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O Estado de São Paulo, Domingo, 25 de Outubro de
2009 | Versão Impressa


Um novo modelo de
jornalismo

Leonard Downie Jr. e Michael Schudson*

 

A cobertura jornalística que cobra responsabilidades das pessoas
com poder e influência é parte vital da vida democrática americana,
especialmente em locais com jornais diários que ainda estão dando lucro e cujos
proprietários têm o espírito público necessário para manter um número
substancial de equipes de jornalistas. Esse jornalismo hoje corre riscos, como
também as bases econômicas dos jornais que se sustentam com a publicidade.

 

A sociedade americana precisa assumir a responsabilidade coletiva
de apoiar a imprensa de notícias, como ocorreu, a um custo muito maior, com a
educação pública, o sistema de saúde, os avanços científicos e a preservação
cultural, por meio de combinações variadas de filantropia, subsídio e política
governamental. Pode não ser fundamental salvar ou promover um jornal em
particular, incluindo os veículos de informação impressos. O essencial é
preservar o trabalho de reportagem confiável, original, independente, lucrativo
ou não, não importa em que veículo ele apareça.

 

Não acreditamos que os jornais desaparecerão, seja na forma
impressa ou online. Mas as equipes de reportagem serão muito menores, com
funções reduzidas. Ao mesmo tempo, a internet permitiu o surgimento de novas
maneiras de coletar e distribuir as notícias que tornam possível uma
reconstrução do jornalismo americano.

 

Jornalistas que deixaram a imprensa escrita lançaram sites de
notícias locais em muitas cidades grandes e pequenas. Outros iniciaram projetos
não lucrativos de jornalismo investigativo e serviços de notícias comunitários
em universidades vizinhas, como também organizações especializadas em
reportagens investigativas no plano estadual ou nacional.

 

Outros estão trabalhando com moradores locais para produzir blogs
de notícias para a comunidade. Os próprios jornais vêm colaborando com outros
veículos de informação, incluindo empresas recém-abertas e bloggers, para
complementar suas pequenas equipes de reportagem. 

 

Entre esses novos agregadores de notícias estão não só os
jornalistas nas redações, mas também os freelancers, os estudantes de faculdade,
bloggers e cidadãos armados com telefones inteligentes. Hoje, o apoio financeiro
a esse trabalho vem não apenas de anunciantes e assinantes, mas também de
fundações, instituições filantrópicas, universidades e doadores individuais.

 

Esse ecossistema jornalístico que está emergindo, em que a coleta
e distribuição das notícias é muito mais dispersada, tem um grande potencial.
Mas ainda é muito frágil. A responsabilidade jornalística, em particular, exige
recursos de reportagem significativos, com uma liderança profissional vigorosa e
um apoio financeiro confiável, que o mercado não pode mais oferecer da maneira
necessária.

 

Em vez de depender principalmente de um encolhimento dos jornais,
as comunidades deveriam ter uma série de fontes diversas de cobertura
jornalística. E devem incluir organizações noticiosas não lucrativas e
comerciais que possam competir e colaborar entre si, adaptando formas
jornalísticas tradicionais às novas formas interativas de comunicação digital.

 

Num extenso estudo, encomendado pela Escola de Jornalismo da
Universidade Colúmbia, A reconstrução do jornalismo americano, a ser publicado
esta semana, sugerimos inúmeras fontes públicas de apoio para essa cobertura
jornalística: O Internal Revenue Service (Receita Federal) ou o Congresso devem
tornar mais claras as regras fiscais de modo a permitir explicitamente que
órgãos de notícias locais, novos ou existentes, atuem como entidades não
lucrativas ou com lucro mínimo, para receberem doação dedutíveis de impostos,
junto com a receita publicitária e outras fontes de renda.

 

As instituições filantrópicas e fundações precisam aumentar
substancialmente o apoio à cobertura noticiosa local – órgãos tanto comerciais
como não lucrativos – do mesmo modo que dão suporte a instituições educacionais,
culturais e artísticas.

 

As emissoras de televisão e rádio públicas devem ser
completamente reorientadas, com uma reforma e novas medidas apoiadas pelo
Corporation for Public Broadcasting (fundo de apoio à rede pública de
televisão), para que se possa oferecer uma boa cobertura local de noticiais em
cada comunidade atendida por essas emissoras públicas, o que muito poucas
oferecem hoje.

 

As universidades e faculdades precisam se tornar fontes
institucionais para a cobertura de notícias local, estadual e de
responsabilidade, seguindo a orientação das escolas de jornalismo pioneiras,
cuja comunidade de professores e estudantes de jornalismo trabalham em websites
de reportagens investigativas e notícias da comunidade.

 

Um fundo para notícias locais nacional deveria ser criado com as
taxas que a Comissão Federal de Comunicações arrecada dos usuários das
telecomunicações, emissoras com licença para transmitir programas ou provedoras
de Internet. Essas subvenções devem ser feitas por esse fundo para notícias
locais, competitivamente, para organizações de notícias locais, para
modernizarem seu trabalho informativo e ter recursos para sustentar esse
trabalho.

 

As organizações governamentais, não lucrativas e jornalistas
devem aumentar a acessibilidade e utilidade da informação pública, partindo dos
governos locais, estaduais e federais, aproveitando os recursos digitais para
analisar e usar essas informações na sua cobertura jornalística. 

 

Todas essas são medidas sensatas e possíveis de implementar.
Exigem somente uma liderança nas áreas de jornalismo, filantropia, do ensino
superior, do governo e do resto da sociedade, de modo a se aproveitar esse
momento de mudanças desafiadoras e novo início na mídia para se assegurar o
futuro da cobertura jornalística. 

 


*Leonard Downie Jr. é vice-presidente e ex-editor executivo do
Washington Post e professor de jornalismo na Universidade do Estado do Arizona.
Michael Schudson é professor de comunicação na Escola de Jornalismo da
Universidade Columbia.

Categorias: Jornalismo

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