Folha de Paulo, Ilustrada, domingo, 19 de novembro de 2006
"Antônia" canta a amizade feminina
O que sustenta o interesse é a linda e sutil tessitura da
amizade entre as mulheres
BIA ABRAMO
"ANTÔNIA" INAUGURA uma nova modalidade: a minissérie
de TV que se antecipa à exibição do longa nos cinemas.
É exatamente o contrário de "Cidade dos Homens", série que continuou
a história de dois personagens de "Cidade de Deus".
O negócio parece ousado, mas talvez não seja propriamente
arriscado: quando o filme de Tata Amaral entrar nos
cinemas, personagens, ambientação e músicas já estarão circulando e certamente
arrebanhando fãs -sobretudo entre as garotas. É que, para além de estratégia,
"Antônia", a minissérie, traz para a TV imagens, sons e temas que não
são contemplados pela estreiteza dos critérios televisivos.
O filme conta a história da ascensão e
queda de Antônia, um grupo de hip hop
formado por quatro amigas da Brasilândia. A
minissérie passa-se dois anos depois quando Preta (Negra Li), Bárbara (Leilah Moreno), Maia (Quelynah) e
Lena (Cyndi Mendes) retomam
a banda.
OK, de imediato, trata-se de uma
série em que as protagonistas são mulheres e negras; os personagens secundários
são homens e mulheres e crianças igualmente negros; o sotaque é o da periferia
de São Paulo pontuado pelo paulistaníssimo vocativo
"meu"; e o "skyline" da grande
cidade é uma visão distante.
Nada disso é usual na televisão, embora aqui não se possa
deixar de registrar o pioneiro "A Turma do Gueto". Dar visibilidade
ao invisível é (quase sempre) um mérito, mas o risco do recorte
sócio-antropológico é imenso. Só que "Antônia", num diapasão não-denuncista, tem mais.
O que sustenta o interesse é a linda e sutil tessitura da
amizade entre essas quatro mulheres, às voltas com a tripla condição
"subordinada" de gênero, raça e classe social. Procurando sua
identidade, autonomia e um jeito de sobreviver com dignidade numa cidade hostil
a elas em todos os aspectos.
A via é a música, o hip hop feminino mais melódico, em que as vozes (e letras) são
tão assertivas quanto as masculinas, mas o canto procura uma expressão mais
suave e sensual.
As atrizes da série, todas cruas de TV, são de fato cantoras -e
que cantoras!-, e encontram uma fluência rara diante da câmera. Destaca-se
também o trabalho de resgate da música negra brasileira: Maia, cantora em um
bar de samba-rock, interpreta clássicos do brega
simpático; a mãe de Preta, interpretada por Sandra de Sá, cantarola sambas de
Candeia etc.
Otimista, mas sem ilusões, "Antônia" brilha e tem
tudo, como dizem as garotas, para bombar.
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