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Revista Espaço Acadêmico, ISSN 1519-6186 – ANO XV,

https://espacoacademico.wordpress.com/2013/09/21/ao-jovem-que-pretende-fazer-ciencias-sociais/,

21/09/2013

Ao jovem que pretende fazer Ciências Sociais

LEONARDO DE LUCAS DA SILVA DOMINGUES*

De repente você está lá com os seus 17/18 anos e se depara com a
decisão crucial sobre o futuro de sua vida: qual curso superior escolher? É um
momento em que se misturam anseios distintos e indecisões juvenis com pressões
familiares e preocupações financeiras. Tudo acontece ao mesmo tempo. O candidato
a uma vaga no ensino superior dificilmente faz um questionamento prévio sobre
todas essas questões. Mas, enfim, você tem que escolher alguma coisa. E aí,
sabe-se lá por que cargas d’água, razões, decisões ou motivações você escolhe
fazer o quê? Ciências Sociais.

Não é simples identificar o que faz alguém escolher um determinado
curso. Fatores subjetivos podem se sobrepor aos objetivos, tornando a explicação
ainda mais complexa do que aparenta ser. No caso de uma escolha para o curso de
Ciências Sociais, pode-se dizer que talvez a pessoa já tenha alguma inclinação
para a área desde pequena ou talvez apenas a escolha por não se enquadrar em
nenhuma das outras categorias disponíveis. As constatações podem ser as mais
diversas.

Atualmente, há muitos recursos cibernéticos para buscar informações
sobre a área de Ciências Sociais. Na internet, encontram-se textos e mais
textos, livros digitalizados, vídeos educativos, páginas eletrônicas dos cursos
de graduação e de pós-graduação, entre outros. A inserção da Sociologia como
matéria obrigatória para o ensino médio também ajuda imensamente o aluno a já
ter um contato com o mundo acadêmico, com as leituras e com outros aspectos que
são próprios desse universo.

É claro que tudo isso ajuda, mas o certo é que você só vai saber
mesmo o que é fazer Ciências Sociais, quando já o estiver fazendo. Tal fato não
é nenhuma anomalia, se comparado aos outros cursos. Há uma surpresa com a
escolha tão bem pensada. Talvez, só depois de terminada a graduação é que você
vai perceber o que aquela escolha realmente significou para seu futuro. Quando
essas mediações não estão bem construídas na cabeça do estudante em fim de
curso, esse choque de realidade, abrupto, pode ser um problema. Antes de
adentrar nesse campo, como você pode chegar e o que vai fazê-lo chegar a
escolher esse curso?

Você fez seu ensino médio e viu que só as matérias de humanas lhe
interessaram. História, Filosofia e Sociologia foram os pontos altos no boletim.
Você se vê como uma pessoa engajada, interessada nos destinos do mundo; parece
que a maioria de seus outros amigos não consegue ao menos entender os
verdadeiros problemas humanos que você levanta em conversas e bate-papos. Você
já deve ter defendido os palestinos, os tibetanos, os cubanos, os indígenas, os
haitianos, os sem-terra, os sem-teto, os animais em extinção… Certamente
participou de passeatas e de todo tipo de manifestação. Talvez já tenha visto
filmes-cabeça, dos quais mais ninguém gosta. Geralmente esse tipo de contexto e
de trajetória de vida, mais outros tantos elementos não destacados aqui, é que
levam alguém a escolher Ciências Sociais.

Essa não é uma condição necessária. Fora os que escolhem por esse
lado mais politizado, há também aqueles que, por várias razões, têm uma
inclinação para um viver chamado de alternativo. Nessa categoria inserem-se
roqueiros, hippies, punks,straight edge,
poetas e “malucos” de toda estirpe. Em qualquer universidade de médio ou grande
porte, é possível notar que os alunos de Ciências Sociais são tidos como uns dos
mais estranhos e acabam, muitas vezes, recebendo nomes muito “carinhosos” da
“comunidade” universitária como os “bicho-grilo”.

Essa representação caricatural pode se explicar, em termos, e com o
devido distanciamento crítico, pelo visual diferente dos alunos. Dreadlocks,
barbas compridas, piercings,
cabelos coloridos, vestimentas de tendências distintas e adereços diversos
adornam a alteridade do grupo.

O que em cursos como Design Gráfico, Comunicação, Jornalismo,
Marketing e Propaganda é visto muitas vezes como uma demanda de mercado, o “ser
alternativo” (ter estilo despojado, criativo), lá nas Sociais é uma realidade
não-fabricada (com seu grau de autenticidade que o afasta da gravitação
mercadológica). Talvez nenhum outro curso o coloque tão próximo da diversidade,
em seu sentido mais amplo e pleno. Por trás de cada uma dessas pessoas existe
uma complexa teia de relações com os submundos da cultura não-convencional.
Vozes díspares e antagônicas vão querer falar e você vai aprender a conviver com
elas, a ouvi-las e a interagir com elas.

Depois de todas essas etapas, você quer saber, afinal, que curso é
esse? O que ele representa? Qual a atuação das pessoas que passam por esse tipo
de formação? Calma, a história é longa. Até você entender o que é um cientista
social vai algum tempo (o que faz, então, demora mais ainda). Talvez, até lá
você já vai ter passado por boas crises existenciais e por muitas experiências
inesquecíveis. Você vai se deparar, em algum momento dessa empreitada, com
célebres perguntas: até que ponto suporta seguir? É realmente intelectual o
bastante para ser um acadêmico? Quais opções existem sem ser a vida
universitária? Trabalhar como cientista social profissional, ser professor ou se
engajar em alguma causa? Dinheiro…dinheiro…dinheiro….

Vai perceber que tudo aquilo que demora a compreender, será ainda
mais complicado para explicar aos outros, principalmente aos que o rodeiam. Se,
para descobrir a diferença entre Serviço Social e Ciências Sociais bastam
algumas semanas, para todo o resto leva quase a totalidade de uma existência.
Enfim, essa não é uma tarefa fácil. Descobrir o universo que representa esse
curso de graduação leva muito mais do que seus quatro anos de duração.

Na sua consistência bruta, Ciências Sociais é um daqueles cursos
dentre os quais a leitura é um hábito indispensável. Gostando ou não, querendo
ou não, o certo é que você vai se cansar de ler. No início isso pode ser muito
tortuoso. As leituras são difíceis, os temas algumas vezes são indecifráveis,
assim como os termos e o linguajar próprios.

Apesar dos pesares, decifrar as teorias pode ser muito prazeroso.
Além de ler, também é essencial fazer leituras críticas. Não se importe em
gastar o tempo que for necessário para entender um trabalho intelectual. Sua
confecção pode ter demorado anos ou, às vezes, até décadas. Nesse caminho, você
pode encontrar matérias que não o agradam, temas que não tem nada a ver com suas
pesquisas ou intenções futuras, mas isso não o impede de aproveitar o mínimo
possível e o mentalmente necessário dessa experiência incomum.

Ao longo dos anos, dificilmente irá se manter o mesmo. Certamente,
o estudante do início do curso não se confunde com o que se forma. E tal mutação
não se dá só por uma questão heraclitana do fluir do rio ou de alguma outra
coisa parecida, vai muito além disso. Não há naturalidade nesse processo (aliás,
o natural, como verá, não existe na sociedade). Essa graduação o fará pensar e
repensar muitas coisas: certezas se reduzirão a pó em pouco tempo e um novo
leque de possibilidades se abrirá diante de seus olhos. A leitura sobre as
teorias será a bagagem fundamental a ser utilizada nessa viagem sem destino fixo
ou provável.

Somando-se a isso, provavelmente você vai começar fazendo
disciplinas muito diferentes entre si, lendo livros, algumas vezes, com séculos
de distância uns dos outros. Vai ser uma salada de compreensões e de reflexões.
Nesse ponto, a melhor saída é recorrer à Filosofia. Para estudar Ciências
Sociais é preciso ter alguma base sobre as correntes do pensamento filosófico.

E tudo isso vai gerar muita mudança. Talvez essa seja uma das
marcas indeléveis de alguém que passa pelo processo de graduação em Ciências
Sociais. Há mudança porque, na realidade, há um mudar em diversos sentidos.
Mesmo para os alunos que não tenham lá tanta simpatia com o curso ou que estejam
mais interessados somente no diploma irão ser provocados a saírem do lugar.

Isso acontece principalmente se você passa a viver numa cidade
universitária distante de sua família. Todo esse ambiente de novidade estimula
ainda mais a necessária desconexão com o mundo diário dos problemas
corriqueiros. Ainda que tenha de trabalhar para se manter nessa nova morada,
como boa parte dos alunos acaba fazendo, isso não vai alterar sua jornada de
reconstrução do mundo social que o cerca por meio das diversas orientações
teóricas.

Talvez tal fato até potencialize seu distanciamento crítico em
relação ao emaranhado de relações entre pessoas e coisas que se pulverizam numa
apreensão imediata do cotidiano. O certo é que, de uma maneira ou de outra,
independente de sua origem social, de seu credo e todas as outras coisas que nos
distinguem/diferenciam uns dos outros, a despeito disso tudo, você vai repensar
sua vida; vai questionar seu mundo; vai parar, nem que for por alguns instantes,
para pensar sobre coisas que, por circunstancias das mais diversas (e que irá
estudar sobre elas), dificilmente pensaria.

É lógico que cada um terá o seu modo de vivenciá-la. Alguns viverão
essas mudanças de modo extremamente intenso, outros já irão percorrer o caminho
com moderação. Em todo caso, tudo será novo. Por isso é interessante estudar em
uma cidade distante da sua de origem. Também é importante escolher uma
universidade com muitos cursos diferentes; esse contato com grupos distintos é
fundamental.

No
que diz respeito especificamente ao curso de Ciências Sociais, as mudanças
incluem não só o contato com novas visões de mundo, mas, também, a conexão com
uma miríade de formas de vida alternativa. Se sua sala for realmente
representativa nesses quesitos, uma genuína classe de Sociais, prepare-se para
tomar contato com vegetarianos, marxistas, hinduístas, feministas, crentes
(padres, pastores), anarquistas, liberais, dentre outros. Em paralelo às
mudanças de rotas, uma série de crises se sucederá, uma atrás a outra:
existenciais, psicológicas, teórico-metodológicas, religiosas, financeiras…. Não
há quem não passe por elas (a que trata da existência material será, certamente,
a mais problemática).

Muitas dúvidas podem surgir. Todo questionamento vai levá-lo ao
movimento. Não há nada mais básico em um trabalho de reflexão. Não importa o
quanto isso vá contra seus próprios pensamentos ou convicções, duvide,
questione, problematize. O conforto no campo das ideias não é para os que lidam
com os problemas do pensamento, muito menos para os que refletem sobre a
realidade social.

Criticar parece ser uma resposta simples para problemas complexos.
Não é bem assim. A crítica é um elemento fundamental nesse processo (assim como
a autocrítica). Lembre-se que os pensamentos só servem para fazê-lo pensar e
para continuar pensando. Não cultue os pensamentos de modo a se fixar
inflexivelmente em certas ideias, principalmente as que abstratamente (no campo
lógico) pareçam perfeitas. Pense agindo concretamente, transformando sua
realidade.

Desde o primeiro momento na graduação, tente abarcar em suas
inquietações o máximo de referenciais distintos. Leia sobre tudo. Converse muito
com professores de matérias diametralmente opostas. Procure saber, já no
primeiro ano, quais os projetos desenvolvidos nas pesquisas do corpo docente.
Mergulhe no erro. Teste suas afinidades teóricas. Discuta. Quando sentir que as
ideias não saem de certo limite de segurança, provoque-as, remova obstáculos;
jogue os pensamentos contra si mesmos. A realidade não vai até onde se estende a
racionalidade lógica de meros conceitos abstratos.

Se for instigado a pensar, fará do mundo uma grande experiência
criativa. Verá que a mudança que se materializa em você se expressa antes na
realidade que o cerca. Esse movimento o levará a investigar sobre o que está
inscrito no universo social que nos rodeia. Por trás de explicações supostamente
óbvias sobre cada coisa que existe no mundo, apreenderá o jogo contraditório das
relações que constituem esse agora
antagônico mundo.

Portanto, ao jovem que pretende ingressar nesse ramo do saber,
nessa gama de experiências humanas, fica o alerta de que este pode ser um
caminho sem volta: a realidade nunca mais será a mesma (ou melhor, sua percepção
sobre essa realidade não será a mesma), depois que você passar por uma graduação
em Ciências Sociais.

* LEONARDO
DE LUCAS DA SILVA DOMINGUES é
Graduado em Ciências Sociais pela UEL e mestre em Sociologia pela UFRGS; membro
do Laboratório de Divulgação de Ciência, Tecnologia e Inovação Social (LaDCIS/UFRGS).
E-mail:leonardo_delucas@hotmail.com


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