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Jornal da Unicamp, Campinas, 09 de setembro de 2013 a 15 de
setembro de 2013 –
ANO 2013 – Nº 574

Fio de sutura com células-tronco acelera a cicatrização de feridas


Material
desenvolvido na FCM é capaz de acelerar a regeneração de tecidos em fístulas
intestinais


ALESSANDRO SILVA

O resultado surpreendeu até mesmo os pesquisadores
que acompanhavam a evolução de uma fístula intestinal – uma ferida aberta,
provocada por uma falha de cicatrização ainda de origem desconhecida e de
difícil tratamento. No terceiro dia após a aplicação de um inédito fio de sutura
enriquecido com células-tronco, notaram que a área do ferimento havia diminuído
de tamanho, e quase fechado (75%). Trata-se de uma regeneração bem acima da
obtida com os atuais recursos convencionais e que aplicam uma longa e complicada
recuperação nos pacientes com esse tipo de problema em humanos, que pode durar
de oito a dez semanas.

No
estudo, células-tronco mesenquimais foram as responsáveis pelo “milagre” que
acelerou a regeneração de tecidos em testes com animais (ratos). Elas estão no
organismo humano porque possuem a capacidade de se diferenciar (transformar-se)
em vários outros tipos de células, podendo iniciar a formação de um novo tecido,
o que explica o resultado obtido. Na medicina, foram descritas pela primeira vez
nos anos 70 e, desde então, pesquisadores têm buscado formas para aproveitá-las,
o que não é tão simples, como mostram outros estudos no mundo e experimentos
produzidos na Unicamp, para descobrir a melhor forma de transformá-las em outros
tecidos e implantá-las no organismo.

O tempo médio de recuperação de fístulas intestinais
em ratos, no tratamento convencional, está próximo do necessário para o
tratamento de humanos (até dez semanas).

“As células mesenquimais podem ter se transformando
em outras células [as que faltavam no local da ferida] ou liberado substâncias
que propiciaram a diminuição do processo inflamatório e melhor vascularização na
área e ativaram as células-tronco do próprio tecido na área afetada, para que se
multiplicassem ali”, afirma Ângela Luzo, sobre o efeito no processo de
cicatrização acelerado observado durante a pesquisa de mestrado realizada pelo
biólogo Bruno Bosch Volpe. Os efeitos provocados por elas serão estudados pelo
Grupo de Multidisciplinar de Terapia Celular da Unicamp, na tese de doutorado do
autor do trabalho, quando também deverão acontecer os estudos clínicos, ou seja,
os testes em humanos.

A grande inovação da pesquisa não foi o uso de
células-tronco, mas a metodologia desenvolvida para “injetá-la” na fístula, por
meio de um “fio de sutura enriquecido com células mesenquimais”, patenteado pela
Agência de Inovação Inova Unicamp. De acordo com os pesquisadores, a simples
aplicação das células no local do ferimento, como demonstrado em experimentos
com cobaias, não apresentou o mesmo efeito de cicatrização.

A pesquisa juntou, com sucesso: um fio de sutura
comum, usado há décadas pela medicina; uma cola cirúrgica humana (de fibrina),
um selante biológico produzido a partir do plasma do sangue, que não tem contra
indicações nem causa reação nos pacientes; e milhões de células tronco
mesenquimais humanas, capazes de acelerar a cicatrização. “Com a aplicação do
fio, observamos uma recuperação de 90% [média] da área afetada pela fístula,
após 21 dias, sendo que em alguns animais a ferida fechou completamente”, avalia
Bruno.

Em outras pesquisas realizadas no mundo, segundo o
estudo brasileiro, foram testadas a aplicação de células-tronco diretamente na
ferida (Espanha), mas sem o mesmo resultado de cicatrização, e a produção de um
fio semelhante (Estados Unidos), produzido por meio de outro processo, mas em
quantidade limitada – na Unicamp, os pesquisadores conseguiram a adesão de
células em um fio longo com trinta centímetros, aplicado após dois dias da
preparação, mas há uma expectativa de que ele “sobreviva” por sete dias.

O grupo brasileiro já tinha avaliado a efetividade da
capacidade de adesão de células-tronco na cola de fibrina em um projeto de
iniciação científica realizado pela aluna Larissa Berbert, sob a orientação do
professor Paulo Kharmandayan, do Departamento de Cirurgia da FCM, e da
professora Angela Luzo, hematologista. Essa linha de investigação surgiu a
partir de uma aula na disciplina de cirurgia plástica, realizada em 2005 pelo
cirurgião plástico Ithamar Stocchero, que questionou a possibilidade de
células-tronco aderirem ao fio de sutura.

Anos mais tarde, o projeto da Unicamp funcionou
porque, em laboratório, foi possível cultivar as células-tronco, aplicá-las no
fio de sutura e, principalmente, mantê-las vivas, em quantidade suficiente, para
que elas entrassem em ação na área do ferimento. Imagens captadas com a ajuda de
microscópio mostram as células aplicadas aos filamentos que se entrelaçam no fio
de sutura, completamente tomado pela cor verde, que marca cada uma delas, todas
vivas, prontas para iniciarem o processo de cicatrização observado.


Indicação

Em média, 2% de pacientes submetidos a cirurgias no
intestino desenvolvem esse tipo de fístula que serviu como base para os estudos,
mas esse número pode chegar a 20% no caso de pacientes de risco, aqueles que
estão tomando remédios imunossupressores, debilitados pelo câncer ou são
portadores de algumas doenças específicas. “No tratamento convencional, na maior
parte das vezes, é feita uma tentativa de sutura direta da fístula, o que é
bastante complicado de fazer, ou há um suporte nutricional para o paciente e
espera-se que a fístula feche, o que pode demorar, às vezes, 40 dias”, afirma o
médico Joaquim Bustorff-Silva, professor e coordenador do Departamento de
Cirurgia da FCM, que participa do grupo de pesquisa.

Quando estiver acessível à medicina, a nova
tecnologia permitirá um “tratamento simples” e deve reduzir o tempo de
recuperação dos pacientes. “Isso diminuirá muito a necessidade de internações,
as complicações por causa das fístulas, mas, basicamente, reduzirá muito o tempo
para a resolução do problema”, avalia o professor. A ferida aberta degrada a
saúde do paciente, provoca perda de peso, desidratação, entre outros problemas.

Além disso, dois resultados chamam a atenção no
estudo: não haveria a necessidade de avaliar a compatibilidade das
células-tronco usadas no fio de sutura para os pacientes, como ocorre hoje em
determinadas terapias; e não houve sinais de rejeição e inflamação do organismo
em relação às células implantadas. Nos experimentos realizados pela Unicamp,
fios de sutura foram enriquecidos com células-tronco humanas para aplicação em
fístulas intestinais de cobaias (ratos), em um procedimento conhecido como
“xenotransplante”.

Por enquanto, o tratamento é uma solução ainda cara,
mas com potencial de aplicação em vários procedimentos da medicina,
particularmente em pacientes de risco, como forma de acelerar a cicatrização e
reduzir as complicações em procedimentos cirúrgicos, segundo os pesquisadores. O
fio enriquecido tanto pode ser utilizado preventivamente como no tratamento de
problemas desse e de outros tipos de fístulas.


Fabricação

No estudo realizado na Unicamp, as células-tronco
mesenquimais foram extraídas da gordura – sim, aquela “substância amarelada”
retirada em lipoaspiração é muito rica em uma variedade de células-tronco. “Esse
tipo de célula existe em todos os tecidos, mas, para extrair, manipular, a
gordura é a fonte mais fácil”, explica a pesquisadora Ângela Luzo. A medula
óssea ou do sangue de cordão umbilical seriam outras fontes desse tipo de
material.

De cerca de 20 ml a 30 ml de gordura, onde existem em
torno de um milhão de células mesenquimais, o método permite multiplicá-las em
laboratório e, ao final de 20 dias, existirão de 4 a 5 milhões delas, prontas
para o processo de fabricação do fio enriquecido. A cola humana de fibrina,
usada na produção, foi aprimorada para favorecer a adesão delas às fibras de
sutura (veja na arte). Os médicos a usam para conter um sangramento,
principalmente quando os pontos não dão conta sozinhos de estancar o sangue.

Na prática, ao absorver o fio enriquecido com
células, o organismo recebe o “remédio” que acelera a proliferação de tecido no
local da ferida e isso apressa a cicatrização.

“Pego o fio de sutura, coloco em cultura, gotejo um
milhão de células nele e aplico a cola para que elas fiquem aderidas. Depois que
impregnou o material, não solta e elas ficam vivas”, explica Bruno, ao lembrar
que haviam três problemas principais a serem superados: que as células morressem
em contato com a cola, que ambas não resistissem ao procedimento cirúrgico
(aplicação no tecido) e que não houvesse quantidade suficiente delas para ativar
o processo de regeneração da área afetada pelo ferimento.

Na etapa de testes em animais (ratos), foram
acompanhados três grupos: o primeiro, no qual observou-se a recuperação
espontânea do organismo; o segundo, de ratos que receberam a aplicação direta de
células-tronco mesenquimais; e a terceira, formada por aqueles que tiveram a
ferida tratada com os fios de sutura enriquecidos.

A próxima etapa da pesquisa é estudar qual foi a
função das células-tronco na cicatrização, onde e como elas ajudaram no
processo, segundo o biólogo. O Grupo de Multidisciplinar de Terapia Celular da
Unicamp planeja produzir, em maior escala, os fios de sutura enriquecidos com
células mesenquimais aderidas para a realização de testes em humanos, que devem
ocorrer ao longo dos próximos quatro anos.


Recuperação ocorre em menos tempo

 A
cicatrização das fístulas em ratos que receberam fios de sutura enriquecidos com
células-tronco mesenquimais ocorreu, em média, 15 dias depois do procedimento,
evolução mais rápida e bem diferente do que foi observado nos dois outros grupos
de cobaias do experimento – dos que tiveram recuperação natural do ferimento e
daqueles que passaram por procedimento de aplicação direta de células-tronco no
local da ferida.

“Sabemos
que esse tipo de célula [mesenquimais] libera vários fatores estimulantes de
crescimento, substâncias que melhoram a cicatrização, que diminuem o processo
inflamatório na região e que, portanto, poderão ser aplicadas em outros tipos de
cirurgias e tratamentos”, afirma a hematologista Ângela Cristina Malheiros Luzo,
professora da pós-graduação em Ciências da Cirurgia da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp, orientadora da pesquisa.

No
experimento, todos os ratos tinham fístulas intestinais do mesmo tamanho. Os
ferimentos foram acompanhados diariamente com o apoio de um programa de
computador capaz de avaliar, por milímetro quadrado, a regeneração dos tecidos
da área  afetada.

Segundo
o autor do estudo, o biólogo Bruno Bosch Volpe, o grupo de cobaias que não
recebeu nenhum tipo de tratamento, após 21 dias, apresentou pouca evolução
depois de praticamente o dobro do tempo esperado para a cicatrização. “No outro
grupo, que recebeu as células-tronco, semelhante ao realizado por pesquisadores
espanhóis, a recuperação foi de 70% (da área afetada pela fístula). Com a
aplicação do fio, no mesmo período, a recuperação média ficou em 90%”, explica.
Além disso, em três dos nove ratos que receberam a sutura enriquecida, de fato,
tiveram cicatrização completa da ferida durante o período observado.

O
gráfico que mostra a evolução do fechamento da fístula, nos três grupos de
cobaias, impressiona, assim como as fotos que demonstram a recuperação completa
do tecido da ferida naqueles que receberam o fio com células mesenquimais. “No
terceiro dia, o resultado obtido é praticamente igual ao obtido, depois de 21
dias, com a aplicação de células-tronco no local da fístula”, afirma o
pesquisador.

A
aplicação direta das células, sem o fio, foi um experimento realizado na Espanha
e reproduzido pela Unicamp para comparação. Lá, pesquisadores realizaram o
trabalho voltado para um possível tratamento da doença de Crohn, uma inflamação
crônica do intestino, de origem autoimune e ainda desconhecida. Os sintomas e o
tratamento dependem de cada caso, mas é comum a ocorrência de dor abdominal,
diarreia, perda de peso e febre. Atualmente, não há cura, mas procedimentos para
aliviar as complicações enfrentadas pelos doentes.

O
resultado obtido pela pesquisa demonstra a importância do fio de sutura
enriquecido desenvolvido na pesquisa da Unicamp para o processo de recuperação e
prevenção de fístulas intestinais. Mais do que isso, a mesma metodologia poder
ser experimentada em outros tipos de procedimentos semelhantes, o que aumenta o
potencial de uso pela medicina, de acordo com os pesquisadores do Grupo de
Multidisciplinar de Terapia Celular.

Esse grupo de pesquisa da Unicamp, além de
pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), envolve ainda as
Faculdades de Engenharia Mecânica (FEM), Engenharia Química (FEQ), mais os
Institutos de Biologia(IB), Química (IQ) e Física (IFGW), além do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia em Biofabricação (Biofabris) e o Laboratório
Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).



Publicação


Dissertação:
 “Utilização
de fio de sutura com células tronco mesenquimais de tecido adiposo aderidas:
Avaliação da cicatrização e recuperação de fístulas enterocutâneas em ratos”


Autor:
 Bruno
Bosch Volpe


Orientadora:
 Ângela
Cristina Malheiros Luzo


Unidade:
Faculdade de Ciências Médicas
(FCM)


Financiamento:
CNPq


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