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3 de novembro de 2014

Ricardo Lombardi, ex-diretor do Yahoo!, reinventa a si mesmo com uma nova
profissão: sommelier de livros

Adriano Silva –


Era uma vez um
jornalista.


Ricardo Lombardi se
formou na Cásper Líbero, em 1994. Antes, tinha feito Direito, na PUC-SP, e
Letras, na USP, e abandonado ambos os cursos. Aos 16, os pais se separaram, ele
foi viver com a mãe, que não trabalhava, e precisou começar a se virar. Entrou
no Estadão, trabalhando no arquivo, procurando materiais no acervo do jornal
para ajudar na apuração das matérias de jornalistas como Ivan Ângelo, Marçal
Aquino, Renato Pompeu, Eduardo Bueno, o Peninha, e Leão Serva. Foi assim que se
apaixonou pela profissão.


Fez carreira no Estadão,
e no contíguo Jornal da Tarde, até 1998, quando foi para a revista Contigo!, na
editora Azul. Ficou um ano por lá. E outro ano em Nova York, onde foi
correspondente do Último Segundo, do iG. De volta ao Brasil, retornou também ao
JT, a convite de Marta Góes, na volta ao jornal de Murilo Felisberto, autor,
junto com Mino Carta, em 1966, do histórico e revolucionário projeto editorial e
gráfico do JT. Saiu de lá no final de 2000, para a revista Sabor, da editora
D”Ávila, onde ficou até 2003. Aí foi para a AOL, América Online, onde ficou
editando as home pages até 2005, quando foi para a Abril. Lá, editou a revista
Bravo! até 2007, o Guia do Estudante/Almanaque Abril até 2009 e a VIP até
janeiro de 2013, quando foi para o Yahoo!, como diretor de conteúdo.


Era uma vez um
jornalista.


Ricardo (atrás da barba)
resolveu dedicar 100% da sua energia ao projeto que mais lhe encantava. Sai de
cena o jornalista, nasce um livreiro.


Ricardo, 44, saiu do
Yahoo! há um mês para transformar sua paixão num negócio, para transformar seu
hobby num ganha-pão, para transformar seu plano B em plano A. “As coisas só
começam a andar de verdade quando você as prioriza em sua vida. Saí do emprego
para me dedicar 100% ao projeto que eu vinha gestando na paralela porque se você
não colocar toda a energia disponível na roda, ela não gira”, diz ele.


Ricardo é casado com
Camila Sarpi, designer de joias, e tem dois filhos, Ernesto, 6, do primeiro
casamento, que mora com a mãe, e Petra, 2. Em março de 2013, quando sua filha
nasceu, Ricardo fez uma viagem à Argentina, para visitar a família de seu pai –
que veio a falecer enquanto Ricardo estava lá. Naquela viagem, flanando por San
Isidro, em Buenos Aires, um sebo lhe chamou a atenção – ele já frequentava lojas
de livros e discos, novos e velhos, há muito tempo. Mas ali teve um clique, ao
ver aquele negócio familiar, numa tradição europeia de tocar um estabelecimento
em poucos metros quadrados.


Desde 2007, quando ainda
era o diretor de redação da Bravo!, Ricardo mantinha o blog
Desculpe
a Poeira
,
primeiro no iG e depois no Estadão. “Meu maior tesão no jornalismo sempre foi
dividir com as pessoas novidades que faziam diferença na minha vida. O blog
nasceu como uma curadoria pessoal de conteúdo nas áreas de cultura e
entretenimento”, diz Ricardo.


Na volta da Argentina,
começou a montar o sebo 
Desculpe
a Poeira
, uma
materialização do blog e também o embrião de um novo projeto de vida e de
carreira. Era uma atividade de fim-de-semana. “Fui montando aos poucos, fiz os
móveis e as prateleiras”, diz Ricardo, que em 2008, já dirigindo a maior revista
cultural do país, foi fazer curso de marcenaria na escola Roberto Simonsen, do
Senai, no Brás, onde Lula fez seu curso de torneiro mecânico – o torno em que
Lula estudou foi tombado e virou objeto de exposição na escola. “Eu buscava
aprender um trabalho manual, que oferecesse contraponto à atividade intelectual
do jornalismo. Fiz também um curso de marcenaria artesanal no Ateliê da Madeira,
na Lapa”.


O sebo ocupa uma garagem
na rua Sebastião Velho, 28-A, num famoso e querido conjunto de predinhos de três
andares, construído por um libanês na década de 30, em Pinheiros, entre as ruas
Simão Álvares e Mourato Coelho. A mãe de Ricardo, dona Lúcia, de 79 anos, mora
ali. E aluga a garagem, que tem 3 metros por 8, para o filho, por 600 reais –
Ricardo estima que o preço de mercado esteja por volta de 1 500 reais. Dona
Lúcia o alugava antes para um antiquário. Há por ali, nas outras garagens,
negócios como a hamburgueria Na Garagem, o Cantinho da Lu, uma lanchonete, uma
sapataria, uma costureira e uma mecânica que tuna motos.


Vendi o carro, ando de
bicicleta, não pago mais 300 reais para comer num restaurante, deixei de pagar
um dos dois clubes em que era sócio, troquei o treino na academia pela corrida
de rua. Abri mão de 70% da minha renda para poder me dedicar ao que me encantava
e para estar mais próximo das pessoas que amo


Ricardo deseja que o
diferencial do Desculpe a Poeira seja o atendimento personalizado – como se ele
fosse uma espécie de sommelier de livros. “Eu quis organizar o caos que é um
sebo. Reverter a ideia de que um sebo é um mero repositório de livros velhos e
oferecer obras com curadoria, conectando a pessoa certa com o tema certo por
meio de um livro. Cada exemplar ali tem uma razão de ser. Não estou no negócio
apenas para girar produtos na prateleira. Quero que as pessoas também
experimentem comigo o que os americanos chamam de serendipity 
aquela sensação de descobrir algo que você não sabia que queria e que gostava”,
diz Ricardo, que para isso já conta com um acervo de 5 mil títulos – 70% vêm da
sua coleção particular e o resto vem de aquisições de lotes e doações de amigos.
Ele estima que, na loja, caibam 2 000 livros. O resto ele estoca em dois quartos
no apartamento da mãe.


Segundo Ricardo, a loja
física só é possível por causa da internet – a previsão é de que as vendas
online venham a responder por 70% do faturamento. Ricardo disponibilizou até
aqui apenas 10% do seu acervo na 
sua
loja na Estante Virtual
,
uma plataforma de sebos, uma espécie de Amazon dos livros usados no Brasil, que
cobra do vendedor de 8% a 12% do valor do pedido mais uma mensalidade que, no
caso de Ricardo, é de 42 reais. “O digital ajuda muito os pequenos negócios. 
Livros
que eu publico no Instagram
,
por exemplo, vendem instantaneamente”, diz ele. “Tento subir 20 novos livros por
dia na Estante Virtual. Com foto de capa, sinopse, detalhes de conservação do
exemplar. É um trabalho minucioso e braçal”.


Ricardo estima que
precise vender quatro vezes mais do que vende hoje, com apenas 1 em cada 10
livros do seu acervo disponíveis online, e ainda sem a loja física, para atingir
o ponto de equilíbrio do negócio. E esse ponto de equilíbrio, que é não precisar
mais lançar mão da poupança para fechar as contas do dia-a-dia, e que ele
imagina atingir já em junho de 2015, significa viver com uma renda equivalente a
30% do que recebia como executivo.


“Isso passa por uma
engenharia financeira – minha mulher trabalha, não pago aluguel, alugo um
segundo imóvel, coloquei a casa da praia no AirBnB, recebo um fee de Estadão
pelo blog. E isso passa também por uma readequação de estilo de vida. Vendi o
carro, ando de bicicleta, não pago mais 300 reais para comer num restaurante,
deixei de pagar um dos dois clubes em que era sócio, troquei o treino na
academia pela corrida de rua”, diz Ricardo. “É que assim que abri mão de 70% da
minha renda para poder me dedicar ao que me encantava e para estar mais próximo
das pessoas que amo – hoje posso almoçar com minha mãe e pegar meus filhos na
escola com mais frequência”. Uma das coisas das quais Ricardo não abriu mão é o
gasto com os filhos – como escola particular e babá.

 


No Desculpe a Poeira, é
a internet que permite a existência da loja física: 70% do faturamento virão das
vendas online


Ricardo atribui sua
decisão de trocar a vida de executivo numa empresa global pela de dono de um
sebo numa garagem de 24 metros quadrados ao resultado de um período de soul
searching
(algo como “mergulho dentro de si mesmo”). Mas diz também
acreditar no negócio, que considera sustentável financeiramente, no qual
investiu 7 mil reais nesse ano e meio de preparação até a abertura oficial da
loja física, que acontecerá no próximo sábado, dia 8. Ricardo fará ainda uma
festinha no próximo dia 22, para comemorar a estreia – “um amigo meu que é
barista vai trazer o café e minha mãe vai fazer umas bolachas que eu adoro.
Então a inauguração vai ser isso – café com bolachas”.


Ricardo considera ideal
para o seu negócio ter um acervo de 20 mil livros, o que significa quadruplicar
o estoque atual. E o Desculpe a Poeira terá revistas também. Ricardo é um
colecionador. Compra todas as edições comemorativas de periódicos que encontra.
Tem a coleção completa da Playboy desde a primeira edição que caiu em suas mãos
– em janeiro de 1983. Tem a coleção completa da revista Piauí. Além de mais de
50 camisas do Palmeiras, seu time do coração, e de algumas centenas de discos de
vinil e de fitas VHS. Já chegou a ter 10 máquinas de pinball numa garagem. “O
livro tem a vantagem de não caducar tecnologicamente. Então não perde a validade
nem tem problemas de compatibilidade. Trata-se de uma das grandes invenções da
humanidade, como a colher e a roda. Não dá para fazer um substituto melhor”, diz
ele.


O Desculpe
a Poeira
,
segundo Ricardo, está desenhado para ser uma operação de um homem só. Mas ele
sonha com um estagiário. “Para ser, aqui no sebo, o que Tarantino foi na
videolocadora em que trabalhava”. E aí, alguém se habilita?

Categorias: Jornalismo

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