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O Estado de São Paulo, 09 de maio de 2010



Reinventando o jornalismo


ETHEVALDO SIQUEIRA

Debati na semana passada com internautas e
leitores de meu blog aqui no Estadão o futuro do jornalismo eletrônico. A
maioria dos que comentaram o tema concorda em que a internet faz nascer um novo
jornalismo, muito mais interativo e dinâmico, capaz de proporcionar debates
online, de todos os assuntos, culturais ou políticos.

Minha experiência recente num site pessoal e no
blog deste jornal confirma aquilo que me parecia apenas uma possibilidade
teórica: a internet é, na atualidade, o mais poderoso fator de transformação do
jornalismo.

Tanto nos grandes portais como nos menores blogs,
tudo que escrevemos está sujeito ao debate, à correção, à contestação pelos
leitores, à ampliação de seus horizontes ou à confirmação de sua exatidão e
procedência. Esse feedback instantâneo me parece muito positivo e salutar.

Ao exercer esse papel educativo, a internet
funciona como uma espécie de escola de democracia, na qual jornalistas e
leitores aprendem a dialogar num outro ritmo e com uma frequência que não
tínhamos no passado.

Duas faces. Como tudo na vida, esse novo ambiente
de relacionamento tem duas faces. A primeira é esse lado positivo que acabamos
de destacar, com suas características de permanente fórum de debates. A face
negativa decorre, de um lado, do despreparo de alguns jornalistas e, de outro,
da atitude agressiva das tropas de choque que fazem uma espécie de patrulhamento
hidrófobo e dizem falar em nome da maioria da população.

Outro desafio a ser vencido é a predominância da
linguagem de palanque nos comentários de muitos leitores, associada à tática
muito comum de ofender ou desqualificar o interlocutor, em lugar de refutar seus
argumentos. Ou ainda, em muitos casos, partir para um novo tipo de cyberbullying,
difundindo calúnias nos sites de relacionamento. Isso tudo sem falar na massa de
comentários essencialmente ofensivos, chulos e impublicáveis, que são
simplesmente deletados.

Aprendizado. Não tenho dúvida de que, com o
tempo, com uma experiência mais longa neste novo meio de comunicação altamente
interativo, todos os jornalistas aprenderão a dialogar com seus leitores,
respondendo, na medida do possível, a todos os seus questionamentos.

A verdade é que ainda temos muito que aprender
sobre o exercício e o alcance dessa nova interatividade, que é muito nova em
todo o mundo.

De nosso lado, o maior obstáculo, a meu ver,
decorre dos condicionamentos e distorções do jornalismo unidirecional do
passado.

Um exemplo de herança antiga que sobrevive é a
atitude imperial de alguns colunistas e editorialistas, que ainda se comportam
como donos da verdade e parecem ignorar solenemente a opinião dos leitores.

Sempre que posso, lembro-lhes, que tudo tende a
ser diferente neste novo ambiente, com a multiplicação quase explosiva dos blogs
e, em especial, dos portais dos grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e
TV.

Nesse sentido, o jornalismo em sua essência –
como informação e opinião – ganha força, amplia seus horizontes e tende a
envolver muito mais pessoas do que alcançavam os jornais impressos no auge de
sua existência. Essa transparência crescente derruba mitos e ideias
preconcebidas, bem como estereótipos maliciosos lançados sobre a imprensa e sua
função social.

Interatividade. Como colunista e bloguista, tenho
vivido todas as etapas e transformações da tecnologia digital nesta passagem do
jornal impresso ao jornal eletrônico. Uma das diferenças essenciais é o tempo
muito maior de meu trabalho que gasto hoje para responder à massa de comentários
respeitosos e pertinentes que recebo e, em especial, àqueles que contestam
minhas posições. Não me queixo disso, não. É um trabalho gratificante.

Fico feliz e recompensado com esse diálogo
crescente porque a grande maioria dos comentários, sejam favoráveis ou não,
enriquece o debate. Felizmente, não são muitos os que fogem ao cerne da questão
e investem contra o jornalista ou o jornal. Ou, levianamente, por falta de
argumentos, põem em dúvida nossa honestidade.

Acho que, em poucos anos, o relacionamento entre
jornalistas e leitores será ainda muito mais intenso, mais respeitoso, mais
complementar e mais comprometido com a verdade. E menos suscetível às posições
apaixonadas e radicais.

Um amigo, José Carlos Salvagni, ao ler a primeira
versão deste artigo em meu blog, me relembrou um pouco do jornalismo que ambos
fazíamos há quase 40 anos, "nas madrugadas lúgubres de 1973", em plena ditadura,
nos tempos terríveis em que o Estadão estava sob censura, e eu insistia em levar
minhas matérias da redação para a oficina e a impressão, e entregá-las em mãos,
na antiga sede da Rua Major Quedinho, na tentativa de zelar pela integridade das
notícias. Tempos difíceis.

Parece loucura, mas, na cabeça de muita gente, a
censura ainda parece reviver. "Para essas pessoas – diz Salvagni – ser do outro
lado passa a ser crime. Não ter lado e preferir contemplar grandes bandeiras
para todos é outro crime, pior ainda. Necroses do pensamento político, como o
anticomunismo visceral ou o oposto, ainda dão o tom da bile de boa parte dos
participantes.

É pena, mas ainda não nos demos conta ainda da
maravilhosa conquista que é a liberdade de expressão e da pluralidade." 

Categorias: Jornalismo

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