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O Estado de São Paulo, Domingo, 22 de Março de 2009 | Versão
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Por uma história crítica da mídia



Ética, Jornalismo e Nova Mídia, de Caio Túlio Costa, debate impasses da imprensa
no mundo atual

Marco Chiaretti


Um grande filósofo do século 19 escreveu que ler jornal era essencial para um
bom café da manhã (não havia web). Era uma época otimista: as Luzes fariam do
mundo um lugar melhor e os jornais eram um dos suportes desta iluminação,
formadores da opinião pública, imparciais, objetivos, independentes. O século 20
cuidou de acabar com o mito de uma Razão invencível e o novo milênio parece
também não ter começado muito bem. Fantasmas rondam este mundo: crise, novas
tecnologias, novos modelos, menos leitores, mais crise. Nisso tudo, há lugar
para o jornalismo? Se sim, qual é o papel do jornalista? A web mudou tudo? Esta
necessidade de jornais e jornalismo, ela vem do quê? Pra que jornalismo, afinal?


 


Vá lá saber, mas como as bruxas da anedota, o jornalismo existe, está aí, é
mecanismo essencial do nosso modo de vida, e não há como subestimá-lo, até
porque jornalismo implica em re-presentar, em falar sobre, e o mundo moderno é
um mundo de re-presentações. Não só isso: o jornalismo é um discurso que
pretende sempre ser verdadeiro, qualquer que seja a definição de verdade.
Jornalistas não se veem do lado do mal e do engano (e nem são vistos assim),
abominam o erro e justificam seu trabalho como um bem social. Nesse sentido,
jornais, jornalistas, o jornalismo, estão indissoluvelmente ligados à noção de
ética, ao conhecimento do bem e a praticá-lo. Não são só necessários, são
"bons". Será?


 


Essa é aquela pergunta chata, que talvez fosse de bom tom não fazer, mas ninguém
que leve o jornalismo e o ofício do jornalista a sério pode deixar de fazê-la.
Ética, Jornalismo e Nova Mídia – Uma Moral Provisória leva o ofício a sério. Seu
autor, o jornalista e professor Caio Túlio Costa, foi um dos "jovens turcos" que
no início dos 80 participaram do chamado "Projeto Folha"; mais do que isso, foi
um dos líderes do processo – e o primeiro ombudsman do jornal. No fim dos 90,
ele se recriou como um dos "pais fundadores" da web no Brasil. Tem uma carreira
importante, marcada por sucesso e polêmicas. Pode-se desgostar do que diz e faz,
mas é difícil não reconhecer seu senso de oportunidade. O livro é mais uma prova
disso. A Crise de 2008 e o mundo em rede nos obrigam a pensar no tema da
relatividade moral do jornalismo. De novo. E de forma diferente do que havia
sido feito em outras situações.


 


Costa pensa difícil. Para complicar ainda mais a vida do leitor, escolheu o
caminho da história do pensamento e da arte para expor seus argumentos, percurso
interessante, sem dúvida, mas árduo e cheio de obstáculos. O livro trata das
relações entre ética e jornalismo, indo de Sócrates a Stiglitz, de Epicuro a
Kant, de Descartes a Sartre (e mais algumas dezenas de autores e personagens).
Há que se ter tempo (e leitura) para atravessar o mar de citações e referências,
"momentos em que a questão moral encontrou definições capazes de iluminar
condutas", que servem para montar uma história (hiper) crítica da mídia como um
lugar de meias verdades, omissões e mentiras úteis, às quais se sujeitam
jornalistas no desejo de acertar, metidos em um mar de erros crassos, provocados
pela pressa ou pela ignorância.


 


Não bastasse isso, há a relatividade (a culpa é sempre de Einstein). No capítulo
9, Costa faz o elenco de algumas das aporias com as quais se defronta a Velha
Mídia quando ela se vê diante do Oceano Azul da Nova Mídia. Por exemplo, o pobre
jornalista, o que acontece com ele? Descolado de seu centro, o jornalista-Sol
corre o risco de se apagar, subjugado por um leitor que ele não controla mais. E
a famosa distinção igreja-Estado (invenção americana dos anos 20, sobre a qual
se escreveram vários livros de ética e jornalismo), como fica? Para Costa, a
dissolução dos limites entre atividade editorial e atividade comercial arrisca
apagar a fronteira que garante a independência do negócio enquanto garante o
negócio (de fato, arrisca, mas é fato que em bons jornais, o limite é sempre
nítido). E o demônio do marketing? A possibilidade de ações de marketing ligadas
a determinados conteúdos, se efetivada, deixa um sabor amargo de dúvida no
leitor (vale para os marqueteiros o que vale para os publicitários). Isso para
não falar da cultura, em geral: a redução progressiva do conhecimento por parte
dos novos criadores de conteúdo cria uma geléia geral onde imprecisão e
incerteza viram qualidades e não defeitos. No fim, o leitor pode se perguntar,
irritado com o jornal que agora lhe estraga definitivamente o café, o que quer
Caio Túlio?


 


Quer desmontar a pretensão à objetividade da imprensa, que desde sempre afirma
que são objetivas (e verdadeiras) suas representações. Quer arrasar o que vê
como a arrogância pedante dos jornais e dos jornalistas. Não existe isso, diz
ele. Nunca existiu, e menos ainda existe agora, o território do jornalismo
estraçalhado pela nova mídia e sua abertura ao leitor-criador.


 


Ok, mas esta é a parte fácil. Há a parte difícil.


 


Um, como ele mesmo nos lembra, jornalismo é "parte determinante da engrenagem
que faz o mundo parecer o que parece ser". Não há como prescindir dele. Dois,
códigos morais temporários são encrenca. Parecem resolver o problema, mas sempre
haverá uma noite em que as duas moças se encontrarão com o filósofo sedutor, ao
mesmo tempo e não sucessivamente. Três, a Nova Mídia também precisa ser alvo de
crítica, ou não? Soluções? O livro deixa mais perguntas do que respostas.


 


Enfim, precisam de jornalismo (e precisamos dele…), azar. Não durmam no ponto.
Não acreditem no senso comum e cuidado com móveis encerados e jornalistas
sinceros. À guisa de solução, se há uma, só a busca contínua do conhecimento e a
desconfiança persistente em relação ao "estado atual das coisas". A autoironia
está no sangue ou não há jornalismo. Pena que não haja muita gente com senso de
humor. Faltam caixeiros.


 



Ética, Jornalismo e Nova Mídia será lançado no dia 30, às 19 horas, na Livraria



Cultura do Conjunto Nacional (Avenida Paulista, 2.073)

Categorias: Jornalismo

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