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Revista Isto é,
COMPORTAMENTO,
|  N° Edição:  2245 |  14.Nov.12 – 17:00 |  Atualizado em 22.Nov.12 –
15:25

Quanto vale sua intuição



Novos estudos comprovam que o processo intuitivo é muito mais racional do que se
imaginava. E que o instinto é uma ótima ferramenta para tomar decisões na vida
profissional e pessoal. Saiba como


João Loes

É só prestar atenção nas
grandes livrarias. Há alguns anos, o tema intuição deixou de frequentar apenas
as estantes esotéricas e místicas e migrou para os títulos de psicologia,
psiquiatria e neurociência. Dezenas de estudos científicos inundaram os
escaninhos das mais prestigiosas universidades do mundo para comprovar que o
instinto humano não só existe, como pode ser ensinado e aprimorado. “Há
vencedores do prêmio Nobel estudando a intuição”, diz Eugene Sadler-Smith,
professor de comportamento organizacional na Escola de Administração da
Universidade de Surrey, na Inglaterra. Agora, ela também foi adotada no ambiente
de trabalho. Empresas já tratam a intuição como característica desejável em
entrevistas de emprego, Exércitos a utilizam para treinar soldados e companhias
determinam estratégias de negócio com base nela, um processo mais racional do
que se imaginava.


Profissionais das áreas de psicologia e neurociência definem intuição como uma
habilidade do cérebro de processar informações inconscientemente, para depois
apresentar, de forma sucinta, uma nova percepção da realidade. “O processo
intuitivo se caracteriza pelo ato de pensar sem fazer esforço”, diz Tilmann
Betsch, pesquisador do departamento de psicologia da Universidade de Erfurt, na
Alemanha. Mas essa espécie de insight instintivo caminha lado a lado com a
experiência, garantem os especialistas. É muito mais fácil, por exemplo, ter uma
intuição depois de anos de profissão. A segurança do conhecimento faz brotar com
mais facilidade a capacidade intuitiva, dizem. 


Presidente-fundador do site de comparação de preços Buscapé, o multimilionário
Romero Rodrigues, 35 anos, afirma que sempre prestou muita atenção à sua
intuição. Desde quando, aos 21 anos, fundou com três amigos a página da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), investindo R$ 100. Foi com
a ajuda dessa percepção aguçada que ele buscou investidores nos primeiros dez
anos do site, comprou concorrentes como o Bondfaro, do Rio de Janeiro, e vendeu
o Buscapé, em 2009, para o grupo sul-africano Nespers, por R$ 600 milhões. “As
vezes em que não dei atenção à minha sensibilidade, me dei mal”, diz o
empresário.


 “Aos poucos a intuição está recebendo o valor que merece no ambiente de
trabalho”, diz Eugênio Mussak, diretor de pesquisa da sessão nacional da
Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para Mussak, essa é uma
qualidade que as pessoas ainda não colocam no currículo, mas já perceberam que
tem potencial para fazer a diferença no dia a dia. Um estudo feito em 2011 pela
Sloane School of Business, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), por
exemplo, mostrou que 80% das decisões de posicionamento de marca e análise de
mercado em grandes empresas americanas foram feitas com base na intuição de seus
presidentes. A tendência foi confirmada em outro trabalho, de 2012, conduzido
pela Universidade de Iowa, também dos Estados Unidos. Nele, ficou comprovado que
em bancos de investimento corretores recorrem à intuição para decidir se devem
ou não investir em uma companhia sobre a qual não há muita informação
disponível. Até o Exército americano está debruçado sobre o tema. O Escritório
de Pesquisa Naval dos Estados Unidos criou um programa para estimular a intuição
de seus soldados. Nele, foram criadas estratégias para fazer aflorar o instinto,
por meio, inclusive, de simulações de batalhas virtuais. “Ela não só é
importante, como em algumas situações acaba sendo o único recurso disponível na
hora de tomar uma decisão”, diz David G. Myers, professor de psicologia da Hope
College, nos Estados Unidos. “Ignorá-la é abrir mão de um poderoso recurso.”


Carlos Fernando Siqueira Castro, sócio e fundador da Siqueira Castro Advogados,
diz que sempre deu ouvidos à sua intuição, principalmente no ambiente de
trabalho. Admirador de figuras como Ayrton Senna e Steve Jobs, notórios por
sempre fazerem uso de seu instinto (leia quadro na página 73), ele fala como um
verdadeiro entendido no assunto. “A intuição tem duas etapas”, afirma. “A
primeira é o instinto em si, que muitas vezes se manifesta apontando caminhos
diametralmente opostos aos que a razão e a análise sugerem.” A segunda é a
coragem de agir de acordo com esse sentimento. “Essa é a parte mais difícil.” E
o advogado conhece bem essa dificuldade. Foram muitos os momentos de ruptura na
Siqueira Castro capitaneados por ele e questionados por muitos de sua equipe. Um
deles foi a decisão de investir na federalização da rede, iniciativa pouco usual
entre os escritórios de advocacia do País, dados os riscos e o volume de
investimentos requeridos para marcar presença em todos os Estados. Ou, ainda, a
expansão para mercados estrangeiros pouco tradicionais, como Europa e África,
além da mudança da sede, originalmente no Rio de Janeiro, para São Paulo.
“Entendo que são decisões que tomo com segurança por causa da minha
experiência”, diz Siqueira Castro. “Mas essa segurança chega a mim quase sempre
pela intuição.”

É
possível desenvolver a habilidade de agir por instinto. E a demanda por gente
capaz de fazer aflorar essa capacidade, principalmente no ambiente de trabalho,
vem aumentando. “Vimos o interesse pela intuição explodir nos nossos grupos”,
diz Daniel Delarossa, sócio-fundador do Zymi Group Brasil, dedicado à formação
de empreendedores, líderes e gestores empresariais por meio de coaching. Nas
atividades que aplicava, Delarossa tinha pequenos capítulos dedicados à intuição
no âmbito profissional e via brilhar os olhos dos empresários quando o assunto
surgia. “Resolvemos, então, criar um módulo inteiro só de intuição no ambiente
de trabalho”, diz Delarossa (leia quadro abaixo com orientações dele e de outros
especialistas para você desenvolver sua intuição). O primeiro grupo se reúne
este mês em São Paulo. Em sessão única com oito horas de duração, ele já conta
com mais de 40 inscritos e, com o tempo, deve ser oferecido em outras capitais
brasileiras como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e
Recife. “Também queremos levar o curso de intuição empresarial para dentro das
empresas”, afirma Delarossa.

Na
“Toca do Biscoito”, uma franqueadora carioca de lojas de doces, nunca foi
ministrado um curso de desenvolvimento de intuição, mas Fabiana Cordeiro,
gerente de expansão da marca, sempre se valeu dela. Quando recebe candidatos a
novos franqueados, Fabiana precisa fazer uma avaliação rápida do perfil da
pessoa que pretende abrir uma loja. E depois de mais de 500 avaliações, ela
admite ter alguma sensibilidade. Certa vez, uma mulher bem arrumada e articulada
apareceu na empresa querendo abrir uma filial. Rigorosa, a candidata anotava
tudo, parecia entender do negócio e se mostrava excepcionalmente eficiente.
“Tudo sugeria que ela seria uma boa franqueada, mas alguma coisa não me parecia
certa”, afirma a gerente. O processo continuou sem sobressaltos até que um dia a
tal candidata enviou um e-mail a seu advogado e, por engano, copiou Fabiana.
Nele estava detalhado um maquiavélico plano. A moça queria abrir a loja para
logo depois processar a franqueadora, numa espécie de golpe para recuperar o
dinheiro investido e ainda receber alguma indenização. “Sabia que tinha alguma
coisa errada”, diz Fabiana. “Se tivesse respeitado minha intuição, teria
economizado tempo.”

Se
no ambiente corporativo a intuição já ganha espaço, na medicina ela ainda é
vista com ressalvas. Mas uma pesquisa conduzida pela Universidade de Oxford,
publicada em setembro, começa a mudar essa escrita. Nela, 3.890 casos de
atendimento pediátrico com crianças de 0 a 16 anos de idade foram esmiuçados e
ficou evidente, pelo levantamento, que nas consultas em que os profissionais
respeitaram a própria intuição, os tratamentos foram mais eficientes. “O
treinamento deve deixar explícito que as suspeitas e os sentimentos
inexplicáveis dos médicos são uma importante ferramenta de diagnóstico”,
afirmava o texto do trabalho. A pediatra paulistana Cristiane Rios, 33 anos,
sabe disso. Com dez anos de prática e seis de consultório, ela desenvolveu a
habilidade de ler pacientes e seus pais aflitos logo que eles chegam para uma
consulta. “Não é sexto sentido, é experiência que parece que se condensa na
minha intuição”, diz ela, que chega a dispensar exames com base no seu instinto.


Apesar de os estudos se voltarem mais para o âmbito profissional, é sabido que a
vida pessoal é terreno fértil para a exploração do instinto. Os lampejos
intuitivos da professora de dança paulistana Cibele Felix, de 33 anos, por
exemplo, a acompanham desde a infância e, recentemente, têm se apresentado com
mais clareza e objetividade em seus sonhos. Foi enquanto dormia que Cibele viu o
fim de um relacionamento de mais de 15 anos. “Não tinha nada de errado
acontecendo entre a gente, tudo parecia bem, mas vivia tendo sonhos sobre o fim
do relacionamento”, diz. Neles, o companheiro abandonava Cibele para viajar. Ela
acordava aflita, com o coração apertado e desconfiada. “Minha intuição não
costuma falhar”, diz.


Segundo especialistas ouvidos por ISTOÉ, não é comum sonhos trazerem
manifestações intuitivas tão completas e diretas quanto as de Cibele. Em casos
de fim de namoro, por exemplo, a intuição, principalmente em sonho, costuma vir
na forma de uma mensagem mais cifrada, sugerindo um desconforto genérico com um
homem que não precisa necessariamente ser o companheiro. “Em alguns casos,
porém, acontece de a mensagem vir completa sim”, diz Liliana Wahba,
professora-doutora de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e analista junguiana, escola de psicanálise que dá especial
atenção aos sonhos. “O que ela viu enquanto dormia traduziu, de forma objetiva,
o que ela já vinha percebendo inconscientemente, mas não conseguia articular”,
afirma Liliana. Os 15 anos de convivência deram a Cibele uma sensibilidade maior
às mudanças do companheiro, mesmo quando nem ela percebia, de forma consciente,
que algo nele havia mudado. Cerca de duas semanas depois do sonho, o
relacionamento de Cibele acabou e ela chegou a antever, em outro sonho, quem era
a nova namorada de seu antigo amor. “Às vezes essas histórias até me assustam”,
diz ela.


Não deveriam. “A intuição não é mística, esotérica nem religiosa”, afirma a
psicóloga Inês Cozzo. “Ela é simplesmente mais uma fonte de informação”, diz.
Mas como não se assustar quando a intuição surge de forma cristalina, sugerindo
mudanças que têm impacto tanto na vida profissional quanto na pessoal? Com a
paulistana Elaine Ishibashi, 37 anos, foi assim. Profissional de marketing
bem-sucedida, com passagens por grandes multinacionais, Elaine tinha tudo para
seguir carreira. Qual não foi sua surpresa quando se viu impelida a largar tudo
e abrir um negócio. “Passei anos reprimindo a intuição em nome da análise, dos
relatórios de performance e das medições que o mundo corporativo exigia de mim”,
diz Elaine. “Mas tomei coragem e resolvi dar ouvido à minha intuição.” A decisão
teve impactos para além da vida profissional. Hoje Elaine vive com renda
inferior à que tinha quando trabalhava com marketing e tem de conviver com os
altos e baixos do empreendedorismo. “Mas estou mais feliz do que nunca”, diz
ela, que espera ver seu negócio de impressão de fotos digitais deslanchar. Sua
intuição diz que vai dar certo.


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