Portal Uol, https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/12/uma-brasileira-na-pixar-nancy-kato-conta-como-e-trabalhar no-estudio.htm.12/03/2020
Uma brasileira na Pixar: Nancy Kato conta como é trabalhar no estúdio
Beatriz Amendola, Do UOL, em São Paulo
RESUMO DA NOTÍCIA
- A brasileira Nancy Kato trabalha na Pixar desde 1999, como animadora
- Ela fez parte das equipes de “Up”, “Valente” e de “Dois Irmãos”, que está em cartaz nos cinemas
- Em entrevista ao UOL, Nancy conta como é um dia de trabalho na Pixar
- Ela ainda diz que tem dificuldade de assistir aos filmes dublados em português, já que os animadores trabalham com as vozes originais em inglês
Os elfos e as criaturas mágicas de “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” têm um toque brasileiro. Isso porque, antes de chegarem aos cinemas, eles passaram pelas mãos da paulistana Nancy Kato, que trabalha há mais de 20 anos como animadora da Pixar, em São Francisco.
Formada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Nancy se mudou para os Estados Unidos para fazer um mestrado em computação gráfica, que lhe abriu as portas para trabalhar na equipe de efeitos especiais de filmes como “Waterworld” (1995) e “Abracadabra” (1993). Em 1999, ela foi contratada pela Pixar para trabalhar em “Toy Story 2” (1999), já em processo de finalização, e lá ficou.
A animadora fez parte de alguns dos principais projetos do estúdio de animação, como “Monstros S.A.” (2001), “Procurando Nemo” (2003), “Os Incríveis” (2004), “Ratatouille” (2007), “Wall-E” (2008), “Up – Altas Aventuras” (2009), “Toy Story 3” (2010) e “Valente” (2012) —sempre como animadora. Em “Dois Irmãos”, que conta a história de dois jovens elfos que embarcam em uma aventura mágica, ela assumiu o departamento de “fixes”, que é responsável por corrigir eventuais falhas que possam ocorrer durante o processo da animação.
“Às vezes, tem uma modificação na história, uma modificação na edição ou algum problema, alguma coisa que precisa ser corrigida. Eu sou responsável em administrar essas animações que precisam correções”, explica Nancy durante conversa com o UOL. Não que o departamento dela só entre em ação no fim da produção —pelo contrário, eles atuam ao longo de toda a produção, conforme as cenas vão ficando prontas: “No começo ainda é novidade, então não tem muita coisa para corrigir ainda. À medida vai chegando mais ao final do processo, precisa de mais ajustes na animação”.
A animação, afinal, é um processo meticuloso que se estende por cerca de um ano. “É um trabalho muito detalhado, de muita paciência. Um animador que faz uma cena faz segundos por semana. Eu faço uma cena e falo ‘olha, não pisca porque você vai perder’, são vinte e quatro quadros por segundo. Trabalhando com fixes, você tem que ter um olho bem apurado para ver se a animação tem uma performance correta”. Não à toa, a equipe de animação de um filme costuma ser sempre a mais numerosa: “Você precisa de várias pessoas para poder fazer esse volume de trabalho”.
O dia a dia da Pixar
Quando uma produção está em curso, o dia típico de um animador na Pixar começa com o que é chamado de “diária”: Os animadores se reúnem com o diretor do filme em uma sala de projeção e as cenas feitas são avaliadas por todos. “Todo animador fala que é difícil, porque é uma prova ver todo mundo falando do seu trabalho; mas também é muito bacana, porque você trabalha junto para trazer os personagens da vida”, conta Nancy.
Depois, cada animador dá continuidade a seu trabalho de forma individual e, pela parte da tarde, pode submeter suas novas cenas a um “walkthrough”, quando o diretor vem pessoalmente para dar um feedback sobre o trabalho feito.
O trabalho é intenso e às vezes pode se estender para os fins de semana. “Neste filme, teve alguns em que trabalhamos, mas não foram muitos. Às vezes, se algumas coisas precisam se refeitas, o cronograma fica mais apertado”, explica a animadora. A empresa, porém, costuma ser flexível com o horário dos funcionários. “Eles são bem flexíveis, o importante é você entregar seu trabalho”.
Um detalhe curioso é que, quando o trabalho dos animadores entra em ação, as vozes originais de uma produção já estão gravadas —no caso de “Dois Irmãos”, as dos protagonistas são feitas por Tom Holland e Chris Pratt. “A gente faz a atuação do personagem de acordo com a voz”, explica Nancy, que admite que esse processo causa um estranhamento com as dublagens em outras línguas: “É até difícil para mim assistir aos filmes em português. Se está dublado, a gente nota que está dublado”.
Desafios e evolução
Para Nancy, “Dois Irmãos” trouxe desafios muito próprios por conta dos elementos mágicos de sua história. “Os personagens são um pouco diferentes, são elfos, então a gente tem que explorar como que esses personagens se movimentam. E às vezes não é só aquela animação do humano, mas é uma animação um pouco diferente, porque tem mágica, uma coisa diferente do que temos no nosso cotidiano”.
A isso, soma-se ainda o fato de que as animações da Pixar foram se tornando mais e mais complexas ao longo dos anos. “Comecei a trabalhar aqui no ‘Toy Story 2’, que é mais com os brinquedos, então tem um tipo de animação pouco mais simplificada. Hoje em dia, os filmes que a gente faz são mais realistas e as pessoas sabem como um ser humano se movimenta, então é bem complexo”.
Esse processo foi acompanhado, claro, pela evolução da própria tecnologia, que permitiu criar animações cada vez mais elaboradas e ricas em detalhes. “Quando eu comecei, a gente ainda estava descobrindo a mídia do computador para animação. No começo era um processo bem mais limitado, era mais uma exploração das ferramentas. Hoje, alguns animadores novos já sabem toda a mágica de como fazer; na minha época, a gente tinha que descobrir”.
Para os brasileiros que desejam seguir seus passos, o conselho de Nancy é simples: persistir e trabalhar muito a sua conexão com a arte. “Se você tem aquela paixão, você tem que ir atrás e explorar muito sua parte artística. Acho que se tem aquele desejo, você vai chegar lá”.