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O Estado de São Paulo,
09 de maio de 2010



Ensinando a costurar

Sucesso em Londres, a
estilista baiana Lena Santana lança no Brasil seu livro de receitas fashion

Flavia Guerra

Uma amiga da estilista Lena Santana caminhava por
uma rua no bairro carioca do Humaitá, há pouco tempo, quando se deparou com uma
vitrine exibindo peças que lembravam as da amiga, cujo traço único é reconhecido
por todo aquele que já viu algum look dessa baiana que trabalhou como
figurinista no Rio e acabou por estudar e viver de moda em Londres. Diante do
disparate, a amiga ligou na hora para Lena em Londres: "Tem alguém aqui no Rio
copiando você! Acabei de ver uma loja cheia de roupas idênticas às suas!" Lena,
que costurava em seu estúdio, perguntou: "Em que loja? Se for a Mutações não são
cópias, são minhas!"

Que traço é esse que faz com que o estilo de Lena
seja tão particular e, ao mesmo tempo, pouco conhecido pelos próprios
brasileiros? Como muitos talentos nacionais radicados no exterior, Lena vive a
contradição de ter seu trabalho reconhecido primeiro "fora de casa" para, então,
provar que "prata da casa faz milagre, sim".

Mão na massa. Pode não ser milagre, mas é notável
o fato de Lena – na capital londrina há dez anos e onde estudou moda na Surrey
Institute of Art and Design – lançar primeiro na Inglaterra o livro em que
literalmente ensina a fazer renda, bainha, cortar, costurar… Previsto para
chegar às livrarias brasileiras em julho pela editora Cobogó, que tem à frente
Isabel Diegues, Um Pedaço de Tecido não pretende dar dicas de estilo, combinação
e, menos ainda, apontar tendências. "Quero é ensinar as pessoas a costurar.
Ninguém mais põe a mão na massa. Muitos estilistas desenham e não sabem fazer
seus próprios looks. Como vou explicar a uma costureira o que quero se eu mesma
não sei?"

À venda no Reino Unido desde março, como brincou
uma jornalista de moda inglesa, A Piece of Fabric "está vendendo feito pão
quente". O motivo? É o tipo de livro (e de manual de moda) perfeito para "como
manter o estilo em tempos de crise". Pode-se dizer que a crise já está passando,
mas é sempre bom economizar. Em tempos que o menos é realmente mais e o
ecologicamente correto dita moda, as inglesas aderiram em peso não só à
tendência money wise como à chamada eco-friendly fashion.

Foi exatamente nessa corrente que a moda simples
e sofisticada de Lena pegou carona e conquistou os editorais de moda ingleses.
Sem nunca deixar de ser "apenas" uma costureira de mão cheia, ela foi galgando
seu espaço em um dos mercados fashion mais competitivos do mundo. "Quando
comecei a criar o livro, não havia essa crise ainda. Tudo começou porque a
editora de um livro que minha vizinha de estúdio estava criando (sobre trabalho
em couro de cavalo) viu minha coleção e me sugeriu elaborar um volume em que eu
daria 15 ideias de peças bacanas, fáceis e rápidas de se fazer", conta Lena,
que, para ganhar seu "pedacinho de estúdio", teve de concorrer com centenas de
outros criadores de toda a Europa.

Proposta aceita, Lena foi buscar no seu baú de
referências as memórias da infância, quando passava horas vendo a mãe costurar
em sua casa na periferia de Salvador, e combiná-las com a experiência como
figurinista e estilista. "Aprendi a costurar com minha mãe. Éramos uma família
muito pobre. Ela não tinha dinheiro para comprar roupa. Então, comprava tecidos
e usava as roupas velhas como molde. Com as sobras, eu costurava para minhas
bonecas."

Cockpit Arts. É esse mesmo processo orgânico e
quase instintivo que ainda move Lena a cada coleção. Usando manequins franceses
de madeira como modelos, Lena cria antes suas peças para, então, chegar à planta
baixa dos looks. "Inverto o processo de criação. Não que exista uma regra fixa,
mas o comum é o estilista desenhar antes, criar o molde depois para, então,
confeccionar a roupa. Faço o contrário. Não sou desenhista. O que gosto é de
brincar com os tecidos, de torcer, dobrar, virar do avesso…", explica Lena ao
Estado numa tarde agitada do badalado Cockpit Arts, no centro de Londres.

Mistura de galeria, mercado e ateliê, o Cockpit é
uma das experiências criativas mais bem-sucedidas do mercado de design e moda
londrino. Espécie de incubadeira criativa, o local reúne 165 estilistas
residentes, que passam por um rigoroso processo seletivo para conquistar um
cantinho para chamar de "seu estúdio". "Aqui me sinto em casa. Chego às 9 da
manhã e só paro por volta das 10 da noite", comenta Lena, enquanto mostra os
vestidos da sua coleção Flowering.

Arara. "Folhear" uma arara com os trabalhos de
Lena é, além de visual, experiência sensorial. Trabalhadas em padrões florais
que remetem à ancestral chita, rendas que são a cara da renascença nordestina,
recortes e volumes ousados europeus, as peças da coleção são a prova de que a
estilista baiana misturou tudo muito bem misturadinho em seu tabuleiro de
referências. "Parece material brasileiro, mas é inglês. Garimpo tudo em bazares,
brechós e mercados. Gosto de trabalhar o vintage. Além de ecofriendly, um
vestido novo com tecido antigo ganha mais qualidade, textura, história, cores e
padrões que não se encontram mais hoje. Moda para mim é isso."

Categorias: Moda

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