Folha de São Paulo – 22/11/2012 – São Paulo, SP
Cursos online serão o fim da universidade tradicional?
CAROLE CADWALLADR – DO `OBSERVER`
Livros, música, compras,
jornalismo – tudo isso revolucionado pela internet. A seguir na fila? A
educação. Agora, acadêmicos dos Estados Unidos estão oferecendo educação de
primeira linha – gratuitamente – a qualquer pessoa dotada de conexão com a
Internet, em todo o mundo. Será o fim da vida no campus?
Dois anos atrás, eu estava
sentada no assento traseiro de um Toyota Prius no topo de um edifício garagem na
Califórnia, agarrada ao braço da porta enquanto o carro disparava da sua vaga em
direção ao abismo, desviando no último segundo em uma curva fechada, sem redução
de velocidade. No assento do motorista, ninguém.
Era o protótipo do carro sem
motorista do Google, e a sensação tinha algo de Buck Rogers – alguém catapultado
ao futuro. Depois, ouvi Sebastian Thrun, professor de inteligência artificial na
Universidade Stanford, explicar de que forma construíra o carro, e contar que o
veículo já havia rodado 320 mil quilômetros na Califórnia, e sobre sua crença em
que o projeto significaria uma vida sem acidentes automobilísticos no futuro.
Passados alguns meses, um
artigo no `New York Times` revelou que Thrun era o responsável pelo Google X, o
sigiloso laboratório experimental do Google, e que além do automóvel sem
motorista estava desenvolvendo também o Google Glasses, um óculos de realidade
aumentada. Mais alguns meses se passaram antes que eu voltasse a encontrar Thrun.
O carro sem motorista, os
Google Glasses, o Google X, seu prestigioso posto acadêmico – tudo isso ficara
no passado. Thrun havia renunciado ao seu posto de professor titular em Stanford
e estava trabalhando apenas um dia por semana no Google. E tinha um novo
projeto. Ainda que não o definisse como projeto. `Na verdade, é minha missão,
agora`, disse ele. `Este é o futuro. Estou convicto disso`.
O futuro em que Thrun
acredita, que o entusiasma mais que carros sem motorista ou invenções dignas da
ficção científica, está na educação. Mais especificamente, na educação online de
massa, gratuita e disponível para todos. Os setores de música, livros,
transporte e varejo passaram, todos, pela grande mudança causada pela
tecnologia. Agora, diz Thrun, é a vez da educação.
`Tudo vai mudar. Não há
dúvida a respeito`. Thrun acredita especificamente que o ensino superior vai
mudar. Ele lançou a Udacity, uma universidade online, e quer oferecer ensino
superior em massa e de alta qualidade a todo o mundo. Para os estudantes de
países em desenvolvimento que não têm outro recurso ou para os estudantes dos
países de Primeiro Mundo que talvez tenham a oportunidade mas preferem optar por
não aproveitá-la ao modo convencional. Pagar milhares de libras ao ano por uma
educação? Ou obtê-la gratuitamente via internet?
Uma universidade envolve
muito mais que ensino, é claro. Há o aspecto social, ou, como costumamos chamar
o processo aqui no Reino Unido, a bebedeira constante. Há o viver longe de casa
e aprender a pelo menos ferver água. E há aspectos importantes como sexo e
apanhar doenças venéreas. Mas é dessa maneira que as inovações costumam
funcionar: primeiro elas causam perturbações e mais tarde resolvem os problemas
causados, em algum momento do futuro.
A grande revelação de Thrun
surgiu para ele um ano atrás, na mesma conferência TED onde apresentara ao mundo
o carro sem motorista. `Ouvi uma palestra de Salman Khan sobre a Khan Academy e
fiquei estupefato`, conta. `E continuo`. Salman Khan, 36, um discreto
ex-analista de investimentos, é o fundador daquilo que já foi definido como uma
revolução nas salas de aula e vem sendo celebrado por todo mundo, a começar de
Bill Gates (que o definiu como `o professor favorito de todo o planeta`).
A Khan Academy, que Khan
criou quase por acaso, enquanto ajudava a sobrinha e sobrinho nos estudos, agora
conta com 3,4 mil vídeos curtos ou tutoriais, a maioria dos quais produzidos por
Khan pessoalmente, e com 10 milhões de estudantes. `Fiquei pasmo com a
realização`, conta Thrun. `E na realidade embaraçado por estar lecionando para
200 alunos enquanto ele atingia milhões`.
Thrun decidiu abrir seu curso
de inteligência artificial em Stanford, conhecido como CS221, a todos os
interessados. Ele anunciou que todos seriam aceitos. Os alunos externos teriam
de fazer os mesmos trabalhos que os matriculados em Stanford, e no final do
período passariam pelo mesmo exame.
O curso CS221 é uma matéria
complicada e que exige esforço. No campus, ele atraiu 200 alunos, e Thrun
imaginava que conseguisse conquistar alguns milhares de outros pela web. Mas
quando as aulas começaram, o número de inscritos era de 160 mil. `Fiquei
completamente estarrecido`, diz o professor. Havia estudantes de todos os países
do mundo – exceto a Coreia do Norte. E 23 mil dos participantes conseguiram
aprovação. Além disso, as 400 melhores notas couberam a estudantes que
participaram do curso online.
Thrun conta que foi um
momento `país das maravilhas`. Tendo lecionado para 160 mil alunos, ele não
tinha como voltar a uma classe de 200. `Eu senti que tinha de escolher entre a
pílula vermelha e a pílula azul`, disse o professor em palestra meses mais
tarde. `Escolhi a pílula vermelha. Eu havia visitado o país das maravilhas. E é
realmente possível mudar o mundo pela educação`.
Quando eu me matriculei no
curso de ciência da computação para principiantes na Udacity, cujo tema é como
criar um programa de buscas, 200 mil alunos já haviam sido aprovados nele. Ainda
que por `aprovados` eu queira dizer que receberam um certificado de aprovação
via e-mail. Há algo de irreal em todo o processo, ainda que alguns empregadores
pareçam estar aceitando os certificados como válidos: diversas companhias, entre
as quais o Google, estão patrocinando cursos da Udacity e regularmente
selecionam os melhores dos alunos para contratação.
No entanto, no meu caso o
telefonema com uma oferta de emprego pode demorar um pouco. Fiquei espantada com
a facilidade que senti para acompanhar os vídeos da Udacity (e receber dicas
sobre como criar um programa de buscas de Sergey Brin, co-fundador do Google,
certamente ajuda no processo). Os vídeos, como os da Khan Academy, evitam
mostrar a figura do professor por inteiro, e se concentram em suas mãos ao
escrever.
De acordo com Brin, qualquer
pessoa que tenha competência básica em programação – o que todos os alunos terão
se completarmos o curso – e alguma criatividade `pode desenvolver uma ideia
capaz de mudar o mundo`. Mas é exatamente esse tipo de coisa que o Vale do
Silício costuma dizer.
O mais intrigante é como
traduzir esse processo para o contexto britânico. Porque, é claro, no que tange
a revolucionar o acesso à educação, o Reino Unido liderou o mundo. Temos o luxo
de um ensino superior aberto a todos há tanto tempo – já há mais de 40 anos –
que nem ligamos muito para isso. Quando a Open University foi criada, em 1969,
era uma ideia tanto radical quanto democrática, surgida devido a avanços na
tecnologia. Possibilitada pela televisão, a universidade está na vanguarda da
inovação educativa desde que surgiu. E oferece conteúdo gratuito, nos programas
OpenLearn e iTunesU. Mas deixou de ser radicalmente democrática, em seu cerne. A
partir deste ano, suas anuidades serão de cinco mil libras anuais.
Nos Estados Unidos, Thrun não
foi o único a escolher a pílula vermelha. Um ano depois da experiência de
Stanford, o mundo do ensino superior e o futuro das universidades parecem ter
mudado completamente. O curso de Thrun não foi o único a abrir as portas aos
interessados online, no começo do ano letivo passado. Dois de seus colegas na
área de ciência da computação – Andrew Ng e Daphne Koller – também participaram,
com resultados igualmente espantosos. Os dois também criaram um site, o
Coursera. E enquanto a Udacity está desenvolvendo seu próprio currículo, a
Coursera optou por formar parcerias com universidades e oferecer aos seus alunos
acessos a cursos existentes. Quando conversei com Koller em julho, pouco depois
que o site foi lançado, quatro universidades já haviam aderido – Stanford,
Princeton, Michigan e Pensilvânia.
Passados mais quatro meses, o
programa já conta com 33 universidades, 1,8 milhões de estudantes, e dinheiro
das companhias de capital para empreendimentos – US$16 milhões só na primeira
rodada de financiamento. É notável que a Udacity e a Coursera tenham sido
criadas pela mesma universidade, e pelo mesmo departamento. (Thrun e Koller
continuam a orientar juntos um aluno de doutorado.) Os dois projetos têm aquela
qualidade empresarial dinâmica, e a capacidade de mudar o mundo, que caracteriza
as maiores e mais bem-sucedidas empresas iniciantes do Vale do Silício.
`Conseguimos nosso primeiro
milhão de usuários mais rápido que o Facebook, mais rápido que o Instagram`, diz
Koller. `É uma mudança completa no ecossistema educacional`.
Mas eles não estão sozinhos.
No MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), Anant Argarwal, outro
professor de ciência da computação que também menciona Khan como inspiração (e
foi aluno dele), criou o edX, oferecendo conteúdo do MIT, Harvard, Berkeley e da
Universidade do Texas.
Argarwal não economiza
otimismo. Ele afirma que estamos vivendo a revolução. `A educação será
reinventada. As universidades se transformarão. A educação será democratizada em
escala mundial. É a maior inovação a surgir na educação em 200 anos`. A última
grande novidade, diz ele, `provavelmente foi a invenção do lápis`. Dentro de uma
década, a expectativa dele é que seu programa esteja beneficiando um bilhão de
estudantes em todo o mundo. `Conquistamos 400 mil estudantes em quatro meses sem
qualquer marketing, e por isso não considero que a meta seja irrealista`.
Mais de 155 mil alunos
participaram do primeiro curso que ele lecionou, entre os quais uma sala de aula
de crianças da Mongólia. `Isso foi maravilhoso`, conta Argarwal. `E descobrimos
um prodígio. Um dos meus alunos, Batthushig, tirou a nota máxima. Ele é aluno de
segundo grau. Não há como explicar o quanto o curso era difícil. Nem eu
conseguiria nota máxima. Agora, queremos que ele se matricule no MIT`. Argarwal
afirma que estamos vivendo o ano em que tudo mudou. `Não haverá recuo. Vivemos o
ano da revolução`.
Um mês atrás, me matriculei
em um dos cursos da Coursera: introdução à genética e evolução, com aulas de
Mohamed Noor, professor da Universidade Duke. Ao contrário das aulas da Udacity,
os cursos da Coursera têm data de início e seguem cronogramas. Um curso da
Universidade da Pensilvânia sobre poesia moderna me interessou bastante, mas já
tinha começado. O curso em que me matriculei tinha dez semanas de duração, e
consistiria de `múltiplas miniunidades com vídeos de 10 e 15 minutos de
duração`, cada qual com questões a responder; haveria três provas ao longo do
curso, e um exame final.
Noor e eu temos 36 mil
colegas de classe, de todas as origens – Cazaquistão, Manilha, Donetsk, Iraque.
Até Middlesbrough. Mas embora eu assista aos vídeos e aprecie o sorridente
entusiasmo de Noor, o curso não me arrebata.
Trata-se apenas de vídeos de
aulas. Há trabalhos a entregar, mas sou jornalista. Não me incomodo com prazos
de entrega até que o suor frio da catástrofe iminente tome conta de mim. Por
isso, ignoro os prazos. E passo uma semana antes de voltar ao site para
verificar o fórum de discussões entre os alunos.
E é então que surge meu
momento de estupefação: o tráfego é espantoso. Há milhares de pessoas
perguntando -e respondendo – questões sobre mutações dominantes e recombinação.
E grupos de estudo surgiram espontaneamente – um formado por colombianos, um por
brasileiros, um por russos. Há um grupo que conversa por Skype, e até grupos que
estudam juntos na vida real. E todo mundo é tão diligente! Se você é um
professor um tanto desiludido, ou tem algum amigo que seja, recomendo a
Coursera: as pessoas lá realmente querem aprender.
Passadas quatro semanas, Noor
anuncia que vai organizar um hangout no Google, no qual número limitado de
pessoas poderá conversar via webcam. Mas está marcado para a uma da manhã de
domingo, no horário londrino. Caio no sono. Mas assisto ao vídeo da conversa no
YouTube, no dia seguinte, e fico fascinada. Apesar do horário, Richard Herring,
condutor de trens de Sheffield, é um dos participantes – entusiástico, atento e
disposto a dizer a Noor o quanto gosta do curso.
`Richard!`, Noor responde.
`Prazer em conhecê-lo. Seus posts são excelentes. Muitas vezes descubro que
antes que eu possa responder a uma pergunta alguém já o fez, e em muitos casos a
resposta veio de Richard. Obrigado`.
`Amo ciência`, Richard diz.
`Não era bom aluno na escola, mas fui aprendendo ao longo do caminho. O curso é
brilhante. Poder participar dele sem pagar é maravilhoso. Estou amando`.
E o mesmo vale para Sara
Groborz, designer gráfica nascida na Polônia e radicada no Reino Unido. Há
também Naresh Ramesh, de Chennai, que está participando porque estuda
biotecnologia; e Maria, que vive nos Estados Unidos e está usando o conteúdo do
curso nas aulas que dá aos seus estudantes em um reformatório para adolescentes.
Aline, estudante de segundo grau em El Salvador, entra no papo. Ela conta que
decidiu fazer o curso porque estuda em uma escola católica onde o currículo não
inclui a teoria da evolução. `E você é o melhor professor que eu já tive!`, ela
diz a Noor.
Deve ser muito gratificante
para o professor lecionar em um curso como esse. Quando contato Noor por e-mail
no dia seguinte, ele responde que `absolutamente ADORO o trabalho`. Pelo
telefone, ele me diz que essa é uma das coisas mais inspiradoras que já fez.
O mais importante é que isso
significa que no próximo semestre será possível `inverter a classe`, um conceito
defendido por Khan e de sucesso comprovado: os alunos fazem o trabalho básico em
casa ao assistir os vídeos, e os deveres de casa são realizados na sala de aula,
onde podem discutir as questões com o professor.
Continuam a existir muitos
problemas não resolvidos na educação online. Especialmente o fato de que não se
pode obter um diploma com ela, ainda que uma universidade norte-americana tenha
anunciado que reconheceria os créditos obtidos com esse tipo de curso. No
momento, as pessoas estão fazendo esses cursos simplesmente para aprender coisas
novas. `E o certificado é essencialmente um pdf que diz que a pessoa em questão
pode ou não ser quem diz ser`, afirma Noor.
E embora computadores sejam
excelentes para corrigir questões de matemática, não são tão bons para dar notas
a ensaios sobre literatura inglesa. Há uma preponderância de temas técnicos ou
científicos, mas o número de cursos de Humanas está crescendo, com o uso de um
método que Koller descreve como `sucesso surpreendente` – técnicas de avaliação
por alunos. `Não é algo que possa substituir uma avaliação por um especialista
no setor, mas com a orientação correta, a avaliação pelos colegas e o
crowdsourcing realmente funcionam`, ela afirma.
E em termos de conteúdo, o
curso que estou fazendo é praticamente o mesmo que os alunos de Noor na Duke
fazem. Na universidade, a interação é maior e existe acesso a um laboratório,
mas esses privilégios custam US$ 40 mil anuais.
É muito dinheiro. E é isso
que torna os cursos da Udacity, Coursera e edX tão potencialmente
revolucionários. No momento, são todos gratuitos. E embora nenhum possa
concorrer com um diploma tradicional, quase todos os setores sabem o que
acontece quando os adolescentes podem escolher entre pagar muito dinheiro por
alguma cosia ou obtê-la de graça.
É claro que a educação não é
exatamente uma indústria, mas é um negócio, ou, como diz Matt Grist, analista de
educação no instituto de pesquisa Demos, `um mercado`, ainda que ele se desculpe
imediatamente ao afirmá-lo. `Eu sei, é horrível`, afirma. `Mas é assim que se
fala no assunto hoje em dia. Não gosto da prática, mas a uso. E é mesmo um
mercado. Universidades são empresas poderosas com um giro imenso de clientes.
Algumas das melhores instituições britânicas de educação disputam a liderança
mundial do setor no momento`.
Grist está estudando o modelo
de financiamento das universidades britânicas, e vê problemas à frente. A alta
salgada nas mensalidades que aconteceu este ano será apenas o começo. `Já
estamos nessa estrada, e se criarmos concorrência e um mercado para as
universidades, creio que será preciso ir além`. Ele antecipa que as melhores
universidades se tornarão ainda mais caras, e que as mais baratas, que atendem
apenas a necessidades profissionalizantes, `se sustentarão`. São as
universidades médias, criadas nos anos 60, que ele vê como mais expostas a
problemas.
Quando pergunto a Koller por
que a educação se tornou o novo bebê milagroso da tecnologia, ela a descreve
como `a tempestade perfeita. É como o furacão Sandy, uma confluência de
múltiplas coisas ao mesmo tempo. Há enorme necessidade mundial de educação de
alta qualidade. Mas isso está se tornando cada vez mais inacessível em termos de
custos. Ao mesmo tempo, dispomos de avanços tecnológicos que tornam possível
oferecer esse tipo de serviço a um custo marginal muito baixo`.
E no Reino Unido, a
tempestade talvez seja ainda mais perfeita. Isso tudo está acontecendo em um
momento no qual os alunos estão tendo de enfrentar anuidades de até nove mil
libras, e de aceitar nível sem precedentes de endividamento educacional.
Os alunos, quer gostem, quer
não, se tornaram consumidores. A educação no Reino Unido vinha sendo uma
abstração muito pura, até agora – um conceito que não havia sido maculado por
ideias de mercado ou valor. Mas isso mudará inevitavelmente, agora. O número de
matrículas universitárias de estudantes britânicos caiu em quase 8% este ano. `E
o número de alunos que iniciaram os cursos foi ainda menor`, me diz Peter Lampl,
fundador do Sutton Trust. `A queda nesse caso foi de 15%`.
A organização de Lampl
defende a mobilidade social, e nada a acelera mais do que a universidade. `Por
isso estamos tão interessados nisso`, diz Lampl. `Estamos monitorando a
situação. Não sabemos qual será o verdadeiro impacto das novas anuidades. Ou que
impacto sair da universidade com uma dívida de 50 mil libras terá sobre a vida
dos formandos. Será que vai forçá-los a postergar a compra de uma casa? Ou o
casamento? As pessoas comparam a situação a dos Estados Unidos, mas um terço dos
formandos norte-americanos concluem seus cursos sem dívidas, e os demais dois
terços têm dívida média de US$ 25 mil. A escala do que teremos aqui é muito
diferente`.
E é em meio a essa incerteza
e pressão de mercado que os cursos online abertos às massas podem ter papel a
desempenhar. Uma educação universitária oferece muitos benefícios intangíveis.
`Aprendi tanto com meus colegas quanto com as aulas`, diz Lampl. `Mas essas são
as coisas que se aprende gratuitamente na universidade – como fazer amigos, como
aderir a uma sociedade, como operar uma máquina de lavar. O caro é a parte da
educação. E a Udacity e os demais programas mostram que isso não precisa ser
necessariamente assim`.
A primeira universidade
britânica a entrar na jogada foi a de Edimburgo. Fechou acordo com a Coursera e,
a partir de janeiro, oferecerá seis cursos, para os quais já há 100 mil alunos
matriculados. Ou, para colocar as coisas no contexto, quatro vezes mais
inscritos do que a universidade tem em alunos de graduação.
É uma experiência, diz o
vice-reitor Jeff Hayward, uma maneira de testar novos métodos de ensino.
`Ficarei contente se não perdermos dinheiro com isso`. No momento, a Coursera
não cobra pelos certificados de conclusão de curso que fornece aos alunos, mas é
provável que comece a fazê-lo um dia. Quando isso acontecer, a universidade
escocesa terá seu quinhão.
E Edimburgo já conta com um
programa online. Mais de dois mil dos alunos de mestrado da universidade estão
fazendo seus cursos online. `Em poucos anos, o total subirá a 10 mil`, diz
Hayward.
Para os alunos de graduação,
por outro lado, o estudo não é realmente o motivo de frequentar a universidade,
ou ao menos não todo o motivo. Conheço uma aluna da Universidade de Edimburgo
chamada Hannah. `Você tem aulas amanhã?`, pergunto a ela por SMS. `Só filosofia
às 9h`, ela responde. `Obviamente não vou`.
Hannah é um perfeito exemplo
de alguém que ficaria feliz por pagar meia mensalidade e fazer alguns cursos
online. `Meu Deus, seria ótimo. Há aulas tão ruins. Tivemos um tutorial outro
dia e o professor ficou lá sentado lendo o jornal, e nos disse que estudássemos
com o livro`.
Max Crema, vice-presidente da
união de alunos da universidade, me conta que já usou aulas online do MIT para
suplementar o que aprende em seus cursos. `Mas isso talvez aconteça porque sou
nerd`, admite. `O problema com as aulas é que estão, sei lá, 300 anos
desatualizadas. Remontam a era em que as universidades dependiam apenas de
livros. É por isso que alguns cargos letivos na universidade são ocupados por
pessoas com o título de `readers` [leitores]`.
Decidi assistir a uma aula
real, em uma sala de aulas real, o velho anfiteatro de anatomia, um auditório
íngreme que está em uso desde o século 19 – na época, uma mesa de dissecação
ocupava o centro da sala, onde hoje se posiciona Mayank Dutia, professor de
neurofisiologia de sistemas que está palestrando sobre o ouvido interno.
Ele é um dos professores
selecionados para participar dos cursos que a universidade promoverá em parceria
com a Coursera em janeiro, mas diz que continua a acreditar na necessidade de
aulas reais. `Universidades são lugares muito especiais. Não se pode fazer o que
fazemos online. Há algo de especial em aprender com um líder mundial de dada
disciplina. Ou conversar com alguém que se dedicou a um tema por toda a vida.
Nada poderá substituir essa experiência`.
É fato. Mas o que os novos
sites fazem é propor questões sobre o que uma universidade é e a que ela serve.
E como pagar por isso. `O ensino superior está mudando`, diz Hayward. `Como
financiar a educação mundial em massa? O mundo inteiro enfrenta essa questão com
agonia`.
É fato. E sem dúvida estamos
vivendo um ponto de inflexão. Mas isso pode ter impacto mais próximo. Argarwal
vê um futuro no qual as universidades podem oferecer modelos combinados, com
aulas online e reais.
A Coursera já fechou seu
primeiro acordo de licenciamento. O Antioch College, uma faculdade de Humanas em
Ohio, assinou acordo para utilizar conteúdo da Universidade da Pensilvânia e da
Duke. E uma nova empresa chamada Minerva Project está tentando criar uma
universidade online de elite, e vai encorajar os estudantes a viverem nas
imediações uns aos outros, em `núcleos de alojamento`, para que se beneficiem
dos aspectos sociais da vida de universidade. Tendo visto como os alunos da
Coursera e Udacity se organizam, não é impossível antever que estudantes optem
por viver em estreito contato no futuro, fazendo seus cursos online. E de graça.
Há muito em jogo. A começar
pela economia de dezenas de pequenas cidades britânicas que abrigam as
`universidades médias` que Grist considera que elas possam enfrentar problemas
no admirável mundo novo do mercado educativo livre.
Em Edimburgo, as anuidades
estão tendo efeito – as matrículas caíram – mas `a maioria dos alunos as vê como
dinheiro com que terão de se preocupar apenas no futuro`, diz Hayward. `Por
enquanto é algo hipotético`.
Mas este é o primeiro ano da
anuidade de nove mil libras. Um aluno inglês de Edimburgo (a universidade é
gratuita para escoceses), em um curso de quatro anos, terá dívidas de 36 mil
libras apenas com a anuidade. A isso é preciso acrescentar pelo menos mais 30
mil libras de despesas pessoais.
Os sites educativos têm
apenas alguns meses de vida. Ainda estão descobrindo seus princípios básicos. As
universidades não desaparecerão, por enquanto. Mas ninguém sabe em que situação
estaremos dentro de dez anos. Uma década atrás, eu achava que jornais sempre
existiriam. Que nada poderia substituir um livro. E que o carro de David
Hasselhoff no seriado `Super Máquina` era só uma obra de fantasia.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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