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Revista Pesquisa Fapesp, Edição Impressa
132 – Fevereiro 2007



Tecnologia :: Engenharia de materiais



Isopor vegetal


Espuma biodegradável pode substituir vários tipos de plástico

Dinorah Ereno

Resinas obtidas de plantas como milho, arroz,
cana-de-açúcar, soja e mamona são a base de produtos biodegradáveis destinados a
substituir o poliestireno expandido (EPS), um produto de difícil reciclagem
derivado do petróleo conhecido popularmente como isopor, utilizado
principalmente pelo mercado de embalagens. A Bioespuma, nome comercial e
patenteado do material desenvolvido pela empresa Kehl, na cidade paulista de São
Carlos, foi aplicada em vários produtos, como bandejas para comercialização de
frutas e legumes, embalagens para aparelhos eletroeletrônicos, suportes para
plantio de mudas e sementes com nutrientes agregados e tapetes absorventes para
produtos químicos.

“A formulação e o arranjo das moléculas permitem a
obtenção de diferentes produtos”, diz Eduardo Murgel Kehl, químico e economista
que criou a empresa em 1972 como um laboratório de ensaios e fábrica de artigos
de borracha e silicone. Algumas linhas de produtos já estão no mercado, outras
serão lançadas ainda no primeiro semestre deste ano pela empresa Synbeeosis,
também de São Carlos, que se tornou parceira comercial da Kehl. As pesquisas que
resultaram no material biodegradável começaram em 1992 nos laboratórios da Kehl
e prosseguiram na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde foi
realizado o primeiro estudo de biodegradação. Outros ensaios foram feitos na
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e na Universidade de São Paulo (USP)
na mesma cidade.

A grande vantagem do biomaterial é o tempo de degradação
na natureza. Na presença do oxigênio e no solo, ele degrada em dois anos – sem
oxigênio pode levar até três anos. “Em ambientes como lixões, propícios ao
desenvolvimento de microorganismos, o processo é bem mais rápido e pode ser de
até seis meses”, diz o químico Ricardo Vicino, sócio da empresa, que coordenou
as pesquisas na universidade. A Kehl tem um convênio com a Unicamp que permite a
realização de testes de produtos em desenvolvimento. A Bioespuma é produzida
pela combinação de biomassa das resinas vegetais e de derivados de petróleo, que
entram em até 50% da composição. A mistura é tratada por vias químicas
tradicionais e transformada na matéria-prima que dá origem ao material
biodegradável.

Os testes para avaliar a biodegradação do produto foram
feitos no laboratório do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas,
Biológicas e Agrícolas (CPQBA), da Unicamp, segundo as normas da American
Society for Testing and Materials, aceitas mundialmente. A Bioespuma pode
substituir o isopor, que não é biodegradável e constitui um sério problema
ambiental quando descartado nos lixões. Além disso, produz gases tóxicos ao ser
incinerado. A reciclagem do isopor é possível, mas a baixa densidade do material
constitui um empecilho para o seu reaproveitamento. Para ser economicamente
viável, seria necessário coletar uma quantidade muito grande do material. Até o
momento são tímidas as iniciativas para conter o descarte de EPS nos aterros
sanitários ou mesmo na natureza.

Inicialmente, a Bioespuma foi produzida com mamona, mas
hoje tem a soja e o milho como duas das principais fontes de matéria-prima
porque obtiveram melhores resultados técnicos e menor preço. Um dos produtos
derivados desse polímero vegetal que tem conquistado consumidores é uma tinta
especial à base de milho usada na construção civil como impermeabilizante de
lajes de concreto e de pisos industriais, comerciais e residenciais. “Além de
não ter cheiro durante a aplicação, o produto é bastante resistente”, diz Kehl.
A tinta, produzida em várias cores, é indicada ainda para a sinalização de
estradas e construção naval, como impermeabilizante para casco de navios.

O polímero vegetal, também chamado de poliuretano, é
utilizado na fabricação das pontas de martelos, que apresentam aspecto
semelhante ao da borracha, indicados para aplicações de impacto, mas sem causar
danos e manchas nas peças, como nas linhas de montagem automobilística. “Duas
concessionárias da BMW usam nossos martelos”, diz Kehl. Quando a ponta fica
gasta, ela pode ser substituída, já que é parafusada em um suporte de alumínio.



Embalagens resistentes
– A versatilidade do polímero tem levado
vários grupos empresariais a propor parcerias com a Kehl e atraído clientes de
áreas diversas. A empresa Rytpak, de São Paulo, por exemplo, compra o produto
bruto para produzir embalagens para diversos segmentos da indústria. Como é
biodegradável, interessa a empresas multinacionais que procuram substitutos para
as embalagens de EPS, rejeitadas por vários países europeus por conta dos
resíduos.

A Caterpillar, fabricante de
máquinas como retroescavadeiras, tratores de esteira e geradores, usa tapetes
feitos com a Bioespuma para absorver o óleo lubrificante nas oficinas de
manutenção de suas concessionárias. O produto funciona, ainda, como barreira nos
vazamentos de óleo em rios e oceanos. O óleo é absorvido pela espuma, que não
afunda mesmo muito encharcada. Para retirar o óleo, basta passar a espuma por um
equipamento semelhante a um rolo compressor que ela imediatamente retorna à
forma original e pode ser usada novamente.

Algumas empresas procuram a
Kehl em busca de soluções pontuais. Um desses clientes, um grupo japonês do
setor de alimentação, que pelo acordo de sigilo não pode ser identificado,
queria uma espuma natural para ser colocada no sistema de tratamento de
efluentes dentro de tanques com capacidade para processar 10 mil metros cúbicos.
“Desenvolvemos uma espuma natural e renovável, mas não biodegradável, senão ela
seria consumida pelos microorganismos durante o tratamento de efluentes, que
está sendo testada em escala piloto”, diz Vicino. Com isso, a capacidade de
tratamento dos efluentes da empresa vai praticamente dobrar sem a necessidade de
construir um novo tanque ou investir em obras para aumentar a planta industrial.

Plantio de rosas
– Um produtor de flores de Holambra, no interior de São Paulo, por exemplo,
encomendou bandejas de Bioespuma para o plantio de rosas. Como o substrato é
biodegradável, as mudas podem ser transplantadas diretamente para os canteiros
de terra. As bandejas para mudas de plantas levam em sua composição nitrogênio,
fósforo e potássio (NPK), uma formulação básica de adubo, além de
micronutrientes. Conforme a espuma degrada no solo, libera os nutrientes para as
plantas. O produto já está pronto, mas a encomenda, de 5 mil caixas de bandejas,
só poderá ser atendida quando a Synbeeosis estiver com a planta industrial
pronta.

Outro produtor de Holambra
quer 80 mil vasos por mês para substituir os de plástico. Nesse caso, a
Bioespuma ganha outra configuração para poder ter  vida útil de cerca de dez
anos. A Kehl já produziu protótipos para serem usados no cultivo hidropônico e
em arranjos florais, em substituição à espuma sintética, que também serão
fabricados pela empresa parceira. A decisão de passar a produção do biomaterial
para outra empresa foi tomada porque a Kehl já fabrica vários produtos.

Na área de borrachas
industriais produz amortecedores, revestimentos, pisos e rodas, além de cânulas
para uso veterinário, feitas com borracha atóxica, e uma linha de produtos
feitos com silicone. “Depois de anos investindo em pesquisa de novos produtos,
decidimos centrar nossos esforços para colocá-los no mercado”, diz Kehl.

 A Synbeeosis está pronta para
atender à demanda. Inicialmente vai produzir mantas para absorção de óleo em
oficinas mecânicas e nas indústrias, além de bandejas para a agricultura. Para a
construção civil, estão prontas placas de Nutrispuma, outro nome do biomaterial
para aplicações específicas, em substituição aos plásticos utilizados como
moldes para concreto, por exemplo.

A empresa se prepara também
para concorrer em um novo nicho, o mercado de produtos para animais de
estimação. Tapetes para absorção de urina de gatos e cachorros, que se degradam
rapidamente quando jogados no lixo, e sacos plásticos biodegradáveis para
recolher fezes são os primeiros lançamentos programados nessa área.


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