foram as novidades da última
pesquisa?


ROBERTO HELOANI
 –
Os casos de assédio moral e sexual tornaram-se mais rotineiros, embora já
existissem. Mas, o problema vai além. Se, em outras categorias profissionais, o
grau de denúncias de assédio tem aumentado – como a dos bancários, por exemplo,
que acompanho há muitos anos –, no jornalismo, o assédio aumentou, mas o número
de pessoas que recorrem à Justiça diminuiu.


Isso pode ter a ver a competição acirrada do mercado
jornalístico?

Não tenho nenhuma dúvida disso. No Brasil, há seis
grandes grupos de comunicação. Você precisa ter muito coragem para fazer uma
denúncia formal de assédio se quiser permanecer no mercado. A pessoa pode até
pensar em mudar de área, ir para assessoria ou área acadêmica, mas nenhuma
alternativa é fácil. 


O que suas pesquisas revelaram sobre o estresse? 

Hoje, o jornalista é um profissional multifocal. O que pode parecer muito
interessante, mas, na prática, as coisas não são bem assim. É um profissional
que se tornou muito mais estressado do que era. Primeiro, ele não pode dominar
só uma mídia. Ele é um profissional que precisa ser repórter, fotógrafo,
motorista, às vezes, cuidar da própria segurança. Então, hoje, há maior
incidência de um estresse patológico. Na primeira pesquisa, não víamos muita
gente em estado de pré-exaustão ou exaustão, que é o caso mais grave. Na mais
recente, começamos a ver pessoas debilitadas, em pré-exaustão, inclusive
recorrendo mais a drogas lícitas e ilícitas.


Aumento de que ordem? Quais drogas, especificamente?

Apesar de ser difícil estabalecer um percentual,
diria que aumentou cerca de 25%. O álcool é a droga mais recorrente, além de
café e energético em alta medida. O problema é que aumentou o uso de drogas
estimulantes, como cocaína e anfetamina. É uma forma de o cara conseguir
escrever quatro ou cinco matérias em veículos diferentes, dormir três ou quatro
horas, e dar conta do recado. Muitas vezes, sem tempo de ir ao psicólogo ou ao
médico, o cara ouve falar de alguém que conseguiu ter um pique legal com “uma
cheirada numa carreira” e aí ele perde o pé. É cada vez maior o número de
pessoas que trabalham intoxicadas.


Como as dificuldades da profissão têm impactado a
esfera pessoal e familiar dos profissionais?

Se há uma coisa que não se altera nas três pesquisas
que realizei é que as mulheres, principalmente, queixam-se muito de como a
profissão reflete na relação familiar e na relação com o companheiro. Primeiro,
elas se queixam que não é fácil namorar com alguém que não seja da área. Começa
a pintar ciúmes ou a convivência se torna muito esporádica. Já vi muitos
jornalistas que só se encontram no aeroporto. 


Então, pode-se dizer que a profissão jornalística
dificulta uma relação estável e fiel?

Muito. Mas, a queixa dessas pessoas é que elas,
justamente, não querem isso. Elas querem um relacionamento, um companheiro. Não
é questão de moralismo, mas o patológico está no fato de que a pessoa não quer
trair. Se a pessoa está satisfeita com isso, pode até ser saudável. Mas, quando
você se queixa disso – porque não é o que você quer, mas o que você pode fazer
–, aí você começa a afetar a esfera subjetiva e, a longo prazo, até a saúde
mental.


Investigou também a identidade e subjetividade do
jornalista. O que concluiu?

O jornalista continua tendo uma identidade
idealizada. Se você perguntar à população o que ela pensa sobre o jornalista,
vai se falar que é um sujeito que denuncia, que sabe das coisas, enfim, a
representação social é positiva. Por outro lado, a identidade real deste
jornalista, sua vida concreta, é precarizada. Então há um gap, uma
distância muito grande entre a identidade pessoal a representatividade social.
Isso torna o jornalista muito inseguro e frustrado. 


Quais as consequências disso?

Ele se sente decepcionando com toda a população que o
idealiza. Na última pesquisa, ficou muito clara a questão da culpa. Com a
dificuldade na carreira, a pessoa começa, em sua narrativa pessoal, a puxar
fatos do passado que são pueris. "Ah, eu me lembro que um redator me chamou para
trabalhar e eu não fui." E isso dura anos. Ou seja, é infantil. Aí ele pode cair
numa armadilha de achar que cometeu um erro estratégico no passado. E, agora,
com maiores sacrifícios, ele decola. É uma maneira de ele pagar uma conta que
ele tem com ele mesmo. A gente chama isso de dívida psíquica. É aí que ele se
arrebenta para valer. 


Há saída para atenuar todos esses aspectos de tensão?

Deixar a profissão não é tão simples, demanda um
planejamento a longo prazo. A única maneira de diminuir isso é começar a
dialogar mais sobre isso, e nisso os sindicatos da categoria têm um papel
importante. É uma categoria que continua sendo muito desunida.


A fraqueza política dos sindicatos tem a ver com
isso?

Acho que contribui. É uma situação complexa porque,
na medida em que as pessoas acabam não acreditando no poder das associações,
estas associações acabam se tornando fracas. Uma associação não é uma abstração.
Como eu não colaboro, a associação continua sendo fraca e ineficaz. Como não há
uma correlação positiva de forças com essas grandes corporações que estabelecem
o modo de vida do jornalista, elas trabalham totalmente independente da
legislação. A legislação é clara: são cinco horas, mais duas. Mas eu nunca vi um
caso de um jeito trabalhando sete horas. Eu vi 10, 12, 14 horas. Essas
organizações acabam atuando à revelia da legislação. Ou você começa discutir
isso para valer, ou não muda nada. Até porque a nova geração de jornalistas têm,
realmente, aceitado qualquer jogo.

Categorias: Jornalismo

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