Folha de São Paulo, New York Times,
TERÇA-FEIRA, 8 DE ABRIL DE 2014
ENSAIO – MICHAEL KIMMELMAN
Arquiteto promove consciência social
O júri do prêmio Pritzker de arquitetura
transmitiu uma mensagem clara neste ano ao escolher o japonês Shigeru Ban. O
fato de o júri não ter escolhido uma mulher -após muitos e justificados
protestos sobre sua indiferença histórica em relação às mulheres, e apesar do
trabalho extraordinário de tantas projetistas- sugere que a mudança na
arquitetura continua em ritmo glacial e precisa de um empurrão. Mas está
acontecendo.
Ouça os alunos das faculdades de arquitetura,
muitos deles ávidos por exercerem um impacto além de uma bolha de glamour
minguante, na qual o estrelato deriva de ter projetado anexos de museus de arte
ou megaprojetos no Qatar e em Dubai.
"Os jovens arquitetos parecem cada vez mais
interessado no que eu estou fazendo", disse Ban. "Antigamente, todos queriam ser
estrelas. Não é mais o caso."
Ao reconhecer a arquitetura socialmente
consciente de Ban, o Pritzker confere um prestígio útil a esse trabalho.
Ban já criou alguns edifícios para clientes
corporativos e culturais, incluindo uma filial do Centro Pompidou em Metz, na
França, e uma nova sede da Swatch e da Omega em Biel, na Suíça. No entanto, ele
também tem se concentrado em projetos para aqueles que não têm recursos para
contratar um arquiteto. Ele insiste que a arquitetura deve recuperar seu papel
histórico como um veículo não só de admiração e beleza, mas também de mudança
social.
Como um pioneiro no uso de tubos de papel, entre
outros materiais inovadores, ele ampliou a definição da arquitetura temporária e
dos usos de materiais ambientalmente corretos. Ban disse certa vez sobre casas
feitas com tubos de papel: "Um edifício de concreto e aço pode ser temporário.
Ele pode ser demolido ou destruído por um terremoto. Mas o papel pode durar. É
uma questão de amor. Se um edifício é amado, torna-se permanente."
Recentemente, ele me mostrou fotos de casas que
ele fez a partir de contêineres para as vítimas do terremoto e do tsunami que
atingiram o Japão em 2011, arrasando a cidade de Onagawa. Alegres, empilhadas em
um campo em torno de minipraças onde eventos podem ser organizados, os
contêineres temporários se tornaram tão populares que algumas famílias não
querem deixá-los, disse ele.
"Seja trabalhando para um cliente particular ou
criando uma casa para uma vítima do terremoto, seu projeto sempre tem algum
problema a resolver. A única diferença é se você recebe pagamento ou não",
disse.
Em Kobe, cidade japonesa atingida por um
terremoto em 1995, Ban construiu com seu próprio dinheiro uma casa de papel
tubular, para mostrar que ela funcionava e poderia ser erguida por qualquer
pessoa. Ele então angariou dinheiro para a construção de dezenas de outras
moradias para refugiados vietnamitas locais. E construiu uma igreja temporária
de papel, que se tornou símbolo de resistência.
Quase 20 anos depois, tendo sido utilizada por
uma década e então transferida para Taiwan, a igreja permanece em funcionamento,
provando o argumento sobre longevidade e amor.
A linha de trabalho de Ban envolve não apenas
preocupação social, elementos dançantes e projetos com méritos ambientais. Ele
cita o mestre finlandês Alvar Aalto como um arquiteto "cujo trabalho era
inseparável dos seus arredores, estética e funcionalmente".
O trabalho de Ban aponta para um respeito
oportuno e crescente aos materiais à mão. No Sri Lanka, ele usou tijolos locais
em vez de tubos de papel para uma aldeia varrida por um tsunami em 2004.
Recentemente, Ban descreveu alguns novos materiais que ele está desenvolvendo
para a habitação modular, os quais fábricas nos países em desenvolvimento
"poderiam usar para reconstruir favelas, mas que também poderiam ser usados como
moradia temporária após desastres", afirmou.
"Eu sempre lamento pelos médicos e advogados que
trabalham apenas com pessoas em dificuldades, ao passo que os arquitetos
conseguem trabalhar com pessoas que estão felizes por se mudarem para casas
novas", disse. "Nós temos a responsabilidade de também trabalhar com pessoas que
têm problemas, porque temos a oportunidade de lhes proporcionar algo bonito e
confortável."
1 comentário
Os comentários estão fechados.