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Jornal

da Unicamp,
Campinas, 28 de agosto
de 2015 a 06 de setembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 635

Pochmann vê risco de retrocesso
na redução da desigualdade no país



Professor do Instituto de Economia lança livro que, sob uma perspectiva



histórica, reúne dados sobre as diferenças de renda e riqueza entre os
brasileiros


Carlos Orsi

O
economista, pesquisador e docente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp
Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea, vê em 2015 um risco de retrocesso na
trajetória de redução da desigualdade que o Brasil traçou na primeira década do
século 21. “Neste ano temos um fato novo, que é um ponto de inflexão na
trajetória, que vem dos anos 2000, em relação à questão da desigualdade”, disse
ele. “Nós possivelmente deveremos ter um retrocesso. Já estamos observando um
aumento do desemprego e uma queda na massa de salários, diante inclusive dos
lucros apresentados pelos bancos: deveremos ter talvez quase 10% do PIB
transferido para o sistema bancário em função das altas taxas de juros. Esse
quadro põe um ponto de interrogação numa trajetória de redução da desigualdade”.


Pochmann falou com o Jornal
da Unicamp
 no
lançamento de seu livro Desigualdade
Econômica no Brasil
, que reúne dados sobre as diferenças de renda e
riqueza entre os brasileiros, as classes sociais, municípios e regiões do
Brasil, incluindo-os numa perspectiva histórica. “Em primeiro lugar, é preciso
entender que a desigualdade que temos hoje tem a ver com o passado. Um passado
que se forjou a partir de um processo de exclusão gerado pela escravidão”,
lembrou. 

“É
uma desigualdade que tem passado, mas também tem presente, e que resulta, por
exemplo, nas ineficiências do Estado brasileiro, da fortaleza do Estado em
tributar os pobres e não tributar os ricos: essa é uma questão que resulta das
opções que o Brasil tem feito”, afirmou. “Mas eu diria que, pelas experiências
recentes que tivemos, que o Brasil pode acelerar o passo e avançar mais
rapidamente para construir uma sociedade menos desigual do que a que temos
atualmente”.


Leia, abaixo, os principais pontos da entrevista de Pochmann:



Jornal da Unicamp – Desigualdade é algo necessariamente ruim? É fácil
compreender que a pobreza extrema e a miséria devem ser combatidas, mas por que
enfocar a desigualdade?



Marcio Pochmann
 
Existe uma confusão, que muitas vezes acontece, entre desigualdade e
diversidade. Diversidade, eu diria que, num país como o nosso, é um dos
principais ativos que temos: uma riqueza que, no século 19, até no século 20,
era vista como uma das razões do nosso atraso, por exemplo no caso da mistura de
raças, essa diversidade que o Brasil gerou e que é conhecida no mundo todo.
Então eu diria que a diversidade é um elemento positivo. 


Agora, quando se fala em desigualdade, pode-se medir a desigualdade de
oportunidades, a desigualdade de resultados. Por exemplo, nós somos um país que
se tornou república em 1889, e levou praticamente 100 anos para oferecer
igualdade de acesso à educação básica. Nós não universalizamos a educação, sendo
que a base da República, em qualquer país, é a universalização do acesso à
educação. 

E, se
hoje temos um acesso universalizado, a qualidade da educação ainda é uma coisa
dramática. A educação, dessa forma, reproduz a desigualdade. É como se nós
estivéssemos numa corrida de Fórmula 1. Há uma diversidade de marcas, de carros,
de pilotos. O ambiente é diverso, mas não há desigualdade no que diz respeito ao
patamar mínimo de competição. Agora, a desigualdade é como se tivéssemos uma
corrida de Fórmula 1 na qual um corre com carro de corrida, um corre de
bicicleta e o outro, de patinete.  Então, evidentemente, essa desigualdade não
vai gerar resultados satisfatórios, adequados.



JU – Seu livro faz um levantamento histórico da questão.



Marcio Pochmann
 
O trabalho trata de um tema que é caro aqui no Instituto de Economia, explorando
as diversas interfaces em que a desigualdade se manifesta no Brasil.
Apresentamos uma discussão um pouco teórica, entendendo que a desigualdade é um
elemento que funda e que se desenvolve no próprio capitalismo, seja ele qual
for. 

No
Brasil, tivemos uma situação extrema, porque praticamente até os anos 90, sobre
os quais há dados que podemos comparar, tínhamos uma desigualdade que nos
colocava entre os três países mais desiguais do mundo: uma desigualdade extrema,
do ponto de vista econômico, do ponto de vista da renda. Nosso enfoque, no
livro, é mais econômico, mas procuramos olhar também a questão da desigualdade
no mundo, e como o Brasil se coloca.

Vemos
a desigualdade que se verifica entre as classes: hoje, estamos caminhando para
um mundo em que apenas 1% da população terá mais riqueza que 99% da população.
Então, um mundo também muito desigual.


Depois, fazemos uma reflexão a respeito da desigualdade no Brasil, do ponto de
vista das regiões, do território. Por exemplo, a desigualdade que há entre as
nossas cidades, os nossos Estados, uma desigualdade que se manifesta do ponto de
vista das classes sociais, aqueles que têm propriedade – propriedade da terra,
propriedade de títulos financeiros – e a desigualdade entre os indivíduos, entre
cor, raça, desigualdade de gênero. O livro na verdade oferece ao leitor uma
série sistemática de informações quantitativas, empíricas, uma interpretação
teórica e também experiências de outros países que enfrentaram com êxito a
desigualdade, o que não é o nosso caso.



JU – Mas o país não fez progressos nos últimos anos?



Marcio Pochmann
 
Sim. Nós iniciamos o século 21 combinando crescimento econômico, a presença da
democracia e de políticas públicas. Isso nos permitiu, comparativamente aos
últimos 50 anos, oferecer resultados significativos na década de 2000. Que foi
uma década em que a desigualdade aumentou no mundo, mas em que o Brasil, de
forma inversa, conseguiu reduzir, pelo menos, a desigualdade na renda do
trabalho. Nós, que éramos o terceiro país mais desigual do mundo, hoje somos o
décimo-sexto. Houve uma redução, mas obviamente estamos muito longe, porque
somos a sétima economia do mundo. Então, há muito o que fazer.

E
entendemos que há, neste ano de 2015, um fato novo, que é um ponto de inflexão
na trajetória de redução da desigualdade. Possivelmente teremos um retrocesso.
Já estamos observando um aumento do desemprego e uma queda na massa de salários,
diante inclusive dos lucros apresentados pelos bancos: deveremos ter talvez
quase 10% do PIB transferido para o sistema bancário, em função das altas taxas
de juros. Esse quadro põe um ponto de interrogação numa trajetória de redução da
desigualdade.



JU – A escola de economia da Unicamp foi muito criticada, por conta da percepção
de sua influência nas políticas econômicas do primeiro mandato de Dilma
Rousseff, que desembocaram na situação atual…
Marcio
Pochmann
 
Eu diria que há no Brasil, historicamente, uma tensão muito grande quanto à
perspectiva do desenvolvimento econômico, entre o desenvolvimentismo e o que
hoje é chamado de neoliberalismo. Há uma tensão entre os desenvolvimentistas e a
escola que vê basicamente o desenvolvimento como produto do mercado, das forças
do mercado. 

A
Unicamp, a escola aqui de Campinas, de certa maneira encarna uma trajetória do
pensamento desenvolvimentista que vem desde a Cepal (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe), do pensamento latino-americano. Existem outras
escolas também na mesma perspectiva, mas a Unicamp, de certa maneira,
caracteriza-se muito mais por trabalhar a perspectiva do desenvolvimento, e esse
que já é um debate histórico entre liberais, neoliberais e desenvolvimentistas
terminou, de certa maneira, identificado com a Unicamp. Eu não vejo isso
necessariamente como um mal, já que marca a importância da escola de Campinas
como referência nacional e internacional. 


Infelizmente, porém, estamos vivendo um momento de cólera, de ódio, que muitas
vezes aquilo que é o nosso campo, que é o debate de ideias, acaba sendo
ultrapassado por visões que a gente só pode lamentar, porque na verdade não são
frutíferas.

A
questão mais geral da disputa gira em torno do papel do Estado. Porque temos uma
crença de que o capitalismo não se desenvolve, e nem resolve suas crises, que
são inerentes, de modo próprio: ele pressupõe a ação do Estado.

Então
essa é a grande diferença, porque há a crença, renovada em torno do
neoliberalismo, que não cabe ao Estado qualquer ação porque, quanto mais houver
liberdade da competição, mais ela, por si só, gera o desenvolvimento. Como se o
desenvolvimento fosse algo espontâneo, autônomo. Nós não partimos desse
pressuposto – acreditamos que o capitalismo, deixado livre à sua própria
dimensão, produz mais crises. 



JU – O desempenho econômico do governo vem sendo usado como argumento contra o
desenvolvimentismo.



Marcio Pochmann
 
É esquisito, porque a mesma tensão se dá em relação a uma das referências
brasileiras para nós, o Celso Furtado. Críticas que se faziam ao governo do João
Goulart, como sendo as razões dos problemas que então ocorriam, atacavam a
perspectiva desenvolvimentista, e mesmo a pessoa do Celso Furtado. 


Quando ao governo da presidenta Dilma, a Unicamp participou dele, mas não em
postos-chave. Não tivemos nenhum representante no Ministério da Fazenda. Temos
ainda no governo o Luciano Coutinho [professor-titular do Instituto de Economia
da Unicamp], que tem um posto importante, a presidência do BNDES, mas que não é
o centro da condução da política econômica.

Por
outro lado, a presidenta Dilma foi estudante aqui, o que é para nós motivo de
orgulho.  José Serra, hoje senador, foi professor aqui do Instituto de Economia.
Tivemos Paulo Renato, infelizmente falecido, que foi ministro da Educação. Temos
o ministro Mercadante, hoje na Casa Civil. Então, a escola de Campinas tem
produzido quadros que ajudam na condução da República.



JU – Qual sua avaliação do momento econômico atual?



Marcio Pochmann
 
Bem, entendemos que o Brasil não tinha esse problema fiscal como foi aventado em
2014, que de certa maneira acabou sendo a referência para que a presidenta Dilma
viesse a tomar as medidas que tomou. Entendemos que, de fato, o ano de 2014 foi
um ano que apresentou problemas fiscais, mas é preciso entender o porquê desses
problemas.

 De
um lado, a situação das contas públicas tem a ver com crescimento econômico. Se
você tem crescimento econômico, tem mais arrecadação e melhora a situação fiscal
de qualquer governo. Quando não há crescimento, você obviamente arrecada menos,
como foi o caso em 2014. 

Ao
mesmo tempo, em 2014 nós também tivemos o resultado da opção pelas chamadas
políticas anticíclicas, uma série de desonerações, mais de R$ 100 bilhões
deixaram de ser arrecadados para os cofres públicos, em função dessas
desonerações. 

De
modo que o problema fiscal tem a ver com essas questões. A gente aprende e
ensina, aqui na escola, que não se faz ajuste fiscal numa economia que está em
recessão, porque você corta gastos, isso reduz a atividade econômica e
arrecada-se menos na sequência. Vira um ajuste fiscal quase permanente. O
enfrentamento da questão fiscal passa pelo crescimento, não pela recessão.



JU – É possível reduzir a desigualdade sem causar conflitos na sociedade?



Marcio Pochmann
 
A melhor forma de distribuir é crescendo, porque quanto mais se cresce, mais
fácil é distribuir. À medida que o crescimento é pequeno, para melhorar a
condição de uns é preciso avançar sobre a participação na renda de outros. É aí
que surge o conflito. E esse conflito ficou mais evidente, no nosso modo de ver,
no governo da presidenta Dilma, porque a expansão econômica no seu primeiro
governo, e aparentemente no início deste segundo, é muito menor do que fora no
governo do presidente Lula. 

Mas à
medida que o Brasil crescer mais, haverá mais possibilidades de distribuir
renda. As décadas de 60 e 70 foram períodos em que o Brasil cresceu muito mais
do que na década de 2000, mas não tinha democracia, não tinha política pública
para distribuir, então formamos um país muito desigual. Nos anos 80 e 90, o
Brasil voltou a ter democracia, mas não cresceu, então não tinha o que
distribuir, a despeito dos avanços da Constituição de 1988. Nos anos 2000, a
gente combinou os três: cresceu, com democracia e políticas públicas. Esta
segunda década do século está em dúvida. Se não houver crescimento, dificilmente
teremos condições de distribuir.



JU – Mas o Brasil não é muito dependente do cenário internacional?



Marcio Pochmann
 
Claro que o cenário internacional compromete. Agora, estamos na América Latina,
e segundo a Cepal somente dois países não vão crescer: Venezuela e Brasil. Os
demais vão crescer. Não tanto quanto gostariam, mas vão. Então, nós sofremos o
regime de baixo dinamismo no mundo, mas temos as nossas questões a serem
resolvidas internamente. 



JU – Quais os entraves?



Marcio Pochmann
 
A meu modo de ver, o principal é de natureza política. Não temos uma maioria
política voltada para o crescimento e para a distribuição da renda. Somos hoje
um país com 86% de sua população vivendo nas cidades, ou seja, a pauta da
sociedade é numa pauta urbana. Mas o congresso que emergiu das eleições de 2014
fez com que a maior bancada fosse a dos ruralistas. Há um descompasso entre o
que a sociedade precisa e demanda e os representantes que são os responsáveis
principais por organizar a política pública no país.  

 



           


Serviço



Título
:
“Desigualdade Econômica no Brasil”



Autor
:
Marcio Pochmann



Páginas
:
168



Editora
:
Ideias e Letras



Preço
:
R$ 35,00

Categorias: Economia

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