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Folha de São Paulo, Ciência + Saúde, DOMINGO, 26 DE MAIO DE 2013

Escavações acham cacos de utensílios em São Paulo

Arqueólogos trabalham ao redor da Casa do
Bandeirante, do século 18

Cerâmicas de uso cotidiano podem ajudar a
entender hábitos dos moradores e como se deu a ocupação da área

FERNANDO TADEU MORAESDE SÃO PAULO

Quando a Prefeitura de São Paulo decidiu iniciar
um projeto de paisagismo na praça Monteiro Lobato, ao lado da marginal
Pinheiros, o arqueólogo Astolfo Araújo, 47, percebeu que era a oportunidade de
concretizar um antigo projeto: escavar o local.

Na área, uma das poucas que ainda preservam o
solo original da cidade, fica a Casa do Bandeirante, uma construção do século
18.

O trabalho de escavação, que começou em dezembro
de 2012, já descobriu cerca de 2.000 fragmentos de cerâmica de uso cotidiano e
pode ajudar a compreender os hábitos dos antigos moradores e como se deu a
ocupação dessa área, um pedaço da antiga margem do rio Pinheiros.

O terreno, doado à prefeitura em 1944, tem
inegável valor arqueológico, segundo Paula Nishida, do Departamento do
Patrimônio Histórico. "Não há possibilidade de fazer uma obra dessas sem um
trabalho arqueológico prévio. A prefeitura fez então essa parceria com a USP."

Folha acompanhou as escavações nos
fundos da casa, uma área provavelmente de passagem de pessoas e animais, segundo
Araújo, que é professor do MAE (Museu de Arqueologia e Etnografia da USP).

Nas áreas já escavadas é possível ver brotando
do chão fundos de panelas, alças de xícaras, pedaços de pratos com pequenas
decorações e fragmentos de outros utensílios que, após serem limpos e
catalogados, serão reconstituídos e expostos no MAE.

"Perguntamo-nos por que os fragmentos estão
justamente aqui, se foram enterrados ou simplesmente jogados porta à fora."

Uma possibilidade é que houvesse uma casa mais
antiga em outro local, e que a atual construção seja um prolongamento posterior
dela ou uma substituta.

"Nosso trabalho questiona desde como o lixo era
despejado até questões arquitetônicas, como se havia uma casa original diferente
dessa."

No passado, havia uma série de estruturas em
volta da casa sede, como o curral e a casa dos escravos, diz Araújo. "O trabalho
arqueológico mostra o que existia ao redor da casa que ou desapareceu ou está
sob o solo."

Também foram recolhidas para estudos amostras de
terra queimada que passarão por processos de datação.

Uma área de terra preta atípica será submetida a
análises químicas para se saber se ela é natural do terreno, resultado da
decomposição de matéria orgânica, ou se foi trazida posteriormente.

O trabalho, que continua até o fim de 2014, deve
render, além da exposição, a publicação de artigos científicos. O local também
será usado para aulas e visitação de escolas já neste mês.

Para Araújo, a arqueologia permite fazer uma
leitura crítica do passado. "Os que viviam aqui há alguns séculos tinham
desvantagens tecnológicas em relação a nós. Mas moravam às margens do rio
Pinheiro, que era limpo e meandrante [com curvas]. Hoje, em nome do progresso,
fizeram esse canal retilíneo, um esgoto a céu aberto. Será que essas pessoas
viviam pior do que a gente?"


Trabalho de campo é feito com a ajuda de voluntários

DE SÃO PAULO

Uma característica interessante dos trabalhos de
escavação em torno da Casa do Bandeirante é o uso de voluntários sem formação
específica em arqueologia, algo comum nos Estados Unidos, mas ainda raro no
Brasil, segundo o arqueólogo da USP Astolfo Araújo.

"Eu já tinha vontade de trabalhar com
voluntários. A parte técnica de campo não tem nada de difícil e não colocamos a
pessoa de início para fazer algo mais delicado", afirma.

Segundo Araújo, os melhores voluntários são
pessoas aposentadas. "Estão aqui por que gostam, possuem mais comprometimento e
em geral têm boa qualificação."

Edison Mariotti, 61, participa há dois meses das
escavações na Casa do Bandeirante. É a primeira vez que ele realiza um trabalho
arqueológico. Empresário da área de informática e formado em administração,
decidiu no ano passado que iria voltar os estudos. Começou a fazer um curso de
chinês e frequentar aulas de arqueologia e museologia na USP.

"Aqui é ótimo, você aprende, conhece pessoas,
faz uma coisa totalmente diferente e ainda pode ficar relaxado, desligado da
agitação."

Sobre o trabalho em si, conta que não é
complexo. "Temos apenas de tomar cuidado para não riscar ou danificar alguma
peça. E consultar alguém mais experiente sempre que necessário."

Araújo afirma que a ajuda de voluntários é
sempre bem-vinda. "É só chegar."

(FTM)


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