Por Bruno Alfano — Rio de Janeiro, Globo*

Gabriel da Hora, de 36 anos, tem pós-doutorado em química computacional e diz que queria voltar ao Brasil após dois anos nos Estados Unidos, estudando na Universidade da Califórnia. Ele afirma ter tentado, sem sucesso, bolsas de pesquisa. Nesse tempo, a mulher teve um câncer diagnosticado e encontrou tratamento de ponta nos EUA. A perspectiva da retorno passou a ser abrir mão de condições de trabalho na Universidade de Utah, para onde foi convidado, e ficar desempregado no país de origem, sem saber se conseguiria a mesma qualidade de atendimento médico para a mulher. Assim, decidiu ficar em solo americano, assumindo uma dívida de R$ 150 mil por causa da bolsa de pesquisa brasileira.

    Ele é um dos casos de pesquisadores do Ciências sem Fronteiras — programa que mandou cerca de 100 mil acadêmicos brasileiros para o exterior — que precisavam, pelas regras, voltar seis meses depois de terminar seus trabalhos e ficar no país pelo mesmo período que estiveram fora. No entanto, a falta de oportunidades no Brasil faz com que cientistas prefiram pagar milhares de reais do que voltar.

    — A Capes está irredutível. Não aceitaram nada, nenhum dos trabalhos que fiz (como pagamento). Nem a possibilidade de trabalho remoto. Então, vou pagar. Pago, mas eu não volto mais ao Brasil — diz da Hora. — A minha dívida aiera baixa porque só fiz uma parte do curso no exterior. Muita gente fez o curso todo e precisa devolver muito mais.

    Dentro dessa conta, estão todos os gastos de bolsa para subsistência do pesquisador e qualquer despesa do governo brasileiro, como passagens de avião, seguro saúde, taxas e insumos para pesquisa. Também são acrescidos juros, além da variação cambial.

    De acordo com Julia Salles, do grupo Brasileiros pelo Avanço e Internacionalização do Conhecimento (Brain), uma pesquisa feita por eles com 580 cientistas enviados ao exterior descobriu que 8% decidiram ficar. Ela argumenta que todos entendem o investimento massivo recebido em suas formações e admitem formas de devolver isso para o país. Porém, as condições para isso são muito criticadas.

    Entre as principais reclamações, além do valor do câmbio utilizando como referência o dólar atualizado, que está muito mais caro, há o fato de a Capes dividir a dívida em cinco anos, e o CNPq, em dez — sem que o pesquisador tenha escolhido a agência de fomento.

    Um pesquisador hoje nos EUA que pediu para não ser identificado contou não querer voltar porque conseguiu emprego estável e plano de saúde que garante o tratamento da filha, com complicação neurológica e necessitando de medicamentos aos quais não teria acesso no Brasil. Por isso, ele assumiu dívida de mais de R$ 200 mil, mais da metade do seu salário mensal.

    — Pesquisadores aqui se destacam, trabalham em postos estratégicos e são tratados pelo Brasil como devedores criminosos. Isso a gente não vê de nenhum outro país. A Capes quer que o pesquisador volte, mas não dá garantia de absorção — critica o cientista.

    Trabalho como pagamento

    Julia Salles tinha uma dívida de R$ 350 mil. No entanto, ela conseguiu ser aprovada num processo de novação — quando a Capes ou o CNPq aceitam que a dívida seja paga com trabalho em vez de dinheiro. No entanto, essa é uma medida excepcional. Desde 2019, quando a possibilidade foi criada, foram 202 pedidos de novação, e apenas 31 aprovados.

    De acordo com Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), essas cobranças têm que ser analisadas caso a caso. Mas, ela diz que brasileiros no exterior podem contribuir muito para o desenvolvimento da ciência nacional mesmo a partir de outros países, devolvendo o dinheiro investido neles.

    — Eles podem funcionar como um contato fixo para que brasileiros façam parcerias com universidades estrangeiras, por exemplo. A maioria dos que ficaram quer voltar, mas não pode abandonar seus empregos. Conheço muitos que tinham condição de não trabalhar, vieram para o Brasil e ficaram o tempo necessário sem conseguir nada, voltaram para o exterior e agora estão se destacando. É uma pena — afirma Nader.

    “Mais doutores”

    O presidente do CNPq, Ricardo Galvão, já afirmou que o Brasil forma 24 mil doutores por ano, mas “as ofertas de emprego, concursos públicos etc., não chegam a mil”, segundo reportagem da Agência Brasil. Procurado, o órgão não se manifestou.

    Já a Capes defendeu que o país titula mais doutores do que países como México, Turquia e Chile, mas quatro vezes menos do que Reino Unido, Espanha e Suíça. De acordo com a agência, não há excesso de doutores, mas alta concentração de contratações apenas no setor da educação e baixíssima na indústria.

    “Há políticas públicas que fomentam uma maior aproximação entre a academia e o setor produtivo extra-acadêmico, como incentivos fiscais para empresas que investem em pesquisa e inovação — e que, consequentemente, empregam pesquisadores —, mas tais iniciativas precisam ser fortalecidas. (…) Para um país continental, ainda em desenvolvimento, com desafios sociais, ambientais, e econômicos que demandam soluções inovadoras, conhecimento de ponta e muita criatividade, o Brasil ainda precisa aumentar expressivamente seu contingente de doutores”, alega.

    * O Globo, https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2023/07/sem-trabalho-no-brasil-cientistas-assumem-dividas-milionarias-para-seguirem-pesquisando-no-exterior-pago-mas-nao-volto.ghtml, 03/07/2023

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