Folha
de São Paulo, Ribeirão, DOMINGO, 14 DE JULHO DE
2013

UFSCar
abriga maior acervo de pegadas fósseis do país

Professor visitou pedreira por
7 anos em busca de
vestígios pré-históricos

Pedras guardam registros
de espécies de mamíferos primitivos, dinossauros
e até besouros e aranhas

REINALDO JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA
A FOLHA, DE SÃO CARLOS

Uma sala simples e
espaçosa
da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) abriga o
maior acervo de pegadas
fósseis do país, montado com paciência
e doses consideráveis de improvisação
por um paleontólogo nascido em Araraquara.

Entre 1998 e 2005, Marcelo
Fernandes, com a ajuda da mulher, visitou uma pedreira de sua cidade,
conseguindo doações e, depois, pagando do bolso
por 800 lajes de pedra.

Elas guardam o registro da
passagem de diversas espécies de dinossauros,
mamíferos primitivos e até
besouros e aranhas pelo deserto que recobria o interior do Brasil
há 140
milhões de anos.

Com mais de 1 milhão
de
km2, o chamado paleodeserto Botucatu era relativamente escasso em
formas de
vida, mas tudo indica que uma das bordas, com oásis e outras
fontes de água,
ficava em Araraquara, o que possibilitou a
preservação dos vestígios.

Fernandes, hoje professor
da UFSCar, conta que soube das pegadas aos 16 anos, quando viu
menções a
dinossauros do interior numa edição da revista
“Ciência Hoje”.

Ocorre que o
calçamento de
Araraquara e até as colunas da catedral de São
Carlos foram feitos com pedras
nas quais pegadas pré-históricas foram
preservadas.

Um dos primeiros a
estudá-las foi o padre e paleontólogo italiano
Giuseppe Leonardi. “Lembro
de ter pensado: tem dinossauro na minha cidade? Que legal!”

Fernandes coletou material
nas pedreiras locais com amigos na juventude “”uma laje ficou anos e
anos sob uma laranjeira da casa dele. O interesse ficou mais
sério quando
ingressou em biologia da UFSCar, nos anos 1990.

Fazendo doutorado em
paleontologia, passou a visitar a pedreira São Bento,hoje
desativada. Primeiro,
os funcionários cediam o material.

“Mas, pelo fato de eu
ir muito, o dono não quis mais que eu simplesmente coletasse
a laje, que já
estava separada para venda, para calçamento”, diz.
“Aí ele começou a
cobrar uns R$ 50 pelo metro quadrado da laje bruta.”

O proprietário
chamava as
pegadas de “defeitos”. Em geral, eram viradas para baixo na montagem
do calçamento, para evitar que as pessoas se atrapalhassem
ao pisar.

Diz não saber quanto
gastou, mas as maiores pegadas, retratando o andar de um dinossauro
herbívoro
do tamanho de um elefante, estão numa laje de R$ 500. No
fim, sua casa estava
com corredores tão cheios de pegadas fósseis que
ele tinha dificuldade para
passar com sua moto.

DE CASA PARA O CAMPUS

O fim da
situação um tanto
mambembe veio quando ele foi aprovado em concurso na UFSCar em 2006
–pouco a
pouco, o caminhão da universidade levou a
coleção para a sala onde está hoje.

A rigor, ele não
poderia
ter comprados os fósseis –por lei, são bens da
União. “Mas eu sempre tive
o respaldo da Prefeitura de Araraquara, por exemplo, com a
intenção de
transferir os fósseis para uma
instituição pública, o que acabou
ocorrendo no
caso da universidade”, ponderou.

Fernandes disse que a
preservação das pegadas depende de fatores como a
presença de umidade sob as
dunas pelas quais os bichos caminhavam e a
direção do vento.

Se areia estivese
depositada sobre o trecho da duna por onde os bichos tinham passado,
havia mais
chance de preservação. A própria
pedreira é uma duna pré-histórica, com
100 m
de comprimento por 20 m de altura.

A coleta já rendeu
descobertas importantes, como o primeiro urólito –“xixi
fossilizado”– de dinossauro. “A laje já estava no
caminhão, pronta
para virar calçada de uma fazenda em Campinas.”

Ovos e esqueletos de
crocodilos e dinos estão preservados

Há 90
milhões de anos, a
região era uma variante mais árida do Pantanal;
Monte Alto tem fóssil de
saurópode

Museus
de Arqueologia de Araraquara e o de Ciência de São
Carlos têm pegadas em exposição
ao público

REINALDO
JOSÉ LOPESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE
SÃO CARLOS

Dezenas
de milhões de anos depois de as pegadas de Araraquara terem
ficado gravadas no
paleodeserto da região, condições
ambientais menos inclementes permitiram que
fósseis “de corpo” –ovos e esqueletos de animais como
dinossauros,
tartarugas e crocodilos primitivos– ficassem preservados no interior
paulista.


aproximadamente 90 milhões de anos, no final do
período Cretáceo, a região era
uma variante mais árida do Pantanal: depois de
períodos de seca prolongada,
grandes enchentes sazonais transformavam o lugar numa zona alagada,
repleta de
lagoas temporárias e deltas de rios.

BATISMO

Perto
de Monte Alto, por exemplo, esses períodos de
bonança permitiram a preservação
de fósseis de saurópodes –nome pelo qual
são conhecidos os maiores de todos os
dinossauros, herbívoros de pescoço comprido e de
cabeça diminuta.

Entre
os predadores, destacavam-se grandes crocodilos com pernas
relativamente
compridas e eretas, acostumados à vida em terra firme, e
não nos rios.

Um
desses crocodilos adaptados ao ambiente terrestre foi batizado em
homenagem a
Monte Alto: trata-se do Montealtosuchus arrudacamposi, cuja descoberta
veio a
público em 2008.

O
animal media 1,7 metro e ganhou seu nome de espécie em
reconhecimento a Antônio
Celso de Arruda Campos, pioneiro da prospecção de
fósseis na região.

ONDE
VER

Alguns
dos exemplos mais bonitos das pegadas podem ser vistos em museus
existentes na
região.

Interessados
de Araraquara encontram as peças no Mapa (Museu de
Arqueologia e Paleontologia)
da cidade, na rua Voluntários da Pátria, esquina
com a avenida Portugal
(centro).


em São Carlos, elas estão expostas no Museu de
Ciência Professor Mário
Tolentino (praça Coronel Sales, s/nº, centro).



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