Valor, https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/01/06/advogadas-investem-em-bancas-formadas-apenas-por-mulheres.ghtml, (01/2020)

Advogadas investem em bancas formadas apenas por mulheres

Modelo surgiu a partir de dificuldades para se alcançar liderança em escritórios

Por Adriana Aguiar — De São Paulo

Um número cada vez maior de advogadas tem deixado de trabalhar em bancas tradicionais ou empresas para fundarem escritórios próprios formados apenas por mulheres. O motivo é simples. Elas já representam praticamente metade dos profissionais do país – 581.527 advogadas, ante 592.262 advogados, segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – mas ainda assim estão em desvantagem nos cargos de liderança em escritórios e departamentos jurídicos.

No Paraná, por exemplo, há 1.841 escritórios formados exclusivamente por mulheres. A OAB do Estado foi a primeira a admitir, em 1994, que as bancas “femininas” utilizassem a nomenclatura “Sociedade de Advogadas”. Na Bahia, já são 712 sociedades formadas apenas por mulheres, no Rio de Janeiro são 609 e no Ceará 353. A maior seccional do país, a de São Paulo, porém, não possui esses dados.

Em 2016, as advogadas e atuantes em movimentos feministas Ana Paula Braga e Marina Ruzzi decidiram fundar o Braga e Ruzzi Sociedade de Advogadas, um dos primeiros do Brasil a se especializar no atendimento de demandas femininas e a defender apenas mulheres. “Não existia nada parecido no mercado e como fazemos parte de movimentos feministas, percebemos que que havia uma demanda de mulheres que sofriam violências e que queriam advogadas mais sensíveis a suas causas”, diz Ana Paula. A ideia, segundo a outra fundadora, Marina, foi reunir na banca as diversas áreas do direito, como criminal e família, para assessorar esse público nas mais diversas frentes.

Já Fabíola Marques e Cláudia Abud demoraram 25 anos para concretizar uma vontade existente desde o início da composição da banca: registrar a sociedade como de advogadas. O escritório hoje é denominado Abud Marques Sociedade de Advogadas. “Nosso projeto desde o primeiro momento era realçar que somos advogadas. Na época da fundação, porém, imaginamos que em vez de favorecer, a ideia poderia afastar clientes”, afirma Fabíola. A vontade foi concretizada no 25º aniversário da banca. “Agora, mais do que nunca, existe a necessidade de mostrar para o mundo que conseguimos sozinhas nosso espaço”, diz a advogada que já atuou na presidência da Comissão da Mulher Advogada na OAB-SP e foi a primeira mulher a presidir a Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo.

Ter o nome “advogada” não foi algo fácil. Alguns escritórios encontraram resistência nas seccionais para se registrarem dessa forma. Em novembro de 2018, porém, o Conselho Federal da OAB solucionou a questão e autorizou a inscrição das bancas como Sociedade de Advogados, Advogadas ou Advocacia.

De acordo com a vice-presidente da OAB Paraná, Marilena Winter, embora as mulheres já sejam praticamente metade dos profissionais inscritos também na seccional do Paraná, onde atua, com 35.097 advogadas e 37.252 advogados, ao analisar a quantidade em cargos de direção, os homens ainda representam o dobro. São 5.084 inscritas como sócias, ante 9.532 sócios nas bancas. “Ainda existem obstáculos para que a mulher possa alcançar a liderança na carreira”, diz. Ela atribui parte desse cenário à maternidade, que acaba sendo para a mulher um fator de estagnação temporária, diante dos cuidados necessários com os filhos. “Essa suspensão da carreira nada tem a ver com a capacidade”, afirma.

Para ela, ainda é necessário um trabalho de e conscientização para a questão feminina nos escritórios, que poderiam oferecer horários mais flexíveis, licença maternidade que pode-se revezar com paternidade, entre outras medidas. “Temos capacidade de trabalho e energia produtiva como a dos homens e esse ponto já foi vencido. Agora enfrentamos outros desafios como igual remuneração, igual  condição de acesso a cargos de liderança e promoções”, afirma.

A advocacia ainda é uma profissão machista, na opinião da criminalista Daniela Teixeira, do Daniela Teixeira Advocacia, banca que conta com quatro sócias e duas estagiárias. Ela, que já foi indicada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para assumir uma vaga de ministra no Superior Eleitoral (TSE), afirma que a Justiça tem sido mais avançada neste sentido. Em 2018, por exemplo, a presidência do Supremo pertencia à ministra Carmen Lucia e a procuradoria-geral da República era comandada pela Raquel Dodge. “Eram mulheres em todas as pontas do Judiciário, mas não é assim na OAB”. Para ela, apesar dos avanços, a Ordem “ainda continua sendo um clube de homens brancos e velhos”, diz.

Ela avalia, porém, que aos poucos, o cenário vem melhorando. “Quando eu assumi como conselheira da OAB federal, éramos cinco mulheres dentre 81 membros. Agora são 18 conselheiras”, diz. Atualmente, há 19 mulheres como vice-presidentes das seccionais da Ordem no país, segundo a advoga. O Distrito Federal, o Rio Grande do Sul e o Paraná já tiveram presidentes mulheres. A OAB federal ainda não.

Daniela afirma que foi uma vitória conseguir com o atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, a garantia de que 50% dos palestrantes na Conferência Nacional da Advocacia deste ano sejam mulheres. Na área penal, ela afirma ter obtido o obtido o primeiro habeas corpus para um investigado na Operação Lava-Jato. Mas, segundo Daniela, as advogadas ainda não têm a mesma visibilidade dos colegas criminalistas.

Segundo a diretora da Diretoria de Mulheres da OAB do Rio, Marisa Gaudio, as advogadas estão empreendendo mais, pois como nem sempre conseguem se destacar em grandes escritórios e se tornarem sócias, muitas abrem bancas próprias.

Raquel Carneiro, vice-presidente da Comissão de Sociedade de Advogados da Bahia destaca que há a abertura frequente de escritórios unipessoais, no qual a única sócia é mulher. Das 713 sociedades só de mulheres do Estado, cerca de 400 são formadas por apenas uma advogada. Ela destaca que a OAB da Bahia conta com 50% de representantes mulheres no conselho estadual. “Foi um projeto que ajudou essa chapa a ganhar a eleição e com certeza é um primeiro passo a favor da paridade”, diz.

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