Folha de São Paulo, Cotidiano, sábado, 02 de abril de 2011
Propagandista é vetado em posto de saúde
Conversa entre homens da indústria farmacêutica e médicos atrapalha atendimento,
diz Prefeitura de Ribeirão Preto
Para Cremesp, medida é inédita no país e deve ser estendida a outras cidades;
laboratórios
JULIANA COISSI, DE RIBEIRÃO PRETO
Numa medida considerada inédita pelos conselhos Federal e Estadual de Medicina,
a Prefeitura de Ribeirão Preto, no interior paulista, passou a proibir a
presença de representantes da indústria farmacêutica em unidades de saúde
municipais.
O veto aos chamados propagandistas de remédios ocorre após denúncia de que
pacientes ficavam na fila de atendimento enquanto eles conversavam com médicos.
"Em apenas um dia, contamos 38 representantes na mesma unidade", afirma a
prefeita Dárcy Vera (DEM).
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) quer restringir
o acesso, já que a propaganda parece ter efeito: 48% dos médicos paulistas que
recebem visitas de propagandistas prescrevem remédios sugeridos por fabricantes,
segundo pesquisa do conselho divulgada no ano passado.
A medida foi tomada em meio a uma crise da saúde na cidade. Há falta de leitos.
Pacientes esperam até seis horas pelo atendimento.
Vereadores protestaram alegando que o veto tira empregos. Dizem que a fila no
atendimento não é causada pelos propagandistas.
No Hospital das Clínicas da cidade, que não é municipal, os propagandistas ficam
em corredor onde abordam os médicos. Eles contam até com armários próprios, com
o nome de cada laboratório. São 180 profissionais.
Robson Aparecido Pantosso, 41, propagandista há dez anos, afirma que a visita ao
médico é rápida -cerca de dois minutos. No HC ele aborda por dia até 20 médicos.
Ele diz não ver influência da oferta de amostras grátis na decisão médica. "Nós
levamos informação do medicamento. É ele que decide se prescreve ou não",
afirma.
Edson Ribeiro Pinto, presidente da Fenavenpro, federação dos propagandistas do
país, critica o veto. "Esses profissionais vendem vida, saúde, e não vendem
armas."
Ribeiro Pinto afirma ainda que muitos dos médicos não têm tempo de se reciclar
sobre novos remédios.
No país, existem cerca de 200 mil propagandistas.
O Sindusfarma, que representa os laboratórios, diz que o veto é "um desserviço à
população e à classe médica".
REPERCUSSÃO RELAÇÃO É "PROMÍSCUA", DIZ MÉDICO
Bráulio Luna Filho, coordenador da comissão que estuda a relação entre médico e
indústria do Cremesp, diz ser "lamentável" que médicos se aconselhem sobre um
remédio com outra pessoa que não seja também um médico. "Eles não são
profissionais da ciência, são propagandistas e terminam usando métodos de
sedução, como oferta de viagens, jaleco, brindes." Médico há 40 anos, ele
defende que haja uma regulação. "A indústria é muito forte", afirma Luna Filho.
ANÁLISE PROPAGANDISTAS EM UNIDADES DE SAÚDE
Não é o paciente que deve pagar essa conta
Embora legítimas, visitas de representantes de laboratórios a médicos reduzem o
já exíguo tempo da consulta
ESTUDOS APONTAM QUE O TEMPO MÉDIO DE UMA CONSULTA NO SUS É DE 9 MINUTOS. OMS
RECOMENDA, NO MÍNIMO, 15
CLÁUDIA COLLUCCI, DE SÃO PAULO
O veto à ação de propagandistas de laboratórios durante o atendimento nos postos
de saúde de Ribeirão abre um novo capítulo na polêmica que envolve médicos e a
indústria farmacêutica.
Nos últimos anos, falou-se muito da influência dos laboratórios nas decisões
médicas e de gestores do SUS.
Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 75% desses
profissionais recebem visitas mensais de propagandistas, e 37,7% admitem que
podem ser influenciados por elas.
A questão agora diz respeito ao tempo que os médicos dedicam aos representantes
dos laboratórios. Para atendê-los, atrasam as consultas ou, como suspeitam
alguns, reduzem o tempo da consulta. Essa é uma realidade tanto dos postos de
saúde do SUS quanto dos consultórios particulares.
Quem nunca presenciou um médico usar o intervalo entre uma consulta e outra para
receber propagandistas com suas inconfundíveis maletas pretas? E isso independe
de haver ou não um próximo paciente à espera do atendimento.
Não há dúvida de que essas visitas são legítimas e interessam a ambas as partes.
Acontece que o tempo da consulta é cada vez mais exíguo. No SUS, pela grande
demanda de doentes. Na rede privada, em razão dos baixos valores pagos aos
médicos pelos planos de saúde.
Alguns estudos apontam que o tempo médio de duração de uma consulta no SUS é de
nove minutos. O Ministério da Saúde e a OMS (Organização Mundial da Saúde)
recomendam, no mínimo, 15 minutos.
A redução do tempo de consulta pode omitir etapas importantes no atendimento.
Uma boa entrevista (anamnese) que dará pistas para a identificação do problema
de saúde e a correta orientação para o uso da medicação são algumas delas.
Os médicos argumentam que as visitas dos propagandistas são importantes para a
atualização profissional -ainda que reconheçam que muitas informações sejam
enviesadas. Por que então não os recebem antes ou depois das consultas? Ou no
horário do almoço? Seja como for, não é o paciente que deve pagar essa conta.
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