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O Estado de São Paulo, Domingo, 27 abril de 2008


ECONOMIA &
NEGÓCIOS

 

 

Entre
o jornal do futuro e o futuro do jornal


 


Ethevaldo Siqueira

 

As novas gerações
quase não lêem jornais. A tiragem mundial dos periódicos cai continuamente há
mais de 20 anos. É possível que, antes de 2030, a maioria dos jornais já tenha
migrado para a internet. No futuro, toda informação tende a ser eletrônica ou
virtual. O período de transição, que já começamos a viver, deverá ser conturbado
sob todos os aspectos.

 

Eis aí algumas das
conclusões de um debate de que participei com um grupo de cinco jornalistas,
profissionais experientes, especializados em comunicações e tecnologias digitais
– durante o NAB Show, em Las Vegas, há 10 dias. Motivados por uma excelente
palestra de Alvin Toffler, resolvemos debater algumas de suas idéias sobre o
jornal do futuro, mas livremente, sem qualquer pretensão científica. Na verdade,
quebramos um tabu, o de que a mídia não discute seus problemas nem seu futuro.

 

Em nosso consenso, o
jornal impresso ainda tem uma sobrevida de 20 ou 30 anos, não necessariamente
como meio de comunicação de massa, mas como veículo destinado a públicos
específicos, de segmento ou de nicho, voltado para a análise, a reflexão e o
debate de grandes temas. No meio do processo de transição, por volta de 2015,
boa parcela dos jornais de grande público já deverá estar sendo impressa em
papel eletrônico ou em vias de tornar-se totalmente virtual.

 

Por sua natureza
industrial, o jornal impresso de hoje não pode competir, em velocidade, com a
informação eletrônica e virtual, do rádio, da TV, das novas redes sem fio e, em
especial, da internet. Nem haveria sentido em repetir, no dia seguinte, tudo que
o cidadão já ouviu no rádio, viu na TV e leu na internet. O espaço em que jornal
continua imbatível é o da análise e da interpretação competente dos fatos, de
suas causas e conseqüências.

 

Recordemos que, ao
longo do século 20, o jornal sobreviveu ante a chegada de dois grandes
concorrentes: o rádio e a televisão. O terceiro e maior desafio veio nos anos
1990, com a internet, que representa ao mesmo tempo uma forte ameaça e uma
incrível oportunidade. É bom lembrar, no entanto, que o rádio não matou o
jornal, a TV não matou o rádio e, com certeza, a internet não irá matar o
jornal, embora deva impor-lhe reformulações profundas.

 

O JORNAL DE 2020

 

Que reformulações
serão essas? Por volta de 2020, o jornal virtual do futuro deverá ter
consolidado sete mudanças fundamentais:

 

1) passar de produto
físico a virtual;

 

2) evoluir de conteúdo
predominante noticioso para o de análises, reflexões e discussões de grandes
temas;

 

3) concentrar-se mais
na defesa de valores éticos e sociais do que de posições político-ideológicas;

 

4) elevar sempre os
padrões de qualidade de todos os conteúdos e de credibilidade das informações;

 

5) evoluir do modelo
de negócio baseado na publicidade tradicional, para um novo tipo de publicidade,
mais próximo do estilo do Google;

 

6) estimular a
participação colaborativa do leitor, em particular de especialistas de alto
nível, como na Wikipédia;

 

7) estar disponível,
de forma ubíqua, em qualquer computador, laptop, celular, iPod e outros
dispositivos portáteis.

 


CONVERGÊNCIA

 

Do ponto de vista
tecnológico, todos os meios de comunicação – jornal, revista, rádio, TV, podcast,
blog ou a internet – convergem. Conseqüentemente, não há mais sentido em
tratá-los como se fossem setores ou segmentos autônomos, estanques ou separados.
A fusão de mídias é total, como resultado do processo de digitalização da voz,
que reduz tudo a bits: sons, dados, textos, imagens e vídeo. E mais: todas as
formas de comunicação já adotam o protocolo IP da internet.

 

Graças a essa
convergência, mesmo num país emergente como Brasil, fazemos hoje coisas que eram
simplesmente impensáveis em 1990, como acessar, a qualquer instante, de nosso
desktop ou laptop, os maiores jornais ou revistas do Brasil e do mundo,
emissoras de rádio ou de TV, bancos de dados, enciclopédias, sites de
universidades ou do Vaticano. E, com a mobilidade do celular e de outras redes
sem fio, já começamos a dispor desse jornalismo eletrônico nascente, que nos
traz informação, opiniões e entretenimento anytime, anywhere. Como negar a
realidade e o impacto da convergência de mídias?

 

Quando leio a massa de
bobagens e agressões gratuitas contida na maioria dos comentários postados em
blogs e sites de relacionamento, fico mais cético com relação aos resultados
práticos da interatividade que os novos meios começam a proporcionar ao grande
público.

 

Mesmo a contribuição
dos “repórteres virtuais” ou prossumers (cidadãos produtores e consumidores ao
mesmo tempo, no conceito de Alvin Toffler) não é das melhores. Assim, em muitos
casos, a interatividade do jornal do futuro, pelo menos inicialmente, pode ser
um retrocesso.

 

Por fim, uma
advertência minha e de meus colegas do NAB Show: não temos nenhuma garantia de
que todas essas coisas venham, realmente, a acontecer, pois, como dizia Arthur
C. Clarke, com sua fina ironia, é muito difícil fazer previsões confiáveis.


Especialmente sobre o futuro.

Categorias: Jornalismo

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