VEJA, Edição 1995, 14 de fevereiro de 2007Brasil
Sururu no Itamaraty
Está suspensa a leitura
engajada. Já a política externa…
Otávio Cabral
A entrevista a VEJA do ex-embaixador do Brasil em Washington
Roberto Abdenur produziu um salseiro no comportado mundo da diplomacia. Com 44
anos de carreira e aposentado há apenas duas semanas, quando deixou o posto nos
Estados Unidos, Abdenur revelou que as promoções no Itamaraty ocorrem de acordo
com afinidades política e ideológica, disse que a atual orientação tem um
substrato “vagamente anticapitalista, antiglobalização, antiamericano,
totalmente superado” e chegou a denunciar o que chamou de “doutrinação de
diplomatas”, obrigados a realizar leituras de viés esquerdista. O ministro das
Relações Exteriores, Celso Amorim, reagiu. Primeiro, afirmou que Abdenur deveria
ter feito as revelações quando ainda estava no cargo, em Washington. Depois,
anunciou uma providência. Diante de tudo o que Abdenur disse, Amorim mandou
suspender as leituras obrigatórias no Itamaraty, classificadas pelo
ex-embaixador na entrevista a VEJA como “vexatórias”.
O ministro Celso Amorim rebateu as acusações de que as
promoções no Itamaraty ocorrem de acordo com o alinhamento ideológico dos
diplomatas. “É um absurdo e é até difamatório”, reagiu. Até a leitura
obrigatória, que Amorim mandou suspender diante da entrevista de Abdenur, foi
minimizada pelo chanceler. Ele disse que, de três obras obrigatórias (Chutando a
Escada, do chinês Ha-Joon Chang, Rio Branco, de Álvaro Lins, e Brasil, Argentina
e Estados Unidos – Da Tríplice Aliança ao Mercosul, de Luiz Alberto Moniz
Bandeira), apenas a última poderia ter algum viés esquerdista. Ainda assim,
Amorim afirmou que decidiu suspender as leituras apenas para evitar o que chamou
de “mal-entendidos” explicitados pela entrevista de Abdenur a VEJA.
A leitura obrigatória de obras alinhadas com a doutrina
nacional-terceiro-mundista do chanceler Amorim foi introduzida pelo
secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, no início de 2004. A
leitura é parte de um cursinho de duas semanas a que Pinheiro Guimarães submete
todos os diplomatas que estão sendo transferidos de posto. O viés ideológico das
aulas, apelidadas no Itamaraty de “Escolinha do Professor Samuel”, é inequívoco.
Um dos livros cuja leitura foi suspensa traz um prefácio no qual o próprio
Pinheiro Guimarães espicaça a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e os
Estados Unidos. Responsável por promoções, transferências e pela formulação da
política externa do governo petista, Pinheiro Guimarães professa ideário inútil
e ultrapassado do fim do século XIX. Odeia a globalização, é contrário à
abertura econômica, acredita no imperialismo ianque e adota como método de
trabalho ampulheta e papel-carbono. As fichas de leitura engajadas acabaram.
Pinheiro Guimarães segue forte no Itamaraty.
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