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O Estado de São Paulo, Domingo, 27 janeiro de 2008


FEMININO
 

 

 

 


Abaixo a sabotagem


Especialista em
marketing de relacionamento, Ana Maria Leandro fala sobre as relações
profissionais

 

Ciça Vallerio

Ana Maria Leandro
prega, em suas palestras, ambientes de trabalho mais saudáveis, prazerosos e com
menos conflitos. Dessa forma, segundo ela, ganham empregados e patrões, já que
funcionários satisfeitos produzem mais e melhor. Conceito que é levado aos
treinamentos que dá sobre gerenciamento de equipes e fidelização de clientes.

 

Formada em Letras,
pós-graduada em Administração Mercadológica, e atuando também como coaching
(espécie de aconselhamento profissional), fundou a primeira empresa de serviços
de marketing por telefone no Brasil. Mais tarde, criou sua consultoria, a AML
Marketing de Relacionamento, e tornou-se um dos nomes mais respeitados do ramo.
Com anos de experiência e passagens por empresas de peso, sabe como ninguém que
relacionamento conflituoso é péssimo negócio.

 


Qual o principal
empecilho nas empresas, que dificulta o bom relacionamento entre funcionários?

 

É a tendência de
preservar os territórios conquistados, como faziam nossos ancestrais em relação
às suas cavernas. Isso ficou muito claro na pesquisa da especialista em ciência
comportamental, Annette Simmons, com executivos americanos, pela qual ela
concluiu que dez “jogos territoriais” estão fortemente enraizados no ambiente de
trabalho. Esses jogos, voltados para a preservação do território, ocorrem também
nas nossas empresas e se explicam, em primeiro lugar, pela insegurança que as
pessoas sentem por causa dos constantes enxugamentos no quadro de funcionários.
Para permanecerem no emprego, muitos encaram uma carga de trabalho exaustiva, em
detrimento de sua qualidade de vida. Em alguns lugares, sair no horário é visto
como falta de comprometimento! Portanto, inseguros, sem uma vida pessoal
saudável, essencial para nosso equilíbrio, e desejosos de reconhecimento, muitos
acabam criando barreiras para preservar seu status profissional e dificultar a
ascensão de potenciais competidores internos. Por isso, empresas gastam fortunas
para tentar quebrar o individualismo que está por trás dessa defesa de
território, oferecendo cursos de desenvolvimento do trabalho em equipe.

 


Preservar território
não é uma reação natural do ser humano?

 

Sim, é uma
característica atávica e começa na infância, quando tentamos monopolizar a
atenção dos pais, avós, tios e professores, ou quando brigamos pelos brinquedos.
Na adolescência, isso fica muito mais evidente. Aqueles que fazem parte de um
grupo compartilham tudo, de roupa e cortes de cabelo a informações sobre o que
fazer e aonde ir. Mas quem está de fora não tem o mesmo acesso. Entre os jovens,
isso também é nítido. Formam-se as “panelinhas”, que também são uma maneira de
limitar o território no âmbito pessoal. Na fase adulta, essas reservas de
território passam a existir no mundo empresarial e prejudicam demais o trabalho
e a produtividade, e têm forte impacto negativo no bem-estar das pessoas.

 


Existem diferenças
entre homens e mulheres nesse quesito?

 

Independe de sexo. É
um comportamento típico de seres humanos inseguros, com autoconfiança precária,
que buscam maneiras de se proteger. Já vi mulheres escondendo de suas melhores
amigas informações bobas, como o nome do perfume, só para manterem
exclusividade. Essa incapacidade de compartilhar pode acompanhar mulheres e
homens pela vida e influenciar negativamente seu desempenho no ambiente
profissional e em outros círculos sociais.

 


Como funcionam os
jogos territoriais nas empresas?

 

Annette Simmons relata
dez deles. Veja como alguns funcionam. O Jogo da Ocupação ocorre quando a pessoa
toma posse de determinados espaços ou projetos, bloqueando acesso, cortando o
fluxo do trabalho, dificultando o processo. Tudo precisa passar por ela ou ter
sua anuência ou autorização. No Jogo da Manipulação, a pessoa fornece
informações filtradas, incompletas e, às vezes, distorcidas, mesmo que possa
prejudicar o trabalho do outro. O Jogo da Intimidação, bullying ou assédio
moral, é a conhecida “fritura”, são humilhações públicas ou disfarçadas. É o ato
de ameaçar ou criticar de forma destrutiva. No Jogo da Parede Invisível, diante
da solicitação de uma informação ou apoio, a pessoa responde com evasivas do
tipo: “acho que não vou poder te ajudar”, “não sei”, “não vi”, colocando
barreiras. No Jogo do Descrédito, a tendência é diminuir a pessoa ou sua
contribuição, quando ela apresenta uma nova idéia ou um novo projeto. O Jogo da
Exclusão é também muito comum em empresas, quando um colega ou subordinado passa
a ser impedido de participar de reuniões, e recebe informações por meio de
terceiros ou nem sequer as recebe.

 


Como esses jogos
territoriais afetam o trabalho?

 

Obviamente, são
péssimos para o grupo e para a empresa, porque cada ação corresponde a uma
reação. As pessoas que se vêem vítimas de um jogo territorial têm a tendência de
dar o troco, passando a se defender também, e podem usar armas ainda mais
perigosas. Ampliam-se as desconfianças mútuas, multiplicam-se as críticas
veladas, o descontentamento se propaga. O ambiente fica cada vez mais insalubre.
Vale uma leitura dos resultados da pesquisa realizada recentemente pela Betânia
Tanure, da Fundação Dom Cabral, no livro Executivos e (In)felicidade. A
insatisfação pessoal entre executivos, relatada por ela, é certamente
conseqüência de jogos territoriais. Precisamos aprender a identificá-los no
comportamento dos outros e no nosso, para combatê-los.

 


O que pode ser feito
para amenizar os conflitos?

 

Nas minhas palestras,
sempre digo que o ideal é resgatar e levar para o nosso convívio no trabalho, ou
em qualquer outro lugar, valores como generosidade, respeito às diferenças,
solidariedade, afeto e humor. Deveriam estar no topo dos nossos princípios de
convivência, ao lado de ética, honestidade, comprometimento. São ações simples
que tornam a vida na empresa muito mais prazerosa e produtiva. O trabalho em
equipe sequer precisará ser incentivado. Será uma decorrência natural, se tais
valores forem postos em prática.

 


O que a empresa pode
fazer?

 

Já que as condições
ambientais de trabalho e as relações de cooperação entre chefia e colegas são os
fatores psicológicos e sociais que mais influenciam a produtividade, nos
processos seletivos, em vez de focar principalmente no conhecimento técnico, as
empresas deveriam privilegiar pessoas que sigam princípios dignos e demonstrem
facilidade no contato humano. Dar mais chance para quem gosta de gente, pois
quem se empenha em entender o outro lida melhor com as diversidades e é capaz de
criar climas mais saudáveis, leves e prazerosos. Valorizar a capacidade de
relacionamento e o empenho em praticar valores admiráveis. Isso parece óbvio,
mas nem todas as empresas estão efetivamente empenhadas em desenvolver ações que
impeçam que o ambiente de trabalho seja um caldeirão em permanente ebulição, que
a cada final de expediente devolve aos lares e às famílias uma legião de
criaturas estressadas e infelizes.

 


Fora a disputa
territorial, a falta de comunicação entre as pessoas também não seria um
agravante?

 

Claro que sim! A falta
de compreensão do verdadeiro sentido do diálogo é outra fonte de mal-entendidos
e de conflitos no trabalho e nas relações em geral. Costumo citar uma frase da
antropóloga e coach Sarita Chawla: “o diálogo não é apenas falarmos uns com os
outros. Mais do que falar, é uma maneira especial de ouvirmos uns aos outros –
ouvir sem resistência, que é ouvir com disposição para sermos influenciados.”
Porém, o mais comum é ocorrer o contrário: ouvimos alguém expor algo já pensando
nos argumentos que vamos contrapor. O fundamental é ouvir com disposição para
repensar nossos conceitos e mudar. Mas o comum é elucubrar e tirar conclusões
precipitadas e nem sempre positivas – o que prejudica o relacionamento e é um
estímulo à hostilidade, à propagação da imagem negativa do outro.

 


Como surgem os
mal-entendidos e conflitos?

 

O professor de
Harvard, Chris Argyris, denominou esse processo de “escada de inferências”.
Funciona da seguinte maneira: diante de uma situação, a pessoa cria um
significado e, imediatamente, em fração de segundos, faz algumas suposições,
chega a uma conclusão, adota uma convicção e decide agir de uma determinada
forma. Vou dar um exemplo para ficar mais claro. Imagine a cena: uma colega
chega atrasada para uma reunião e se senta discretamente no fundo da sala.
Possivelmente, ela não quer incomodar ninguém no momento e pretende justificar
seu atraso posteriormente. Mas, no mesmo instante, passam pela mente de outro
participante – ou de vários – os seguintes pensamentos: “ela chega atrasada e
nem pede desculpas”, “isso demonstra falta de profissionalismo”, “ela acha que
esta reunião não é importante”, “ela se julga mais importante do que todos nós
aqui”, “ela não sabe trabalhar em grupo”, “quem tem espírito de equipe chega
pontualmente”, “vou fazer de tudo para que ela fique de fora desse projeto”,
etc. É assim que a mente humana normalmente funciona. Ao evitarmos tais
inferências e pré-julgamentos, podemos transformar relações doentias em
relacionamento respeitoso e afetuoso.

 


Em síntese, em vez de
preservar territórios, temos de preservar a saúde das relações?

 

Exatamente! E as
pessoas têm saúde mental quando se sentem bem consigo mesmas e em relação às
outras pessoas. Quando podem viver de acordo com seus ideais e têm tranqüilidade
para pôr em prática seu talento e habilidades.

 


Que outros fatores
prejudicam as relações profissionais?

 

A presunção é um
comportamento danoso. Aquela sensação de que ninguém é melhor ou pode mais do
que você. É fácil esbarrar também em inflexibilidade. Gente que acredita que o
único ponto de vista correto é o seu e tem dificuldade para enxergar os fatos
sob outro ângulo. Outro fator que prejudica é a facilidade com que certas
pessoas desenvolvem a animosidade e raiva. Tudo está interligado. Uma pessoa
presunçosa e inflexível, que não consiga fazer valer sua vontade, tende a agir
com animosidade e raiva. São reflexos do seu inconformismo e da sensação de
impotência diante de fatos que a incomodam. Uma forma de cortar esse mal é
incluir a humildade e a maleabilidade no cardápio de práticas diárias. E
exercitar a assertividade quando algo realmente nos aborrecer: dizer com
franqueza e diplomacia o que pensamos e sentimos. Precisamos falar das nossas
emoções e mostrar ao outro o impacto negativo que suas atitudes e posturas
tiveram sobre nós. Assim, evitaremos que ressentimentos, provocados por
frustrações e mágoas não manifestadas, reapareçam no futuro totalmente fora do
contexto, expostos de maneira impulsiva e agressiva.


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