O Estado de São Paulo, 22 de outubro de 2012 | 7h 08

Salário pode subir até 3 vezes com estudo

Trabalhador com nível universitário recebe 167% acima dos que têm ensino médio

CÁSSIA ALMEIDA, O GLOBO – O Estado de S.Paulo

Mais estudo, mais renda. Essa lógica permanece
arraigada no imaginário brasileiro como algo inquestionável. Porém, a
desigualdade traduzida na diferença salarial entre os níveis de instrução vem
caindo há duas décadas.

O abismo maior está entre os que concluíram o ensino
superior na comparação com os que só estudaram até o ensino médio. Ter diploma
universitário garante uma renda 167% maior ante o último ciclo do ensino
obrigatório (ensino médio).

Essa distância, no entanto, já foi maior. Em 2002, o
“prêmio” de renda para quem tinha diploma universitário na mão chegava a 192%, o
ponto mais alto nas últimas décadas. Em 1995, o abismo era de 134%. Só 12,5% da
população ocupada brasileira tem curso superior concluído e a taxa de desemprego
é de 3,8% ante os 6,7% da média da força de trabalho.

“Aumentou a oferta de mão de obra com ensino médio,
mas não tanto no ensino superior. A demanda por esses profissionais cresceu
muito”, afirmou Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas
Públicas do Insper, que fez os cruzamentos usando a Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo IBGE.

Carta de alforria. David Marcos de Almeida Neves, de
27 anos, sabe bem o valor do diploma. Para ele, “a faculdade foi uma espécie de
carta de alforria”. Trabalhando como borracheiro, conseguiu concluir a faculdade
de Farmácia. “Foi muito difícil conciliar trabalho, estudo, estágio. Nunca
pensei em desistir dos estudos, embora quase tenha largado a faculdade por
questões financeiras. Mas valeu a pena, sempre soube que a faculdade seria uma
carta de alforria para mim.”

Morador de Piedade, zona norte do Rio, ele passou de
um salário de R$ 300 como borracheiro, em 2005, para R$ 2,2 mil como
recém-contratado no emprego de farmacêutico. Sua vida mudou. Na época, ele
economizava o que podia para pagar a faculdade de R$ 800 mensais.

Além de seu trabalho, ele contava com um
financiamento do Fies, programa governamental que garantiu 50% de sua
mensalidade, e da ajuda de pais e tios. Mas não foram dias fáceis.

“A questão não é só financeira, a faculdade me
permitiu conhecer mais pessoas, mais culturas e me abriu um leque de
oportunidades. Já fui convidado a dar aula, trabalhar em hospital, sempre existe
a possibilidade de ir para a indústria farmacêutica”, afirmou Neves, responsável
por uma drogaria no Leblon, zona sul do Rio. Ele quer fazer pós-graduação e
aprender inglês, mas já comprou até uma casa.

Diante do aumento da oferta de trabalhadores com o
ensino médio, a diferença salarial entre quem concluiu o antigo segundo grau e
os que têm só o ensino fundamental caiu com força. Em 1995, a distância salarial
era de 44%; em 2011, estava em 23%. “Houve grande expansão de matrículas, mas a
economia não estava demandando no mesmo ritmo. A procura é por mais
qualificados, com ensino superior e pós-graduação. Por isso, caiu esse retorno
da educação”, disse Menezes Filho, do Insper.

Segundo ele, até mesmo no ensino superior a mão de
obra partiu mais para a área de humanas, como Pedagogia e Administração. Agora,
com a economia mais aquecida, cursos como Engenharia e Medicina começam a
aumentar.

Rafael Osório, diretor de Estudos e Políticas Sociais
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vê o encurtamento dessa
distância salarial como um passo na direção dos países desenvolvidos.

“E esse padrão veio para ficar. Isso é bom. Diminui a
desigualdade. Não há esse diferencial de renda entre os que cursaram ensino
superior e médio na Dinamarca, Finlândia, Suécia. Temos de nos acostumar com uma
estrutura de incentivos enxuta. O ensino médio não confere mais o grau de
proteção de antes.”

Pós-graduação. Para Osório, o trabalhador brasileiro
não pode parar no ensino superior, tem de perseguir especialização. Conseguir
concluir um mestrado e o doutorado faz disparar o salário. Segundo dados da
Pnad, são 92,5 milhões de ocupados e, desse total, apenas 771.409 têm mestrado
ou doutorado. Ou seja, um porcentual inferior a 0,9% do total de ocupados no
País. Assim, o salário dobra em relação aos que têm diploma universitário e fica
426% maior em relação a quem só concluiu o ensino médio.

Quer dizer, a diferença vem caindo, mas o prêmio por
mais educação que o mercado paga ainda é altíssimo nos maiores níveis de
instrução. E, claro, o emprego é pleno. A taxa de desemprego desse grupo é de
apenas 1,4%. Ou seja, estudar ainda vale muito a pena. / COLABOROU HENRIQUE
GOMES BATISTA

Educação precária ainda é obstáculo para o emprego


Mesmo com avanço na última década, formação educacional no Brasil ainda é
inferior à de países desenvolvidos

Fabiana Ribeiro, Cássia Almeida e Letícia Lins – O GLOBO

Apesar dos recentes avanços na educação, o Brasil
está longe de ter seus trabalhadores com o mesmo nível de escolaridade dos
países desenvolvidos. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
mostra que 19,2 milhões de pessoas (11,5% da população nessa faixa etária) com
mais de dez anos não têm nenhuma instrução ou estudaram menos de um ano.

Um reflexo do lento avanço, nos últimos dois anos, da
escolaridade: em média, os brasileiros tinham 7,3 anos de estudo em 2011, ante
7,2 anos em 2009. E os reflexos disso aparecem no mercado de trabalho.

“Nos EUA, já em 1960, mais de 60% dos trabalhadores
tinham pelo menos ensino médio completo e, hoje em dia, quase 90% da população
está nessa situação”, diz Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de
Políticas Públicas do Insper.

No Brasil, o cenário é bem diferente. A mão de obra
ocupada tem, em média, apenas 8,4 anos de estudo, somente 12,5% dos
trabalhadores têm ensino superior completo, e o ensino médio só foi concluído
por 46,8% dos trabalhadores. Apenas 6,6 milhões de brasileiros estão cursando
uma universidade e 73,2% deles estão na rede privada.

A educação ganha importância quando se observa que
53,6% dos desempregados não têm nível médio. E os mais jovens (33,9% tinham
entre 18 e 24 anos de idade) e sem experiência (33,9% nunca trabalharam) formam
essa população. “Mesmo com a desocupação tendo recuado quase 20% em dois anos, o
mercado de trabalho impõe barreiras. A má formação deixou muitos jovens para
trás”, diz Cimar Azeredo, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE.

Informalidade. A
qualidade maior dos empregos aparece no grau da informalidade. Os trabalhadores
sem carteira assinada e os por conta própria, que eram 55,1% dos ocupados em
2001, agora representam 45,4%. A proporção de trabalhadores com baixa
qualificação (agricultores, domésticos, ocupados no transporte e na segurança)
caiu de 38%, em 2002, para 31,8%, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), em estudo com os números da Pnad.

Já os de média qualificação (escriturários,
atividades de atendimento ao público e vendedores) aumentaram sua participação
de 42,8% para 47,2%. “O grupo com 11 anos de estudo ou mais cresceu 22 milhões
de 2001 a 2011”, afirma Miguel Foguel, do Ipea, coordenador do estudo.

Jessica Gomes, de 21 anos, ainda não concluiu o
ensino médio, mas já fez curso de fotografia digital e básico de informática em
busca de uma colocação, em Pernambuco. Ela nunca trabalhou, deixou currículos em
empresas, mas não recebeu propostas. Seu irmão de 17 anos, porém, já trabalha.
“Homem tem mais facilidade para arranjar emprego.”

Mulheres. Amiga
de Jessica, Érica Gomes Santana, também de 21 anos, concluiu o ensino médio, não
fez vestibular e espera ser chamada, pois enviou currículos a várias empresas de
Recife. “Já trabalhei informalmente na distribuição de panfletos. Também estou
sem emprego.” As mulheres realmente sofrem mais com o desemprego. A taxa para
elas era de 9,1% em 2011, ante 4,9% dos homens.

A taxa de analfabetismo elevada anuncia um futuro
incerto a milhões de brasileiros. O País tem 12,9 milhões de pessoas que não
sabem ler nem escrever, uma taxa de 8,6% em 2011. Mas já foi pior: em 2009, era
de 9,7%.

As estatísticas também revelam o chamado
analfabetismo funcional, representado por 20,4% das pessoas com 15 anos ou mais,
com menos de quatro anos de estudo completos.

Formação de técnicos no País é insuficiente


Apesar de medidas recentes adotadas pelo governo, a quantidade de alunos em
cursos técnicos ainda é bem inferior à de países ricos

Carlos Lordelo, de O Estado de S.Paulo

A diferença entre o número de brasileiros no ensino
superior (6,7 milhões) em relação ao de matriculados em cursos técnicos de nível
médio (1,2 milhão) é um “paradoxo com o qual não podemos conviver”. Palavras da
presidente Dilma Rousseff em abril do ano passado, quando lançou o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). “No mundo inteiro
essa relação é absolutamente diferente.”

Apesar do crescimento de 60% nos últimos cinco anos,
a quantidade de jovens na educação profissional, proporcionalmente, é inferior
não só à de países desenvolvidos, mas também à da Argentina e do Chile, segundo
especialistas. Uma realidade que impõe ao Brasil uma série de desafios para
atender à demanda por mão de obra qualificada de uma economia emergente.

A necessidade de contratar técnicos não é nova, mas
se intensificou na esteira da expansão do PIB e face às projeções de
investimentos do setor privado. Só o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai) prevê que o País terá de formar 7,2 milhões de trabalhadores em nível
técnico e em áreas de média qualificação para atuar em 177 ocupações industriais
até 2015.

Enquanto isso, quase 8 milhões de estudantes fazem o
ensino médio tradicional, com as disciplinas teóricas preparatórias para o
vestibular – e muitas vezes distantes da realidade dos jovens e do mercado de
trabalho.

Com o Pronatec, o governo quer ampliar a oferta de
vagas gratuitas na rede federal de educação, ciência e tecnologia e no Sistema
S, entre outras ações. Só este ano deve ser investido R$ 1,6 bilhão no programa,
com o objetivo de chegar a 1,6 milhão de matrículas no ensino técnico, sobretudo
nas modalidades concomitante e subsequente.

“Não chegamos a ter um apagão de mão de obra, mas é
imperativo formar profissionais para setores que visam a ter ganho de
produtividade, como a indústria, e de uso intensivo de trabalhadores, caso da
construção civil”, afirma o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do
Ministério da Educação, Marco Antonio de Oliveira, responsável pelo Pronatec.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) aprova a
iniciativa. Segundo o diretor de Educação e Tecnologia da entidade, Rafael
Lucchesi, a “lógica educacional” do País precisa tirar o foco do “bacharelismo”.
“Pela lógica do sistema, parece que todos os alunos vão para a universidade, mas
pouco mais de 14% dos brasileiros de 18 a 24 anos frequentam o ensino superior”,
afirma. “Muitos jovens saem da escola sem uma bússola para a inserção no mercado
de trabalho.”

Ex-aluno de colégios particulares, Henrique Zin da
Silva, de 18 anos, optou pelo ensino médio integrado ao técnico, modalidade em
que os currículos das disciplinas teóricas e práticas conversam entre si. Ele
foi aprovado na seleção do tradicional Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo
para um curso em alta no mercado, o de edificações – segundo o Ministério do
Trabalho e Emprego, houve um saldo de 2.901 contratações desses profissionais
nos últimos cinco anos na capital.

Henrique teve aulas em período integral e começou a
trabalhar já no 2.º ano. “A necessidade de conciliar bom desempenho nas
disciplinas regulares e nas técnicas deixa o aluno mais maduro. Ainda mais
quando ele começa a trabalhar”, conta ele, que agora paga o cursinho
pré-vestibular: quer estudar Engenharia na Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo (USP).

Na área industrial, um dos setores que mais demandam
técnicos é o de química. Denis Negocia, de 37 anos, apostou nesse caminho em
meados dos anos 90. Hoje ele lidera uma equipe de 16 pessoas, todos técnicos
como ele, no polo da Braskem em Mauá, Grande São Paulo. “O curso técnico é um
ótimo cartão de visitas que você usa para abrir portas em empresas. E hoje as
oportunidades são maiores: o recém-formado consegue escolher onde trabalhar.”

Para a professora da Faculdade de Educação da USP
Carmen Vidigal Moraes, pesquisadora de políticas públicas para a educação
profissional, a expansão das matrículas no ensino técnico deveria priorizar a
modalidade integrada. “Precisamos de mais escolas em período integral e
professores bem remunerados.”

Por outro lado, Carmen critica o “discurso pragmático
e reducionista” que cola a educação às necessidades econômicas de formação de
mão de obra. “A educação é um direito inalienável de inclusão cidadã que tem
objetivos mais amplos. Não se pode colocá-la no centro das causas do
desenvolvimento do País.”

Alemanha é referência no ensino profissionalizante


Maioria dos alunos do país está matriculada em cursos técnicos que aliam
educação na escola a estágio em empresas

O Estado de S.Paulo

Dona da quarta maior economia do mundo, a Alemanha
tem forte tradição na qualificação de mão de obra. Lá, a maioria dos alunos do
ensino secundário superior – equivalente ao nosso ensino médio – está
matriculada em cursos técnicos que utilizam o sistema dual de aprendizagem. O
modelo alia a educação na escola profissionalizante a um estágio em alguma
empresa, unindo instrução teórica e prática. Dessa combinação saem profissionais
moldados às diferentes necessidades do mercado.

O esquema remonta à Idade Média, quando os aprendizes
eram treinados por mestres nas corporações de ofício. Ganhou força com a
industrialização do país, a partir da segunda metade do século 19. O modelo foi
regulamentado em 1969. O Estado tomou as rédeas da qualificação dos
trabalhadores e estabeleceu as diretrizes da formação dual.

Já no ensino secundário inferior – equivalente ao
nosso ensino fundamental -, o currículo das escolas trabalha como temática
transversal a introdução ao mundo do trabalho. Alunos chegam a estagiar em
empresas para definir que carreira seguir. Cerca de 60% dos jovens optam por
continuar os estudos em escolas profissionalizantes e atuar em ramos da
indústria e do comércio.

Primeiro o estudante precisa ser recrutado pela
companhia, que indica a escola que ele deve frequentar. As firmas assinam um
contrato de aprendizagem com o estagiário e o treina para uma das 349 ocupações
técnicas reconhecidas pelo governo. Em troca, o aluno ganha um terço de um
salário de um profissional. A relação é monitorada pelas associações
empresariais, por órgãos do governo e da sociedade civil.

O governo alemão diz que são muitas as vantagens do
sistema. O setor privado garante mão de obra qualificada, reduz o custo de
treinamento e vê crescer a produtividade. Os alunos saem dos cursos com boas
perspectivas de carreira, instruídos para a prática profissional e com um
certificado reconhecido.

Para Manfred Reiter, ex-coordenador de escolas
profissionalizantes alemãs no exterior, o sistema é um dos responsáveis pela
baixa taxa de desemprego entre os jovens com menos de 25 anos de seu país – 8,1%
em agosto, ante uma média de 22,8% na zona do euro. “Os jovens daqui têm uma
visão extraordinária dos cursos profissionalizantes.”

Embora seja uma referência, o modelo dual não
consegue ser replicado com eficiência e em larga escala em outros países, diz o
professor Candido Gomes, pesquisador de sistemas educacionais da Universidade
Católica de Brasília. “O sistema tem fortes raízes na tradição alemã de
qualificação de trabalhadores.”

Mesmo assim, a Alemanha exportou o sistema para
escolas de outros países. A maior delas fica em São Paulo. Instalado desde 1982
no Colégio Humboldt, em Interlagos (zona sul), o Instituto de Formação
Profissional Administrativa formou mais de 1,5 mil alunos em cursos técnicos. A
experiência prática ocorre nas filiais de empresas alemãs em São Paulo e Santa
Catarina. / C.L.

“Curso tem de atrair interesse do jovem”, diz Marcelo Neri

Fundador do Centro de Políticas Sociais da Fundação
Getulio Vargas (FGV), o economista Marcelo Neri lembra que o maior interesse dos
jovens por cursos profissionalizantes ocorreu ao mesmo tempo em que aumentaram a
nova classe média e o emprego formal. “Os brasileiros estão estudando e
trabalhando mais, trocando o pneu com o carro andando”, diz ele, recém-empossado
presidente do Ipea.

Qual a importância da
formação de técnicos para o País?

O ensino técnico é um atalho para o mercado de
trabalho. Atende aos anseios de formação profissional de alunos que conciliam
estudo e trabalho.

A integração com cursos técnicos pode ser uma saída
para os problemas do ensino médio?

Como a principal motivação do jovem para não
frequentar o ensino médio regular é a falta de interesse e a outra é a
necessidade de trabalhar e gerar renda, com isso (a integração com o ensino
técnico) você perfaz 2/3 das razões pelas quais as pessoas não cursam o ensino
médio. É uma tentativa válida. Mas o diabo mora nos detalhes. Tem de ver a
capacidade desses cursos de atender aos interesses dos jovens.

É só uma questão de
desinteresse ou falta também apelo, reconhecimento social aos cursos?

É mais falta de conhecimento do impacto que esses
cursos têm na vida das pessoas. Cada ano de estudo em geral aumenta em 15% a
renda, e o mesmo vale para a educação profissional. Acho que falta uma política
de comunicar os impactos da escolarização na renda, adequar conteúdos e fazer
uma ponte entre escola técnica e carreira profissional.

“Nem nem”: legião que não estuda nem trabalha

País tem 5,3 milhões de pessoas entre 18 e 25 anos que
também não procuram emprego

FABIANA RIBEIRO , CÁSSIA ALMEIDA , HENRIQUE GOMES BATISTA , O
GLOBO – O Estado de S.Paulo

O Brasil já aprendeu que lugar de criança é na
escola. Tanto que praticamente todos os pequenos de 6 a 14 anos estudam (98,2%).
O País, contudo, não teve o mesmo sucesso com jovens e adolescentes.
Levantamento do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj aponta que
quase um em cada cinco jovens (19,5% dos 27,3 milhões dos jovens entre 18 e 25
anos) não estuda, não trabalha, nem procura emprego. São os chamados “nem nem”,
representados por um contingente de 5,3 milhões de pessoas.

É um cenário longe de ter um desfecho feliz. Em dois
anos, a parcela dos jovens entre 15 e 17 anos que estuda caiu de 85,2% em 2009
para 83,7% em 2011, conforme mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad), do IBGE. Ou seja, há outros 1,7 milhão de adolescentes dessa
faixa etária longe dos bancos escolares, um contingente que pode ajudar a
engrossar a geração dos “nem nem”.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), a grande maioria desses jovens de 15 a 17 anos mora com os
pais. O que surpreende é que, entre os que têm de 25 a 29 anos e não estudam nem
trabalham, há quase 20% chefes de família.

Não são poucos os motivos: da evasão escolar ao
desalento, passando por gravidez precoce e envolvimento com o crime. Fazer o
jovem não abandonar os estudos é, sem dúvida, o maior desafio da educação
brasileira. A taxa de desemprego de adolescentes de 10 a 17 anos caiu de 20,1%
para 19,4%, em dois anos.

“A evasão escolar mostra que a escola não está
interessante o suficiente. É entre os mais pobres que encontramos as maiores
proporções de excluídos, tanto dos estudos quanto do trabalho”, disse Adalberto
Cardoso, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da UERJ,
acrescentando que mudar esse quadro exige políticas públicas que busquem, por
exemplo, incentivar as famílias carentes para a manutenção dos jovens na escola
e criar espaços acessíveis e gratuitos de aprendizagem profissional.

Pelos dados do Iesp, com base no Censo 2010, o número
de moças que não estuda e não trabalha é quase o dobro do número de rapazes:
respectivamente, 3,5 milhões e 1,8 milhão. A maternidade é a grande explicação
para essa distância. Para se ter ideia, 50% das jovens da geração “nem nem” têm
filhos.

Mas a família não é a única explicação. Há, segundo
Cardoso, um forte desalento em consequência da qualificação ruim. “A
qualificação ruim dos jovens não permite a eles ingressarem no mercado de
trabalho, mesmo em plena atividade. Os pobres são, sem dúvida, os mais
afetados”, disse Cardoso, acrescentando que, na parcela mais pobre da população
brasileira, com renda per capita de até R$ 77,75, quase metade dos jovens estava
fora da escola e do mercado de trabalho.

Impactos. Tatiane Destefano, de 23 anos, teve de
optar por dois sonhos em 2009: continuar os estudos, ela estava ainda no 2.º ano
do ensino médio, ou ter o filho, que veio sem ser planejado. Ela optou pela
maternidade e abandonou os estudos. Sem trabalhar, vive com a mãe na zona norte
do Rio e conta com a ajuda da avó paterna de seu filho – o pai do garoto se
recusou a registrar a criança.

Ela diz que não se arrepende da escolha. “Vivi a
maternidade intensamente, estou com meu filho no principal momento de sua
formação, que é até os quatro anos. Claro que tenho vontade de concluir os meus
estudos e trabalhar, mas espero isso para quando ele estiver mais crescido.”

Determinada, Tatiane conta que nunca pensou em não
ter a criança. Ela lembra que sua mãe é fundamental para ela e que um problema
de saúde que atravessa agora dificultou a tentativa de retornar seus sonhos de
trabalho e estudo. Mas ela não desiste. “Uma coisa é certa: nunca é tarde para
recomeçar.”

Círculo vicioso. Para Fernando de Holanda Barbosa
Filho, professor da Fundação Getúlio Vargas, a taxa de matrícula no Brasil é
muito baixa. E, com isso, boa parte dos jovens que trabalha não tem o nível
médio, o que ajuda a explicar essa condição de desalento estrutural. “É um
problema de longo prazo. Afinal, o que se vê são perspectivas menores de emprego
para os jovens que não concluem o ensino médio. A escola precisa ter qualidade”,
apontou o professor da FGV. Mas, apenas isso, não retém o jovem. É preciso,
segundo ele, tornar a escola mais atraente. E isso pode implicar até mesmo
alterar o currículo das aulas. “Tornar a escola atraente passa por tornar o seu
conteúdo mais apropriado à realidade. Muitos jovens, por exemplo, já viram que a
taxa de empregabilidade dos cursos profissionalizantes é baixa. E, com isso,
deixam esses cursos”, comentou ele.

Hildete Pereira, professora da UFF, acrescenta ainda
que não é apenas a gravidez ou a maternidade os responsáveis por tirar as jovens
da escola. “Não basta ter escola. É preciso ter escola com qualidade.”

Na avaliação de Flavio Comim, professor de Cambridge,
a falta de investimento na juventude traz impactos econômicos e sociais. Com
menos educação, afirma, os jovens ficam mais propensos a uma gravidez na
adolescência, a maiores índices de violência e a vagas de pior qualidade. Mas
ele não acredita que a responsabilidade seja só do governo. “A esfera privada, e
com isso eu quero dizer a esfera das famílias, dos espaços de trabalho, das
comunidades não pode ficar de fora da discussão e da implementação de soluções
para resolver o problema. A educação dos filhos deveria ser a prioridade de
todos os pais. Por que não é? Em alguns casos, simplesmente não existem escolas,
mas em outros, a grande maioria, o problema é de baixa qualidade da educação. O
que os pais deveriam pensar é: o que fazer para melhorar a qualidade da educação
da escola do meu filho?”

Emprego ruim. Cardoso, do Iesp, acrescentou que, em
algum momento, esses jovens que não estudam e não trabalham vão tentar entrar no
mercado de trabalho. “E parte desses jovens vai se tornar assalariado sem
carteira assinada.” Em alguns casos, deixar os estudos pode ser uma opção para
jovens quando o mercado de trabalho segue aquecido, apesar da desaceleração
econômica no País. Com o desemprego em queda, o jovem se sente mais atraído a
trabalhar, justamente no momento em que o setor de serviços, atual motor da
economia, mostra-se como um dos maiores empregadores do País. E, ao contrário do
que acontece em países desenvolvidos, o setor não exige profissionais altamente
especializados.

Mas nem sempre o jovem que sonha em trabalhar quer
largar definitivamente os estudos. Diogo Chaves, de 23 anos, abandonou o ensino
médio quando começou a fazer o serviço militar obrigatório. Hoje, ele tem de
correr para retomar seus projetos: interessado em virar policial, ele vai fazer
um curso preparatório para concursos e tenta concluir o ensino médio em
supletivo, para ser aceito no serviço público. “Realmente, tenho de recuperar o
tempo perdido. O problema é que fica mais difícil se preparar para concurso e
trabalhar. Fiz uma entrevista de emprego, mas o horário não coincidia. Tentei
meio período em telemarketing, mas também não deu certo”, diz o carioca, que
mora na Penha, zona norte do Rio, com os avós e com a mãe.

Economia global demanda ensino personalizado


Para o especialista inglês David Albury, o aprendizado para atender às
exigências atuais deve ser baseado em projetos práticos

Sergio Pompeu, de O Estado de S.Paulo

O século 20 acabou há quase 13 anos e em boa parte do
mundo ainda se discute quais são as competências necessárias para o mercado de
trabalho do século 21. Na verdade, no entender de muitos especialistas, a
transição a ser feita é a do século 19 para o 21, porque o modelo atual ainda
está mais ligado à formação padronizada de trabalhadores para fábricas, típica
da Revolução Industrial, do que às exigências flexíveis da economia criativa.

Apesar das incertezas, o inglês David Albury acredita
que o novo modelo passa por duas vertentes: ensino personalizado e aprendizado
baseado em projetos práticos. Um dos criadores do Programa Global de Líderes da
Educação (Gelp, na sigla em inglês), Albury conversou com jornalistas em São
Paulo, em encontro organizado pelo Portal Porvir, dedicado à inovação em
educação. Consultor de redes de ensino em 13 países – no Brasil, ele tem
interlocutores nas Secretarias de Educação de São Paulo, Rio, Goiás e Pernambuco
-, Albury falou das novas exigências do mercado de trabalho, de como atendê-las
e de experiências bem-sucedidas.

Desafios. “Os
desafios que sistemas de educação do mundo todo enfrentam hoje incluem as novas
exigências do mercado de trabalho e da globalização. Os melhores empregos exigem
capacidade de resolução de problemas práticos, facilidade para se comunicar e
trabalhar em grupo, empreendedorismo e criatividade. Se eu pudesse deixar o
currículo tradicional de lado e escolher duas habilidades que gostaria de ver
nos estudantes, acho que seriam o apetite pelo conhecimento e a capacidade de ir
atrás dele. Com elas, qualquer pessoa pode aprender qualquer coisa.” 

Busca. “Ninguém
sabe exatamente como é o sistema ideal. Há três anos e meio, começamos a
identificar características de um sistema capaz de equipar cada trabalhador com
as habilidades cognitivas e comportamentais necessárias para ser bem-sucedido.
Uma delas é a de que o aprendizado precisa ser personalizado. Sabemos pelas
ciências cognitivas que as pessoas aprendem em ritmos diferentes. Mesmo assim,
organizamos classes com base na idade, na premissa de que todos avançam num só
ritmo. O aprendizado não será totalmente customizado, mas tem de atender a
necessidades individuais em situações colaborativas, de resolução de problemas.”

 “Desconectado”. “No
celular posso acessar hoje mais conhecimento do que o melhor professor faria 20
ou 30 anos atrás – informação de múltiplas fontes, nem sempre confiáveis. Assim,
é muito importante a capacidade de sintetizar, de avaliar se algo é confiável,
de combinar dados. Lembro-me de conversar com garotos de 13, 14 anos em
Vancouver sobre a experiência na escola. Um deles disse: “Quando vou à escola
sinto como se estivesse sendo desconectado. Fora dela, tenho acesso a todo tipo
de informação e meios de me comunicar com pessoas. Na escola, tem um professor,
um livro e talvez um computador, geralmente pouco usado”. Outro disse: “A escola
é o lugar que tranca o século 21 do lado de fora”. O futuro será do aprendizado
a qualquer hora e lugar, não só na escola. Por isso, o professor não pode mais
ser o portador do conhecimento, mas um facilitador do aprendizado. E o currículo
precisa ser criado com base nos problemas do mundo real. Como dizer a um menino
ou menina de uma área pobre de São Paulo: “Aprenda matemática por dez anos e aí
você vai ver o quanto ela é útil e isso vai te ajudar a conseguir emprego”?”

San Diego. “Há
vários bons exemplos de escolas inovadoras no mundo. Um de ensino baseado em
projeto é o da High Tech High, em San Diego. Lá os alunos decidem o projeto em
que vão trabalhar, não o professor. Cabe ao professor, além de ajudar a
desenvolver o projeto, dar duas disciplinas por semestre. Um grupo pode decidir
que vai construir um carro movido a energia solar capaz de navegar de um modo
muito complexo. Esse é um projeto real, criado por alunos de 12 anos. As
matérias do semestre eram matemática e estudos sociais. A tarefa do professor
foi combinar o projeto com as habilidades e competências que os alunos
precisavam desenvolver nas duas disciplinas. O currículo usa como ponto de
partida o projeto. É um exemplo extremo, não acho que todo mundo deve seguir.
Mas os alunos são selecionados por universidades como Harvard, Stanford, Yale e
MIT, porque ficaram oito anos pesquisando, na perspectiva de resolução de
problemas, juntando dados e fazendo gestão de projetos.”

Nova York. “A
iSchool é um exemplo de escola de transição, que usa o ensino misto (presencial
e online) para dar mais liberdade ao professor. Ela parte do seguinte princípio:
há uma série de conteúdos que testes nacionais ou estaduais exigem. Mas parte
disso é monótona, então ela recorre ao online para acelerar a passagem pelo que
é chato e concentra tempo no ensino baseado em projetos e personalizado. A
diretora, Lisa Berger, diz que sua prioridade é ensinar aos estudantes coisas
que eles ainda acharão úteis em 20 anos.”

Hyderabad. “Nas
últimas décadas, nós nos concentramos em aperfeiçoar escolas e professores, mas
o engajamento da família é um fator tão importante quanto esses outros no
processo de aprendizado. Em Hyderabad (capital do Estado indiano de Andhra
Pradesh), um grupo de educadores começou a se debruçar sobre a questão de como
engajar famílias em um lugar com alta incidência de trabalho infantil e onde
pouco valor é atribuído ao ensino. Você pode ir a favelas lá onde 90, 100
crianças ficam sentadas no chão da sala. O meio que eles encontraram para mudar
esse cenário foi juntar pais e professores na administração das escolas.
Conseguiram resultados razoáveis em termos de engajamento e de criar uma cultura
de valorização da educação.”

Buraco no Muro. “Na
Índia, há favelas e áreas rurais sem escolas. Como educar as crianças? Sugata
Mitra (dono de uma fabricante de softwares) criou o projeto Buraco no Muro. Fez
um computador robusto e o cimentou no muro da sua empresa para quem passasse
usar. Meninos de uma favela próxima se interessaram, começaram a usar o
computador. Alguns pegaram muito rápido e ensinaram aos outros como usar aquilo,
desenvolvendo um conjunto de habilidades que tem aplicações na bioquímica,
matemática e música. Mesmo nos lugares mais pobres que conheci, você consegue
fazer estudantes aprenderem um com o outro.”

Coreia do Sul. “Hoje,
nenhum sistema público incentiva as habilidades exigidas para o crescimento
econômico. A Coreia do Sul, que em dez anos saiu de posições intermediárias no
Pisa (teste para alunos de 15 anos que avalia a capacidade de leitura e os
conhecimentos em matemática e ciências) para o grupo de elite, está no Gelp. Os
coreanos dizem: “Ficamos bons em ensinar como passar em testes, memorizando
regras. Mas, quando confrontados com um novo problema ou com o desafio de montar
um negócio, as pessoas não sabem o que fazer”. A maioria de nós não gostaria de
copiar o modelo coreano. Muitas crianças ficam 10 horas na escola e ainda
estudam 5, 6 horas em casa.”

Finlândia. “Líder
do Pisa, a Finlândia produziu um dos melhores sistemas de ensino público do
século 20. Mas os próprios finlandeses, quando olharam as habilidades que serão
necessárias em 10, 15 ou 50 anos, acharam que seu sistema talvez não seja
completamente adequado: “É ótimo ficar em 1.º lugar no Pisa, mas este é o jogo
errado, o que o Pisa está medindo não é o que as crianças precisam no século
21”. Um dos grandes segredos da Finlândia é o fato de que seus professores
gostam de aprender. Se você fizer um seminário sobre ciências cognitivas, vão
aparecer centenas de professores.”

China. “Há
dois anos, o presidente chinês, Hu Jintao, disse num discurso que muitos achavam
que a China será um poder global produzindo bens e serviços a custo mais baixo
que outros países. “Mas a China será um poder global liderando em inovação e
criatividade.” E ele disse que o motor dessa mudança tem de ser o sistema
educacional. Funcionários do distrito de Chaoyang, em Pequim, nos procuraram. É
um distrito, mas tem 4,5 milhões de pessoas, quase uma Finlândia. A China forma
250 mil graduados em moda por ano. Essas pessoas não vão ficar sentadas em
máquinas de costura, fazendo roupas baratas.”

Brasil. “Até
por ser relativamente novo, o sistema tem algumas características, como a grande
variação na qualidade do professorado. Outro motivo disso é o fato de que vocês
formam milhares de professores todo ano, o que para mim é uma vantagem. Porque
há uma coisa muito mais difícil que aprender, que é desaprender – desaprender a
ser o portador do conhecimento, algo que muitos fazem há 20 anos. Isso é talvez
mais difícil do que lidar com um novo professor, ainda que precisemos formá-lo.
Reconheço os problemas do Brasil, mas vejo oportunidades. Também é importante
dizer que nenhum modelo nasce perfeito. Alguns de nossos parceiros criaram
laboratórios e incubadoras para testar coisas. Eu recomendaria ao Ministério da
Educação trabalhar com um pequeno grupo de escolas, dando a elas apoio. Mesmo
com vontade política, alinhando autoridades, construindo uma coalizão social, a
transição vai levar pelo menos uma década. E não adianta o MEC achar que tem a
resposta para tudo, com um grande modelo para todo o País. Haverá vários
modelos. Mas acho que o Brasil vai inovar e achar o próprio caminho.”

Para formandos, faculdade é falha no preparo técnico


Empresas reclamam que o egresso do ensino superior não tem capacitação técnica
nem comportamento adequado ao mercado

Ocimara Balmant, de O Estado de S.Paulo

Apesar de o mercado alardear o “apagão de mão de
obra”, a cada ano mais gente recebe diploma de graduação e espalha currículo
feito spam. Para entender essa incoerência à brasileira, uma pesquisa ouviu
empregadores, egressos dos cursos superiores e instituições de ensino. A
resposta é simples: como praticamente inexiste diálogo entre as empresas e a
academia, a maioria dos formados não está apta a atender às expectativas de um
contratante cada vez mais competitivo e exigente.

Um cenário que se mede pela própria percepção do
egresso: apesar de a maior parte deles acreditar que finalizar um curso superior
abre oportunidades de trabalho, 30% dizem que lhes falta conhecimento técnico.

“Isso nos sinaliza que ou as instituições não estão
ensinando corretamente, ou dão ênfase ao que não é necessário”, diz Thiago
Rodrigues Pêgas, diretor do Sindicato das Entidades Mantenedoras de
Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp), que
encomendou a pesquisa em conjunto com a Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp).

O levantamento, que funciona como um projeto-piloto,
foi realizado na região de Campinas, área com predomínio de empresas mecânicas,
de eletrônica, tecnologia, química e alimentícia. A ideia, agora, é aplicar o
questionário em todo o Estado de São Paulo. “Mas essa amostra já indica que, se
o País quiser mesmo figurar entre os maiores, precisamos aumentar esse diálogo.
A indústria já percebe que somos parte da cadeia produtiva. Agora precisamos nos
organizar para mudar a imagem que o setor produtivo tem da academia, de que é
lenta e pouco afeita a mudanças”, sintetiza Pegas.

Paliativo. Enquanto persiste a falta de sintonia, as
grandes empresas utilizam-se de seus programas de trainee – tão disputados que
chegam a ter mais de 500 candidatos por vaga – para pinçar seus profissionais.
No Itaú, por exemplo, foram mais de 25 mil inscritos para as 87 vagas do
processo de 2012. 

“Como não existe uma faculdade para banco, o que a
gente aproveita é o background matemático e a forma com que esse profissional
raciocina. O restante, complementamos no programa”, diz Marcele Correia,
supervisora da área de pessoas. Na última turma, por exemplo, 36% são
engenheiros. “Pode-se pensar, mas por qual razão engenheiros em banco? Vou
aproveitar o raciocínio lógico, a forma de ele pensar os processos.”

A lista de aprovados revela um outra faceta da
seleção que também aparece na pesquisa: os programas de trainee recrutam
majoritariamente os oriundos de universidades públicas e das instituições
privadas mais conceituadas. Uma escolha que acontece até mesmo quando a análise
do currículo não é a primeira fase do processo de seleção, como é o caso do
próprio Itaú. Por lá, o local de formação só vem à tona na quarta etapa e, mesmo
assim, é raro chegar até ali um candidato que não seja egresso dessas
instituições.

“Existe um rankeamento baseado no mérito que
economiza tempo do empregador. No mundo todo é assim. É uma forma de avaliar o
talento, não é uma exclusão”, avalia VanDick Silveira, presidente do Ibmec.

O mineiro Augusto Vilela, por exemplo, se formou em
Administração na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diz que sua
experiência de vida foi fundamental para ser trainee do Itaú. “Meus professores
eram ótimos, mas muitos nunca tinham atuado no mercado. Ao perceber isso, fui
buscar outras oportunidades. Trabalhei na empresa júnior da universidade e fiz
dois programas de estágio.”

Ele acredita que essa vivência fez com que se
destacasse nas dinâmicas de grupo, quando demonstrou capacidade de resolver
problemas, espírito de liderança e habilidade na gestão de pessoas. “Se tivesse
ficado só na sala de aula, não teria desenvolvido essas competências.”

Além do despreparo técnico, Karina Ude, gestora de
recursos humanos da Bosch, diz que falta aos recém-formados um entendimento do
mundo corporativo. “É um choque cultural. Esse profissional chega sem as
competências comportamentais desenvolvidas. Não sabe como se portar em uma
reunião.”

Por isso, o programa de treinamento da multinacional
alemã dura dois anos e, além da capacitação técnica, tem módulos focados em
autoconhecimento e no alinhamento da cultura pessoal com a organizacional, com
mentoria de executivos. 

Solução. Para
Francisco Almeida, um dos coordenadores da HSM, a distância entre mercado e
academia é reflexo da tradição brasileira, que valoriza o professor pelo número
de pesquisas e publicações e não se importa se muitos deles não têm experiência
de mercado. “É só ver que, no lattes, um artigo publicado ocupa o mesmo espaço
de uma experiência profissional.”

Uma tradição que deve ser quebrada no curso de
Administração da instituição, com previsão de lançamento em 2013 no Rio de
Janeiro. Para a concepção do projeto, a instituição fez encontros com diretores
de RH e estruturou um curso para atender às exigências técnicas e
comportamentais do mercado.

Nos trabalhos em grupo, por exemplo, a avaliação do
professor deve contemplar, além do conteúdo, a maneira como o aluno se expressa
e o relacionamento com a equipe.

Outra estratégia simples, diz Pêgas, do Semesp, é
repensar o comportamento paternal da universidades. “Se o aluno não entrega um
trabalho no dia apropriado, o professor aceita no seguinte, porque um dia não
interfere na qualidade do material. No ambiente corporativo não é assim. Não há
essa tolerância.”

Sem isso, adverte, uma lógica perversa continuará a
valer: a de que as empresas contratam por requisito técnico e demitem por mal
comportamento.

Empresas criam as próprias universidades


Companhias investem em cursos de formação para atender à demanda do mercado por
mão de obra cada vez mais qualificada

Danielle Nogueira – O Globo

Com a crescente competitividade do mundo corporativo,
muitas empresas não podem se dar ao luxo de esperar que o sistema educacional
ofereça os melhores profissionais recém-saídos dos bancos escolares. Para suprir
a demanda do mercado de trabalho e reter talentos, grandes corporações vêm
investindo em estruturas de treinamento e formação de pessoal, as chamadas
universidades corporativas.

Algumas dessas academias são voltadas exclusivamente
para os funcionários; outras, abertas ao público. Mas o fato é que elas ocupam
cada vez mais espaço nas empresas brasileiras e atravessam fronteiras, chegando
a filiais no exterior. 

Na Valer – braço da Vale para educação -, o leque de
cursos é amplo. São 6.700 opções, divididas em dois grupos: o de educação
continuada, voltado para os empregados; e os programas de fomento, direcionados
ao público em geral. Nesta última modalidade estão o Programa Formação
Profissional e o Programa de Especialização, destinados a aspirantes ao primeiro
emprego na mineradora. Em média, o índice de aproveitamento é de 70%. 

Só em 2011, a empresa treinou 57 mil pessoas no País,
considerando todas as modalidades de treinamento, e investiu um total de R$ 68
milhões em educação. “A Valer nasceu da necessidade de mão de obra
especializada, tanto em nível técnico, como motoristas para caminhões fora de
estrada (usados nas minas), e em nível superior, caso das engenharias de minas e
ferroviária. Estes são exemplos de cursos que tivemos de criar, pois
simplesmente não existem no mercado”, diz Desiê Ribeiro, gerente-geral de
Educação e Desenvolvimento de Pessoas da Vale.

Tal carência de capacitação fez a Valer abrir as
portas para quem não é funcionário. Nesse caso, as aulas são em período integral
e os estudantes têm bolsa mensal de R$ 600 a R$ 4.300, dependendo no nível de
formação. Esse modelo também é aplicado no exterior. Criada em 2003, a Valer tem
34 unidades no País, em Canadá, Suíça, Moçambique, Omã, Malásia e China.

Conhecimento. Votorantim
e Petrobrás seguem um modelo distinto. Na primeira, o foco é a preparação de
líderes, até mesmo fora do Brasil. Além das três bases em São Paulo, Peru,
Colômbia, Argentina e Canadá contam com filiais da Academia de Excelência
Votorantim. Elas são voltadas aos funcionários e à capacitação de fornecedores.
Os cursos criam uma identidade global para a companhia e visam a alinhar
processos e práticas corporativas, facilitando o diálogo e dando coesão às
equipes. Desde seu lançamento, em 2006, a universidade da Votorantim já teve
quase 25 mil participações. Em 2011, ela recebeu investimentos de R$ 5,7
milhões. 

Na Universidade Petrobrás, as aulas são
exclusivamente para funcionários, e todos os empregados concursados passam pelo
menos uma vez pela instituição, para um curso de ambientação, que dura de 3 a 13
meses, dependendo da função que desempenharão na companhia. 

Fora esse contato inicial com a universidade, parte
deles é orientada a voltar para a sala de aula para aprimorar os conhecimentos.
Os mais de mil cursos abrangem assuntos que vão desde tecnologias de exploração
em alto-mar a estratégias de gestão de negócios. Eles são ministrados em duas
unidades: em Salvador e no Rio, onde a universidade ocupa um prédio de oito
andares, no centro. 

Em um deles, a Estação SMS, os empregados aprendem
normas de segurança e meio ambiente usando simuladores de terceira dimensão.
“Temos pessoas com diferentes formações que desempenham a mesma função. Um dos
objetivos da universidade é trazê-las para o mesmo nível”, diz Juliano Loureiro,
gerente de suporte à gestão da Universidade Petrobrás. “Além disso, ao criarmos
uma estrutura própria, mantemos a cultura organizacional da empresa e
preservamos o conhecimento.” 

Formação direcionada. Com
dois mil docentes, entre professores fixos e funcionários designados como
instrutores, a Universidade Petrobrás ganhou destaque na companhia no início dos
anos 2000, quando a empresa voltou a admitir pessoal após longos anos sem
concursos. 

Este ano, seu orçamento é de cerca de R$ 200 milhões,
acima dos R$ 185 milhões de 2011, quando a empresa registrou 82 mil
participações – algumas pessoas participam em mais de um curso – em seus
treinamentos. 

Para o gestor de Parcerias e Soluções Corporativas do
Ibmec, Antonio Carlos Kronemberger, as universidades corporativas vêm se
fortalecendo porque as empresas perceberam que elas proporcionam uma melhor
gestão do conhecimento e a preservação desse conhecimento nas corporações.

“As empresas pagavam MBAs e cursos de especialização
para seus funcionários e, assim, retinham esses empregados enquanto eles faziam
os cursos. Mas, ao mesmo tempo, estavam preparando os funcionários para o
mercado. Era mais um plano de carreira pessoal do que um benefício para a
organização. Nas universidades corporativas, o conhecimento é direcionado aos
objetivos estratégicos das empresas”, diz Kronemberger.

A universidade corporativa da Ambev completa 17 anos
em 2012, herança da Brahma. Os programas de treinamento são divididos em três
eixos, entre eles liderança e cultura, que visa a ressaltar o comprometimento
com a missão e a cultura da companhia, uma espécie de propagação do “jeito de
ser Ambev”.

Segundo a empresa, 95% das pessoas que ocupam cargos
de gerência passaram pelos cursos. Em 2011, foram treinados mais de 42 mil
funcionários e investidos R$ 27 milhões no programa. “Embora tenhamos cursos de
nível técnico, damos especial atenção ao fomento da cultura da empresa”, diz
Fabiana Overrath, especialista em treinamento da Universidade Ambev.

Receita asiática de educação universal


Na Coreia do Sul, parcela da população com diploma quase dobrou em dez anos

CLAUDIA SARMENTO , CORRESPONDENTE DO GLOBO , TÓQUIO – O Estado de
S.Paulo

A economia da Coreia do Sul está longe do desempenho
da economia da China e do Japão, mas o sistema educacional do pequeno país
espremido entre as duas potências asiáticas se transformou em referência
mundial. Quando a 2.ª Guerra terminou, apenas 22% dos coreanos eram
alfabetizados. Hoje, no lado sul da península, o porcentual é de quase 99%. Os
sul-coreanos estão entre os povos mais educados do mundo.

Não é só uma política de governo, mas uma obsessão
nacional. A força motora do crescimento econômico sul-coreano é a educação,
dizem os analistas.

Nos relatórios da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Coreia do Sul tem lugar cativo na lista dos
dez melhores na área educacional. Seus indicadores estão frequentemente acima da
média.

Em apenas dez anos, até 2010, o porcentual de
sul-coreanos com diploma universitário subiu de 24% para 40%. Pelo menos 80%,
entre 25 e 64 anos, terminaram o segundo grau (se a análise recair sobre a faixa
etária entre os 25 e 34 anos, o índice sobe para 98%).

Ninguém duvida de que, sem a formação de capital
humano, Seul não seria hoje um polo industrial e tecnológico tão fundamental,
sede de pesos pesados como Samsung, LG e Hyundai.

“Na Coreia do Sul, a educação vem acima de tudo e
isso explica a grande quantidade de engenheiros que o país formou nos últimos
anos”, diz o analista Hansoo Kang, do Instituto de Pesquisas Econômicas da
Samsung.

O princípio da educação universal foi implantado logo
após o fim da Guerra da Coreia, na década de 50. As escolas do ensino básico são
gratuitas e o currículo das instituições públicas é único, estabelecido pelo
governo federal. O ensino médio é custeado por impostos, enquanto a maior parte
das universidades é privada.

China e Japão. Embora, em termos de porcentual do
Produto Interno Bruto (PIB), o investimento em educação não esteja entre os mais
altos do mundo – em torno de 4,5% -, os gastos particulares compensam.

As famílias coreanas não medem esforços para a
formação dos filhos, encarada como a principal garantia de futuro. É comum as
crianças saírem da escola e seguirem para cursinhos, até nos fins de semana. A
maioria tem ajuda de professores particulares, um investimento visto como
essencial em todas as classes sociais. O ensino do inglês, obrigatório no
sistema público, é uma das grandes preocupações. Os sul-coreanos sabem que, sem
o domínio dessa língua, suas chances despencam num mercado de trabalho
globalizado.

“Mesmo em 1950, quando o país ainda tinha uma renda
per capita equivalente à do Haiti, os padrões de formação dos professores já
eram muito elevados. Eles são muito bem pagos e têm status social elevado”, diz
o professor Michael Seth, da Universidade de James Madison (EUA), autor de
livros sobre a educação sul-coreana.

Com imensas diferenças sociais, os desafios
educacionais da China são maiores, mas o país vem aumentando os investimentos no
setor nos últimos anos. Os chineses lideraram o ranking do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) em 2010, à
frente da Coreia. Receberam as maiores médias nas áreas avaliadas: leitura,
matemática e ciência.

O poder da segunda maior economia do mundo tem
permitido que as famílias chinesas paguem para que seus filhos estudem fora do
país, nas melhores universidades. Um estudo divulgado em setembro pela Academia
de Ciências Sociais da China mostrou que um em cada sete alunos matriculados em
cursos no exterior é chinês. Nos EUA, esse porcentual chega a 22%. Em uma
década, o número de estudantes no estrangeiro aumentou 17 vezes.

No Japão, 45% da população tem educação superior,
segundo a OCDE. A evasão escolar é baixíssima: 96% dos adolescentes completam o
ensino médio. Mas no país, que perdeu o posto de segunda maior economia do mundo
para a China, é cada vez menor o número de estudantes que buscam instituições de
ensino no exterior.

A queda, de pelo menos 11% nos últimos anos, preocupa
as empresas japonesas, que precisam de profissionais com formação internacional
para se tornarem mais globais. A crise no país reduziu as oportunidades, mas uma
das principais discussões sobre a qualidade da mão de obra japonesa hoje diz
respeito à falta de interesse dos jovens em olhar para o mundo lá fora.

Faltam 150 mil engenheiros no País


Mesmo com uma das maiores médias salariais, carreira atrai apenas 10% dos
universitários

CRISTIANE NASCIMENTO , ESTADO – O Estado de S.Paulo

Faltam 150 mil engenheiros no País, os que estão
trabalhando aparecem entre os profissionais mais bem pagos do mercado e, mesmo
assim, apenas 10% dos universitários brasileiros cursam carreiras ligadas às
engenharias – sem contar os que devem desistir pelo caminho e abandonar a
faculdade. Um cenário pouco animador que escancara um dos gargalos do sistema
educacional – e que afeta a capacidade de produção e inovação da indústria.

Para se ter uma ideia, o País tem hoje seis
engenheiros para cada mil pessoas economicamente ativas -nos Estados Unidos e no
Japão, por exemplo, a proporção é de 25 engenheiros por mil trabalhadores,
segundo Financiadora de Projetos (Finep), órgão do governo federal. O déficit de
150 mil profissionais foi projetado pela Confederação Nacional da Indústria
(CNI).

“Estima-se que, pelos investimentos que estão
previstos, o Brasil precisaria de cerca de 300 mil profissionais de engenharia
para os próximos cinco anos”, afirma José Tadeu da Silva, presidente do Conselho
Federal de Engenharia e Agronomia (Confea). Ele cita as empresas que estão se
instalando no País, obras do PAC, a Copa do Mundo e a Olimpíada. “Nos últimos
dez anos, a média anual de emissões de registros tem sido de 43 mil, o que
somaria 215 mil profissionais aptos para o mercado de trabalho em 2016.”

A falta de profissionais tornou os engenheiros os
trabalhadores mais bem pagos do mercado – ao lado de médicos (que também existem
em número inferior ao necessário) e graduados em carreiras militares -, segundo
estudo feito pelo economista Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de
Políticas Públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Universidade
de São Paulo (USP).

Com base nos dados do Censo, o economista reuniu
informações sobre os 10,6 milhões de brasileiros com diploma universitário em
2010 (e os 5,4 milhões na mesma situação em 2000) e seus respectivos salários. A
conclusão foi que, em média, um engenheiro recebe hoje remuneração mensal de R$
7.156 – valor 20,6% superior ao salário médio da categoria em 2000.

Formação. A valorização do profissional e a carência
deles no mercado ocorre porque, na última década, o número de formandos não
acompanhou o ritmo dos novos postos de trabalho. “A demanda aumentou e a oferta
diminuiu”, afirma Menezes. “A evolução do salário médio se deu justamente porque
a economia do País está precisando muito desses profissionais.”

Em 2000, o Brasil tinha 141,8 mil engenheiros civis.
Dez anos depois, eles eram 146,7 mil. No entanto, apesar do pequeno aumento, a
proporção de graduados em Engenharia em relação ao total dos graduados caiu de
2,76% para 1,45%. O mesmo aconteceu com Medicina. O número de médicos cresceu
pouco entre 2000 e 2010, saindo de 207 mil para 225 mil. E a proporção no total
da população diplomada caiu de 4,04% para 2,23%. “É o que chamamos de apagão de
mão de obra qualificada”, resume Menezes.

Cenários semelhantes ocorrem em outras carreiras
tidas como mais técnicas, como as demais Engenharias, Odontologia, Estatística e
Economia. Isso ocorre porque, apesar de aumentar o número de universitários,
cada vez mais os jovens têm procurado os cursos de humanas em detrimento aos de
exatas e biológicas.

O número de jovens formados em Administração, por
exemplo, subiu de 594 mil para 1,473 milhão entre 2000 e 2010. Dentre os
diplomados do País, a participação do grupo saltou de 11,6% para 14,6% no mesmo
período. A demasiada oferta teve um reflexo negativo no salário médio da
categoria, que atingiu R$ 3.791 em 2010 – um recuo de 17,8% em uma década.

O desinteresse do jovem pelas carreiras de exatas e
biológicas, de acordo com especialistas, está ligado à pouca qualidade da
educação básica – que também carece de professores de matemática, física e
química, aulas supridas, em muitos locais, por professores de outras
disciplinas, sem a formação adequada. Sem aprender os conhecimentos básicos de
matemática, o estudante passa a não gostar da disciplina e, assim, dificilmente
terá interesse em seguir uma carreira ligada à área.

Dados do Censo do Ensino Superior, divulgados pelo
Ministério da Educação (MEC), mostram que apenas 10% dos universitários
brasileiros estão matriculados em carreiras ligadas à Engenharia, Produção e
Construção. O grupo formado por Ciências Sociais, Negócios e Direito (que inclui
o curso de Administração) representa 41% das matrículas das graduações. A área
de Educação ( curso de Pedagogia e as licenciaturas) somam 21%

Pouca oferta. João Luiz Maurity Sabóia, professor do
Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca
também a pouca oferta de vagas de exatas e biológicas nas instituições públicas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de
2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as
universidades particulares respondem por 83,2% das matrículas de estudantes no
ensino superior.

“A maior parte dessas instituições não está
interessada em oferecer cursos de Engenharia ou Medicina, pois eles são muito
caros e as pessoas não teriam condições de pagá-los”, diz Sabóia. O
encarecimento dos cursos de caráter técnico se dá, principalmente, pela
necessidade de investimentos em equipamentos, laboratórios e tecnologia.

“Não há como formarmos um médico ou um engenheiro sem
que ele tenha colocado em prática a teoria que lhe foi passada”, afirma Sabóia.
“Por questões de segurança, inclusive, tais profissões exigem uma qualificação
muito específica que não pode ser transmitida por aulas simplesmente
expositivas.”

Segundo o diretor de operações da empresa de
recrutamento especializado Robert Half em São Paulo, Fernando Mantovani, as
empresas têm se virado como podem diante. “Algumas têm deixado vagas em aberto;
outras estão trabalhando na capacitação de profissionais, oferecendo horas de
treinamento ou firmando parcerias com entidades ou até com as universidades”,
afirma.

Montovani aponta ainda uma terceira saída adotada por
algumas organizações, a importação de mão de obra. “Estas ainda são muito
poucas, pois ainda é bastante complicado trazer gente de fora para trabalhar no
País.”

Governo cria plano para formar médicos

Cristiane Nascimento, de O Estado de S. Paulo

Ao contrário dos amigos, que na época do ensino médio
viviam cheios de dúvidas quanto à escolha da profissão, Mariana Nudelman Frayha
sabia que cedo ou tarde seguiria os passos do pai, pediatra. Desde pequena,
sempre que podia, a jovem pegava seus livros escondidos e passava horas
analisando as diversas doenças que poderiam acometer crianças. “Acho que nasceu
ali minha paixão pela profissão.”

Depois de formada, e na hora de optar pela
especialização, a jovem não teve dúvida: pediatria – uma das áreas dentro da
Medicina conhecida por ser uma das menos rentáveis e com maior carência de
profissionais. Aos 31 anos, Mariana não se arrepende da escolha, mas conta que
viu muitos amigos cogitarem a carreira e depois desistirem.

Para Sidney Klajner, vice-presidente da Sociedade
Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e principal condutor de um
projeto de atração e integração do hospital, a queda da participação de médicos
entre o número total de diplomados no País deve-se, em parte, aos males e
sacrifícios da profissão.

“Temos agora nas universidades os jovens da chamada
geração Y, que primam muito pela qualidade de vida”, afirma ele que tem como
principal objetivo reter jovens talentos para trabalhar no hospital.

“Apesar da carreira de Medicina proporcionar um bom
salário frente a outras, é primeiro preciso muita dedicação nos estudos para
ingressar em uma boa instituição e, depois de formado, tem de se fazer muitos
plantões para alcançar um bom rendimento”, diz Klajner.

O programa coordenado por Klajner tem como principal
intuito atender à demanda desses novos profissionais. Para isso, além de uma
remuneração condizente com o número de horas trabalhadas, oferece-se a estes
jovens a possibilidade de atuar no hospital também como pesquisador e educador.

A ideia é atrair os melhores oferecendo, também,
melhores condições. “Queremos profissionais felizes, que não tenha de migrar de
plantão a plantão para conseguir sobreviver.”

Diante desse apagão de médicos pelo País, o governo
federal decidiu intervir. Em junho, o Ministério da Educação (MEC) anunciou um
plano de expansão que prevê a criação de 2.415 novas vagas para formação de
médicos, das quais 1.615 serão em instituições federais.

As vagas serão concentradas em regiões onde o
ministério julga haver carência de médicos, principalmente no Norte, Nordeste e
Centro-Oeste. De acordo com a demografia médica levantada pelo Conselho Federal
de Medicina (CFM), há hoje 1,9 para cada mil habitantes.

O projeto do governo é que essa relação alcance 2,5
médicos para cada mil habitantes até 2020. Em Portugal, esse nível é de 3,9; na
Alemanha, 3,6; na Argentina, 3,1; e no Uruguai, 3,7.

 

 

 

 

Revista Isto é, RELIGIÃO, |  N° Edição:  2241 |  19.Out.12 –
21:00 |  Atualizado em
23.Out.12 – 14:45

Quem quer ser noviça


Nos últimos anos, o número de freiras vem caindo no Brasil. Como é a rotina das
jovens que, nos dias de hoje, decidiram trocar família, emprego e badalação por
uma vida de regras, orações e trabalhos voluntários

Natália
Martino

O dia nem raiou e um
grupo de dez mulheres já está reunido em frente a uma discreta cruz. O silêncio,
que chega a ser inquietante, é quebrado poucos minutos depois por um coro de
diferentes sotaques que entoa versos bíblicos na pequena capela. É assim que
começam todos os dias no Noviciado Nossa Senhora das Graças, da Congregação
Religiosa das Filhas de Maria Auxiliadora, ou Salesianas de Dom Bosco, em São
Paulo. 

Sete noviças,
provenientes de diferentes Estados, são diariamente acompanhadas na rotina de
orações, aulas e trabalhos por três religiosas formadoras. As noviças, com idade
entre 21 e 26 anos, se preparam para a vida religiosa há pelo menos quatro.
Fazem parte de um grupo cada vez mais raro, o de jovens que decidem fazer os
votos de pobreza, castidade e obediência propostos pela Igreja Católica a elas.

A decisão significa
mudanças radicais de vida. Quem vê Elaine de Morais Ferreira, 26 anos,
caminhando confiante pelos corredores do noviciado, por exemplo, não imagina que
há pouco mais de quatro anos ela era frequentadora assídua de shows de música
sertaneja. Criada em Rondonópolis, em Mato Grosso, trabalhou com telemarketing
em duas empresas de logística e foi vendedora de roupas íntimas na loja da
família antes de optar por ser freira. “Minha vida era supernormal, gostava de
dançar e de sair com as amigas, usava o carro do meu pai para ir a festas”,
conta. Por coincidência, no dia em que tomou a decisão definitiva de entrar para
o noviciado recebeu a notícia de que havia sido aprovada em letras na
Universidade Federal de Mato Grosso. “Precisei fazer uma opção e escolhi a vida
religiosa”, orgulha-se.

Os estudos
universitários são incentivados, mas apenas depois do período de formação. Às
noviças, é exigida dedicação integral. Quando se tornam religiosas e podem
ingressar na faculdade, costumam fazer vestibular para o curso indicado pela
congregação. São comuns estudos nas áreas de administração e pedagogia.
Formadas, o local onde irão trabalhar também será definido pela irmandade. “O
que a superiora decidir será a voz de Deus, ela vai me enviar para onde
precisarem de mim”, diz Rosalva Veiga Batista, 22 anos, noviça indígena da etnia
baré, do interior do Amazonas. Isso é resultado do voto de obediência, o mesmo
que as faz dizer apenas “é a tradição da Igreja” diante de qualquer
questionamento sobre dogmas e rituais católicos. 

As trajetórias das
jovens noviças são marcadas por uma ligação estreita com o catolicismo desde a
infância. Nenhuma, porém, cita um fato específico que tenha desencadeado a
vocação. “As pessoas acham que em algum momento Deus aparece e nos diz para
seguirmos esse caminho”, conta a noviça Kelly Gaioso de Andrade, 25 anos,
natural do Maranhão. “Mas não é assim. Descobrimos a vocação no dia a dia.” O
chamado para a devoção é o que parece uni-las, apesar das dúvidas existentes
antes da tomada final de decisão. “Via as religiosas da minha cidade fazendo
trabalhos em orfanatos e escolas, achava bonito e queria ser como elas”, conta
Vanessa Cristina da Silva, 21 anos, de Minas Gerais. “Mas, nas novelas, elas
eram sempre tão sérias, tão tristes, que eu tinha medo de seguir esse caminho.” 

Esse estereótipo não se
confirma entre as noviças. Sempre sorridentes, brincam cantando paródias de
músicas da cultura pop. Também são animados os relatos sobre as festas e as
olimpíadas organizadas por elas. “Gosto de dançar e aqui continuo fazendo isso,
não há por que sentir falta dos shows que a gente frequentava antes”, diz a
matogrossense Elaine. Como qualquer moça de 20 e poucos anos, todas possuem
e-mail e perfil nas redes sociais. O grande tabu continua sendo falar sobre os
possíveis encontros amorosos antes do convento. Todas desconversam e dizem um
tímido “eu era como qualquer outra jovem”.

Para seguir a vida
religiosa, uma das principais exigências hoje é ter o ensino médio completo. A
partir dos 17 anos, as meninas iniciam a formação que dura em torno de cinco
anos. No caso das salesianas, a última etapa é sempre cumprida em São Paulo,
onde os dias transcorrem entre orações, estudos, leituras e trabalho. Algumas
horas também são reservadas para aulas de canto e música. Um dia por semana,
atuam como educadoras na área de formação humana com os jovens do Centro
Profissionalizante Dom Bosco. Aos sábados também desenvolvem um trabalho
pastoral com os grupos de crianças e adolescentes da Paróquia São João Bosco. 

A rotina é espartana. No
noviciado, todas acordam cedo, antes das 6h, e dormem antes das 23h. Ao longo do
dia, vivem tudo comunitariamente. Dormem em beliches, limpam a casa que as
abriga, preparam as refeições e se reúnem para rezar. Com exceção de um tempo
reservado à oração e aos estudos individuais, tudo é feito em conjunto, mesmo
quando saem do noviciado para passear em um parque ou ir ao cinema, por exemplo.
“Celular? Para que se estamos sempre juntas? Quando saímos, levamos um telefone
para o grupo”, explica a maranhense Kelly. Itens pessoais, como roupas e artigos
de higiene, devem ser solicitados à congregação, uma vez que as jovens não têm
acesso a dinheiro. É uma preparação para o voto de pobreza, que simboliza o
desprendimento material.

Quando saem do convento,
as noviças e as freiras se mesclam nas multidões da rua sem serem notadas. Desde
o Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965, o hábito deixou de ser uma
exigência. As irmãs salesianas usam calças jeans, tênis e camisas, sempre com
mangas. Não há regras para o uso dos cabelos. O símbolo da congregação é apenas
um crucifixo das Irmãs Filhas de Maria Auxiliadora que as religiosas carregam no
peito. “Toda escolha na vida implica abrir mão de outras coisas”, diz a noviça
Kelly. “Nossa rotina não é baseada no que não podemos fazer, mas no que
decidimos fazer ao entrar para a vida religiosa. É o “sim” a essa vida religiosa
que nos define, nunca os “nãos” aos quais nos submetemos.”

 

 


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