Nova pagina 5

Folha de São Paulo, Ciência,
domingo, 02 de março de 2008


+ Marcelo Leite


A engenharia da pérola


Brasileiro busca substância com a dureza do vidro e a
flexibilidade do plástico


Imagine uma película com espessura de um quinto de fio de cabelo, tão resistente
quanto uma folha de alumínio e que pode ser esticada até 25% de seu tamanho
original -sem se romper. É o mais perto que engenheiros de materiais chegaram de
seu Santo Graal, entre eles um brasileiro que aprendeu a ouvir atentamente as
lições ensinadas por pérolas e conchas.

André Studart, 33, orgulha-se de ser um pesquisador que fez toda a formação -até
o doutorado- no Brasil. Mais precisamente, na Universidade Federal de São
Carlos. Mora há seis meses em Cambridge (EUA), para pesquisar na Universidade
Harvard, mas viveu por cinco anos e meio em Zurique, na Suíça. Quer regressar,
mas depende das condições no país e de uma deliberação familiar.

Seria uma pena se não voltasse. Em seu currículo carrega três patentes de novos
materiais e 45 artigos científicos. Entre eles o que foi publicado há nove dias
no periódico americano "Science", intitulado "Projeto e Montagem Bioinspirados
de Filmes de Polímeros Reforçados com Plaquetas".

Nos meios especializados, o trabalho que Studart desenvolveu com Lorenz Bonderer
e Ludwig Gauckler, ainda no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH, na
abreviação em alemão), foi saudado como uma façanha de biomimetismo. Sabe aquele
lugar-comum de arte imitando a vida? Pois é. O brasileiro e seus colegas suíços
buscam inspiração na engenharia viva de pérolas e conchas.

Quem já catou sapinhoás (berbigões) nas praias de Ubatuba sabe o quanto são
duras as conchas desses moluscos bivalves. O segredo de sua resistência é o
mesmo das pérolas: a madrepérola, ou nácar. Camada sobre camada de
microplaquetas de carbonato de cálcio unidas por um polímero natural, como
tijolos de cerâmica ultra-resistente mantidos no lugar por um cimento maleável.

Eis o pão e o vinho dos engenheiros de materiais: uma substância com a dureza do
vidro e a flexibilidade do plástico. No seu jargão, com alta resistência
mecânica e alta tenacidade (ductibilidade). Ou seja, uma coisa que agüente muita
pressão, por ser capaz de absorver boa parte da energia ao deformar-se, sem
quebrar.

Studart e companhia confiam na estrutura das conchas e das pérolas, mas preferem
outros materiais. "O espectro disponível para a natureza é bem menor que o
nosso", disse o cientista brasileiro. "O carbonato de cálcio é muito frágil e
pobre."

Eles substituíram o material das conchas, que não passa de um primo do giz, por
plaquetas de alumina (óxido de alumínio, Al2O3). Como cimento os pesquisadores
usaram quitosana, um biopolímero obtido de cascas de crustáceos, como camarões.

Copiando e melhorando o desenho natural, chegaram à película com resistência
mecânica duas vezes maior que a de conchas. Ela se deforma até 25% antes de
romper (conchas só se deformam de 1% a 2% até quebrar). A alumina, mais
resistente, permitiu reduzir a 10% a quantidade de plaquetas (conchas têm até
95% de carbonato de cálcio). O filme alcança a resistência do aço, mas com
metade do peso.

Um pesquisador militar americano já fez contato, para saber se teria aplicação
em capacetes e coletes à prova de bala. Poderá um dia ser usado em implantes
ortopédicos e dentários, fios de sutura ou qualquer coisa que exija alta
resistência combinada com biocompatibilidade. Ou em peças de aviões que, mais
leves, gastarão menos combustível. Há mais coisas entre o mar e o céu do que
podia sonhar -até agora- a nossa velha engenharia.



MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma"
(Editora da Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais – Espaço, Sociedade e
Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog:
Ciência em Dia (


www.cienciaemdia.zip.net

). E-mail:


cienciaemdia@uol.com.br


1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp