BBC BRASIL – TERRA EDUCAÇÃO – 13/07/2016 – SÃO PAULO, SP
“Quando visto meu jaleco, me torno um sonho possível para as crianças da
favela”, diz estudante negra de Medicina
A carioca Mirna Moreira, de 22 anos, lembra-se da reação dos colegas no dia em
que obteve nota máxima na disciplina de Anatomia, a mais temida por alunos
recém-ingressados no curso de Medicina da Uerj (Universidade Estadual do Rio de
Janeiro).
`Eu e uma outra menina ? branca ? gabaritamos a prova dessa matéria. Ninguém se
surpreendeu com o desempenho dela, mas comigo foi diferente. Algumas pessoas
ficaram surpresas. Ouvi a frase `Como assim você conseguiu?“, recorda.
Negra e cotista, Mirna nasceu e cresceu no Complexo do Lins, conjunto de favelas
na zona norte do Rio onde vive até hoje com a família.
Filha de uma telefonista e de um bombeiro, diz se considerar `privilegiada`
diante da realidade hostil que a cerca. Mas não se esquece das raízes.
`Quero devolver à minha comunidade o que vou aprender no curso de Medicina.
Quando ponho meu jaleco, prescrevo sonhos`, diz ela sobre a perspectiva de
futuro que diz mostrar às crianças da favela.
Recentemente, um post da página Boca de Favela no Facebook sobre Mirna viralizou.
Foram quase 79 mil curtidas e mais de 17 mil compartilhamentos.
Em depoimento à BBC Brasil, ela falou sobre pobreza, racismo, negritude e
empoderamento feminino. Confira:
` Nasci e cresci no Complexo do Lins, conjunto de favelas na Zona Norte do Rio
de Janeiro. Hoje, aos 22 anos, me sinto uma privilegiada. Por esforço dos meus
pais ? ele, bombeiro, ela telefonista ? consegui ter acesso ao estudo e foi por
causa deles que hoje faço Medicina.
É até engraçado falar em privilégio nas minhas circunstâncias. Mas não são todas
as pessoas daqui que têm um sonho e podem concretizá-lo. Sou uma exceção à
regra. Fala-se em meritocracia, mas ela é inexistente a partir do momento que
nem todo mundo tem as mesmas oportunidades.
Com exceção do primário, sempre estudei em colégio particular. Ganhava bolsas
parciais e meus pais se esforçavam para pagar o resto. Quando fiz curso
pré-vestibular, a mensalidade era de R$ 2 mil. Nunca teria esse dinheiro. Mas
conviver com essas duas realidades completamente diferentes me permitiu ter
maior senso crítico. Conto nos dedos das mãos, por exemplo, os amigos que
frequentavam minha casa durante a escola.
É desafiador ser negro e morar em uma favela no Brasil. Vivo um preconceito
duplo. Vez ou outra, sou seguida por seguranças em lojas.
Medicina
E quando decidi cursar Medicina, embora sempre tenha tido o apoio dos meus pais,
muita gente próxima questionou minha escolha. Me perguntavam: `Você quer isso
mesmo? Você não tem cara de médica`.
Entendo em parte esse pensamento. A sociedade diz a nós, negros, que não vamos
conseguir. Além disso, continuamos sofrendo com a falta de representatividade.
Você entra em um hospital e vê poucos médicos negros. Atores negros ainda são
uma minoria nas novelas. E tudo isso apesar de sermos a maioria da população.
Prestei vestibular por três anos até conseguir passar no curso de Medicina.
Entrei por cotas, mas não estudei menos por isso. Nas vezes que fui reprovada,
fiquei muito mal. Sabia que meus pais tinham outras contas para pagar e não
poderiam me bancar nessa situação. Mas eles não desistiram do meu sonho. Nem eu.
Escolhi Medicina pela arte de cuidar do outro. E pretendo ser médica de família.
Não se trata de uma especialização muito divulgada e é até desprezada pelos
próprios médicos.
Mas acho que meu envolvimento com essa área diz muito de onde eu venho. Quero
devolver à minha comunidade o que me foi dado e atender a quem realmente
precisa.
Racismo
Não vou generalizar, mas sempre tem alguém que me olha torto na faculdade .
Porque sou negra, moradora de favela e cotista.
No primeiro período, por exemplo, aconteceu um episódio do qual não me esqueço.
Eu e uma menina branca fomos as únicas a gabaritar a prova teórica de Anatomia,
uma das disciplinas mais temidas pelos alunos. Alguns colegas ficaram surpresos.
Disseram que `escondi o jogo` e me perguntaram como eu tinha tirado uma nota
daquelas. Por quê? Se as pessoas mal se conheciam, por que tanta surpresa com o
meu desempenho e não com o dela?
Recentemente, também fui alvo de um ataque racista na internet. Uma página
moderada pelos alunos da Uerj, sem vínculo com a universidade, decidiu fazer um
concurso de beleza. Cada curso tinha uma representante – e eu fui escolhida para
representar o curso de Medicina.
Minha foto recebeu vários comentários racistas. Li coisas do tipo: `Como assim
essa preta tá fazendo Medicina?` ou `Você vota na negra mas não alimenta macaco
no zoológico`.
Decidi registrar uma denúncia na polícia. Mas não houve investigação. Se você
não é artista, demora bastante.
Negritude
Acho que essa minha iniciativa foi um reflexo da minha maturidade. Me sinto mais
consciente sobre meus direitos. E também resolvi assumir de vez minha negritude,
começando pelo meu cabelo.
Desde criança, alisava os fios. Hoje, percebo que fazia isso porque queria me
enquadrar. Na escola, minhas amigas eram brancas e tinham cabelo liso.
Mas resolvi parar. Não queria mais ser refém de algo que não me fazia bem. E foi
uma ótima surpresa. Meu cabelo é lindo e amo os meus cachos. Antigamente, me
embranquecia. Isso acabou. Tenho orgulho de ser negra.
E hoje tenho cada vez mais certeza disso. Há alguns meses, participei de uma
ação sobre sexualidade na adolescência para escolas públicas no Morro dos
Macacos. Na saída de uma delas, as meninas negras pediram para tirar fotos
comigo e elogiaram meu cabelo crespo. Elas me viram como referência.
Isso porque, quando entro na favela de jaleco, não prescrevo apenas remédios,
prescrevo sonhos . Mostro para essas meninas que elas podem ter um futuro.
Coincidentemente, porém, no dia dessa ação na escola, voltei no mesmo ônibus que
uma aluna. E quando desci no mesmo ponto que ela aqui perto de casa, ela
perguntou: `o que você tá fazendo aqui`?
Chorei muito. Mas isso só me fez ter mais consciência da minha função social.
Com o perdão do trocadilho, quero poder dar uma `injeção de ânimo` nessas
pessoas.
Reconheço que aqui os sonhos são muitas vezes limitados pela falta de
oportunidades. Mas espero que um dia todos nós tenhamos chances iguais.
Não vai ser fácil, mas sei que é possível.`
O que você espera do seu filho?
PRISCILA CRUZ – UOL EDUCAÇÃO – 13/07/2016 – SÃO PAULO, SP
Todas as crianças têm capacidade de aprender e de colocar em prática seu projeto
de vida. E essa mensagem deve ser passada e repassada a elas diariamente. Sabe
por quê? Porque saber que há expectativas positivas sobre eles e que acreditam
no seu potencial de aprender – na escola e fora dela – é fundamental para que
possam se desenvolver plenamente a fim de enfrentar a complexa vida no século
21.
Parece fórmula mágica de livro de autoajuda, mas não é. Carol Dweck, uma
pesquisadora da Universidade Stanford, fez um experimento com mais de duzentas
crianças para provar isso. Nele, um elogio era dito logo após o resultado de uma
prova. Para parte das crianças foi feito um elogio à inteligência – como se o
sucesso delas fosse decorrente de uma característica pessoal, nata: `Parabéns
pela sua inteligência`. Para a outra metade das crianças, foi feito um elogio
mostrando que aquele sucesso era resultante de muito esforço e trabalho, ou
seja, colocando-as como responsáveis pelo bom desempenho: `Parabéns, você se
esforçou e conseguiu um bom resultado`.
O mais curioso aconteceu na parte seguinte do experimento. Perguntaram para as
integrantes dos dois grupos – separadamente – se gostariam de receber um novo
teste igual ou mais difícil do que o primeiro. Conseguiu adivinhar a resposta?
Pois as crianças do primeiro grupo, para não correrem o risco de ver o
desempenho cair, solicitaram um teste com o mesmo nível de dificuldade. Já as
que tinham ouvido que o desempenho era resultado do esforço escolheram um teste
mais difícil!
Com base nisso, a professora Dwek escreveu o livro Mindset – the New Psychology
of Success, no qual defende que tudo o que uma criança ou um adolescente escuta
o marca de alguma maneira. Acredite: a palavra certa dos pais pode ajudar o
desenvolvimento dos filhos. Assim, reuni algumas frases que aprendi lendo Carol
Dweck e que podem ajudar seu filho a tomar as rédeas da sua vida escolar desde
cedo:
• Você é protagonista e não coadjuvante!
Protagonismo, essa palavra complicada, atualmente na moda, é a capacidade de se
ver como ator principal da própria vida, responsabilizando-se por suas escolhas
e atitudes. Você pode lembrar à criança e ao adolescente que eles são, sim,
responsáveis por sua própria aprendizagem. E que, embora algumas situações
exijam um esforço maior, o empenho sempre vale a pena, pois pode ajudar a evitar
algumas dificuldades no futuro.
• Parabéns pelo seu esforço!
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura! Quando mostramos às crianças
que elas mesmas foram responsáveis por aquela nota boa ou por aquele trabalho
que ficou muito legal, estamos dizendo que elas são capazes. Se elas não
conseguem alcançar um objetivo de imediato, devem continuar tentando. E essa
persistência também precisa ser elogiada.
• `Reconhece a queda e não desanima…
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima!` Essa música do Paulo Vanzolini
mostra bem a importância de reconhecer o fracasso sem perder a força. Não há mal
em errar. Ninguém aprende coisas novas, termina um projeto ou concebe invenções
que mudam o mundo sem errar (muito) e recomeçar.
• Quando você não entender, me diga
Opa… Nem todo mundo consegue aprender uma coisa de imediato. Lembra como foi
tirar as rodinhas da bicicleta? Mas a criança não pode ficar inibida! Ela deve
saber que você e o professor estão ao lado dela para apoiá-la.
• A lição de casa é sua, não minha!
A gente quer ajudar as crianças a resolverem tudo, não é? Mas isso não é bom. Se
puder, fique ao lado delas, mas não resolva por elas. Ajude-as a resolver
sozinhas. Elas vão ganhar autoestima e autonomia nesse processo.
• Você será um grande profissional…
É bem importante ter altas expectativas sobre o futuro das crianças e dos
jovens. Sempre deixando claro que cada passo deles hoje será importante para o
seu sucesso no futuro.
• Eu te amo!
Também a segurança, o amor e o carinho são importantes para a criança e o
adolescente terem autonomia e mais autoestima ao perseguirem seus projetos de
vida.
É claro que não existe uma receita pronta para criar nossos filhos e para que
eles sejam felizes, mas certamente as dicas de estudiosos das relações
familiares podem nos ajudar a apoiá-los para que realizem seus projetos de vida.
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