Nova pagina 5

 




Jornal
da Unicamp,
Campinas, 25 de
setembro de 2015 a 04 de outubro de 2015 – ANO 2015 – Nº 639

Grupo desenvolve plástico à base de óleo de mamona



Polímero testado na FEQ é biocompatível e poderá ser usado em próteses


Carlos Orsi

Pesquisadores da Unicamp
desenvolveram um método para a produção de plásticos biocompatíveis, que
potencialmente podem ser usados em próteses e outras aplicações médicas, a
partir de matérias-primas naturais como óleo de mamona e ácido cítrico, o mesmo
encontrado na laranja e no limão. Esse uso do ácido cítrico já gerou uma patente
para a Universidade, e é apresentado na tese de doutorado “Síntese de
biopolímeros a partir de óleo de mamona para aplicações médicas”, defendida pela
pesquisadora colombiana Natalia Lorena Parada Hernández na Faculdade de
Engenharia Química (FEQ) da Unicamp e orientada pela professora Maria Regina
Wolf Maciel, do Departamento de Processos Químicos da FEQ.

“O óleo de mamona já foi
usado na produção de próteses, só que trazia alguns problemas já identificados
nas aplicações e reportados na literatura”, disse o pesquisador e docente Rubens
Maciel Filho, do Departamento de Desenvolvimento de Processos e Produtos (DDPP)
da FEQ. Maciel falou ao Jornal
da Unicamp
 ao lado da
coorientadora da tese, Maria Ingrid Rocha Barbosa Schiavon. Dentre esses
problemas estava a reatividade química do material – o polímero não era
totalmente inerte. Este é um problema que o uso do ácido cítrico minimiza
significantemente, disseram os pesquisadores. 

“É preciso garantir que
o polímero seja biocompatível, avaliando se ele é tóxico, ou não, para a
célula”, descreveu Maciel. “Ele não pode causar mal algum à célula. Um
biomaterial deve ser inerte, ou ter interações benéficas, por exemplo
possibilitando uma integração do tecido vivo, em que o tecido do corpo humano
comece a crescer usando-o como base”.

“Muitos biopolímeros
usam solventes tóxicos durante a síntese”, acrescentou Ingrid. “Buscamos livrar
ao máximo toda a cadeia produtiva do polímero de agentes que possam trazer
alguma toxicidade”.



PROCESSO

 Os pesquisadores
explicam que a produção de polímeros, como poliésteres, a partir do óleo de
mamona envolve um processo chamado epoxidação, em que o óleo se torna
quimicamente reativo, e uma “cura”, quando as cadeias reativas de moléculas se
ligam formando uma rede tridimensional, dando origem ao polímero. O processo de
epoxidação contou com a colaboração do doutorando Anderson de Jesus Bonon,
gerando também uma patente para a Unicamp.

“A epoxidação do óleo de
mamona é a transformação do óleo no monômero que será a matéria-prima de partida
para a síntese do polímero”, explicou a pesquisadora. Dentro desse processo não
foi feito uso de qualquer solvente que apresente potencial toxicidade. Já o
ácido cítrico entra na “cura”, ligando as redes de moléculas e garantindo que o
plástico se mantenha rígido e inerte. Maciel disse que os testes para avaliar a
toxicidade do plástico de mamona com ácido cítrico em células vivas já foram
realizados, e prevê novos ensaios envolvendo animais e, mais para o futuro, em
seres humanos, em parceria com a Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp
e seguindo rigorosas diretrizes éticas.

“Essa tese tem uma
contribuição muito interessante, que é a de agregar valor a um produto que o
Brasil produz, que é o óleo de mamona. E todo o conceito e o desenvolvimento
desse biomaterial se deu dentro dos preceitos de que não deve atacar, não deve
prejudicar o corpo humano em hipótese alguma. Ele precisa ser desenvolvido e
produzido sem qualquer tipo de solvente ou produto químico que altere ou que
faça mal para o corpo humano. É um desafio você fazer algo realmente só com
reagentes que permitam depois o uso desse polímero como biopolímero, compatível
com a saúde humana”, disse Maciel.



PATENTE

Além de, em princípio,
não apresentar toxicidade, o polímero criado na FEQ tem outras características
atraentes: “Tem boa resistência química, resistência mecânica considerada boa
para aplicações que não requerem muita rigidez e alta absorção de impacto, o que
significa que ele tem muito potencial para ser utilizado, inicialmente, na
construção de matrizes para crescimento celular [scaffolds]”,
explicou Maciel. Além disso, ele pode ser utilizado na produção de películas
para a proteção de ferimentos ou no auxílio à cicatrização.

“Se você tem uma área do
corpo que requer um esforço físico maior, é necessário o desenvolvimento de um
polímero mais rígido, que suporte esse tipo de tensão ou de esforço. Se a
aplicação for para recobrir uma área para a recuperação de uma úlcera ou
ferimento que requeira o uso de um filme, ou como parte de um agente que melhore
a cicatrização de pessoas que têm doenças como diabetes, por exemplo, é possível
produzir o polímero de forma que seja mais flexível”, exemplificou. “É um
material com uma flexibilidade muito grande em termos de possíveis aplicações.
Agora que o processo foi desenvolvido, abrem-se caminhos para trabalhar em
condições apropriadas que permitam obter produtos com características desejadas,
destinada a aplicações específicas.” 

 O uso do ácido cítrico
na “cura” do plástico já foi patenteado no Brasil, com apoio da Agência de
Inovação da Unicamp (Inova), e agora os pesquisadores têm interesse em proteger
o invento internacionalmente. Maciel acredita que essa inovação tecnológica
gerada na Unicamp irá interessar à indústria, já que ela será usada em produtos
personalizados e de alto valor agregado.

 “A produção de
biomateriais não é uma commodity ou
um material que possa ser adquirido facilmente, principalmente para aplicações
específicas”, disse. “A tendência com os desenvolvimentos já realizados e as
pesquisas em andamento é desenvolver partes customizadas, que atendam inclusive
pacientes que hoje fazem uso do SUS com dificuldades de pagarem por materiais
importados. Muitas pessoas acabam isoladas da sociedade e do mercado de trabalho
por terem uma deficiência que pode ser corrigida ou minimizada, permitindo sua
reinserção social. O desenvolvimento dos biomateriais e, depois, do dispositivo
nas características desejadas envolve muita tecnologia, desde a formação do
monômero até a constituição do material final no formato exato para
implantação”.



FUTURO

A autora da tese,
Natalia Lorena Parada Hernández, deve retornar ao Brasil para dar continuidade à
pesquisa no pós-doutorado. “Ela deve fazer os testes que faltam e também
participar conosco na otimização e na ampliação das formas de processamento e
sua conexão com a obtenção das características desejadas do material”, disse
Maciel. 

Com base em experiências
anteriores, o pesquisador acredita que as primeiras aplicações do novo plástico
de mamona podem estar prontas num prazo não muito longo. “Dependendo da
aplicação, e de a Natália continuar com essas atividades, o material para o
tratamento de úlceras de pele, por exemplo, deve estar pronto, depois de todos
os testes, dentro de dois anos”, estima. 

“Já outros tipos de
aplicação, como próteses, envolvem um tempo maior, porque é preciso realizar
testes in
vivo
 e avaliar os
resultados. Pela experiência que temos das pesquisas em andamento com outros
materiais, esse tempo, no mínimo, dobraria”. A chegada efetiva ao mercado, por
sua vez, envolve prazos maiores, por conta das exigências de órgãos reguladores
como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).



EDUCAÇÃO

Tanto Ingrid quanto
Maciel destacaram o envolvimento de estudantes de iniciação científica e de
pós-graduação. “O projeto chama muito a atenção dos nossos estudantes, pela
aplicação em si e pelo contexto social no qual está inserido, uma vez que
potencialmente irá permitir o acesso da população mais carente a tratamentos que
façam uso destes biomateriais”, disse o pesquisador. 

Ambos também afirmam que
o desenvolvimento de biomateriais e a elaboração do produto funcional envolvem
um trabalho interdisciplinar que reúne esforços de pesquisadores e estudantes de
várias áreas como Engenharia Química, Engenharia Mecânica e Medicina, e
posiciona o Biofabris (Instituto Nacional de Biofabricação), onde o trabalho foi
desenvolvido, em posição de destaque, até mesmo no cenário internacional.

 



Publicação



Tese
:
“Síntese de biopolímeros a partir de óleo de mamona para aplicações médicas”



Autora
:
Natalia Lorena Parada Hernández



Orientadora
:
Maria Regina Wolf Maciel



Coorientadora
:
Maria Ingrid Rocha Barbosa Schiavon



Unidade
:
Faculdade de Engenharia Química (FEQ)


1 comentário

Os comentários estão fechados.

× clique aqui e fale conosco pelo whatsapp