Nova pagina 4

O Estado de São Paulo, New York Times, 25 Outubro 2015 | 03h 00

Quem quer ser jornalista?


Apesar das adversidades
e riscos, interesse por informações jamais deixará de existir

HÉCTOR TOBAR – THE NEW YORK TIMES


O emprego dos sonhos de
Jonathan Bach, jovem do Estado americano de Oregon, é numa profissão detestada
por muitos, que oferece compensação miserável e costuma ser perigosa. Muitos
dizem a ele que a atividade está fadada a se tornar obsoleta. Nada disso parece
importar. Ele ainda quer ser jornalista.


Em meados deste ano,
Bach sentiu pela primeira vez o gosto do trabalho de reportagem diária para os
jornais, no East Oregonian, publicação com sede em Pendleton. Ele cobriu
rodeios, tribos de índios americanos e a abertura de um novo bar chamado Strip’n
Chute. Escreveu bastante e escreveu rápido – em troca de um salário mínimo.


“É o melhor emprego do
mundo”, disse ele, com toda a animação que seria de se esperar de um formando de
21 anos.


Para ingressar no
jornalismo hoje em dia é necessário ter fé. Se conseguir encontrar um emprego no
escalão mais baixo – e as redações tiveram seu pessoal reduzido em 10% no ano
passado – será provavelmente necessário fazer um voto de pobreza digno de um
monge. Mesmo na televisão, um repórter jornalístico chega a ganhar apenas US$ 18
mil por ano.


Na polarizada sociedade
americana, a confiança do público na mídia está no ponto mais baixo já
observado, de acordo com uma recente pesquisa de opinião do instituto Gallup. Em
todo o espectro político, alguns nos acusam de difundir insidiosos ideais
liberais, enquanto outros nos chamam de lacaios de uma conspiração da direita
corporativa. Pior ainda, as pessoas nos consideram babacas sem coração capazes
de fazer um menininho chorar ou de chutar um imigrante “em busca da matéria”.


A verdade é que os
melhores jornalistas formam um elo com os leitores, ouvintes e espectadores ao
terem a mente aberta e demonstrarem compaixão. Esse é um dos motivos pelos quais
tantos permanecem na profissão, apesar da remuneração ruim e das longas
jornadas. Como Bach aprendeu em pautas como entrevistar um voluntário de rodeio,
empatia é uma parte fundamental do trabalho.


“Temos a oportunidade de
compartilhar histórias e ver as coisas através dos olhos de outras pessoas todos
os dias”, disse ele.


Alento. Digo aos jovens
repórteres a quem ensino na Universidade do Oregon para ignorarem a atmosfera
sombria que envolve a profissão e seu futuro. O público sempre terá apetite por
histórias verdadeiras e bem contadas.


E as pessoas jamais
deixarão de necessitar de informações essenciais, transmitidas com rapidez e
precisão. No início do mês, quando um atirador abriu fogo numa universidade
comunitária em Roseburg, cerca de 120 quilômetros ao sul de Eugene, vários
veículos de mídia entraram em contato com o departamento de jornalismo da nossa
universidade e perguntaram: conhecem algum jovem repórter ou fotógrafo
freelancer que possamos contratar? Imediatamente?


Cameron Shultz,
estudante de pós-graduação que foi contratado pelas redes nacionais de TV e
emissoras locais, levou sua câmera e capturou imagens evocativas num centro de
acolhida e numa vigília com velas. 


Tragédia. Tentamos
ensinar aos nossos estudantes que até a mais simples das reportagens exige
disciplina e habilidade. Pensemos no exemplo recente de Alison Parker, 24 anos,
repórter de uma emissora de TV da Virgínia. Como Bach, ela começou a carreira
como estagiária. Sua última reportagem foi a respeito de Smith Mountain Lake, um
marco geográfico local.


O vídeo que o assassino
de Alison publicou da morte dela revela que o criminoso estava apontando uma
arma para ela, no campo de visão da vítima, durante pelo menos 10 segundos antes
de abrir fogo. Alison estava entrevistando a diretora da câmara de comércio
local. Estava demasiadamente concentrada em fazer seu trabalho bem feito para
perceber que sua vida estava em risco.


“Quando trabalhamos na
televisão, perdemos um pouco de nós mesmos”, disse Rebecca Force, repórter
veterana da TV e diretora que hoje é professora na Universidade de Oregon.
Quando o repórter entra no ar ao vivo, como foi o caso de Alison, “estamos no
momento. Temos pouco tempo. Estamos no ar. É impossível voltar atrás e gravar
outra vez. Temos apenas aquela tomada”, disse Rebecca.


Alison e o cinegrafista,
Adam Ward, morreram fazendo o tipo de reportagem corriqueira, de interesse
claramente local, que faz parte do trabalho de operações jornalísticas em todos
os lugares. Ela segurava o microfone com firmeza enquanto a entrevistada dizia
“essa é nossa comunidade e queremos compartilhar informações que vão nos ajudar
a crescer e a nos desenvolver”.


Combustível. Jovens
jornalistas funcionam à base de uma estranha mistura de adrenalina e idealismo.
Eles anseiam pela euforia de vencer o prazo de fechamento, ou de dominar o medo
do palco numa transmissão ao vivo. E acreditam que, se conquistarem essas
habilidades, farão contribuições importantes para suas comunidades.


“Não acho que uma
fotografia possa mudar o mundo, mas trata-se de um registro de onde estamos”,
disse o jornalista mexicano Rubén Espinosa em uma de suas últimas entrevistas
antes de ser morto na Cidade do México, em julho. Ele cobria o drama que se
desenrola no estado mexicano de Veracruz: corrupção oficial, crime organizado
violento, desaparecimentos, protestos e resistência.


O trabalho de Espinosa
rendeu a ele três ameaças de morte e a inimizade de pessoas poderosas em
Veracruz. 


Muitos jornalistas
americanos trabalhando no exterior enfrentaram perigos semelhantes por parte
daqueles que gostariam de silenciá-los – incluindo James Foley, estudante de
pós-graduação da Faculdade de Jornalismo Medill, da Universidade Northwestern.


“Ele deu sua vida para
expor ao mundo o sofrimento do povo sírio”, disse a mãe de Foley, depois que ele
foi morto, decapitado, por seus sequestradores extremistas do Estado Islâmico na
Síria no ano passado.


Futuro. Quando menino,
crescendo em Bend, Oregon, Jonathan Bach sonhava em se tornar correspondente no
exterior. Dormia ouvindo reportagens da BBC no rádio a respeito de terras
distantes. Índia. Paquistão. Rússia.


Sua meta agora é
escrever reportagens sobre o Leste Europeu. Além de estudar jornalismo, está em
seu terceiro ano de aulas de russo. E já esteve na Ucrânia e no Azerbaijão para
testar suas habilidades como repórter freelancer.


“Não há nada como chegar
para passar uma semana num país, fazer a reportagem e conseguir que seja
publicada”, disse ele.


Bach também esteve entre
os estudantes da Universidade de Oregon incumbidos de cobrir a tragédia de
Roseburg. Para o site Daily Beast, ele entrevistou amigos de um professor de
inglês morto no episódio e uma estudante de enfermagem que subitamente viu sua
sala de aula transformada em sala de emergência.


Tenho certeza de que
Bach se comportou profissionalmente durante essa pauta. E lembrou-se do que os
professores ensinaram a ele e aos colegas quando os mandamos cobrir pautas no
câmpus da universidade, na prefeitura ou nas feiras locais: seja respeitoso com
aqueles que entrevista. Verifique duas vezes como cada nome deve ser soletrado.
E sempre entregue o material antes do prazo do fechamento. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO
CALIL 


*Héctor Tobar é
colunista

Categorias: Jornalismo

1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp