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O Estado de São Paulo, Domingo, 7 outubro de 2007


FEMININO

 



Estrelas mirins


Uma
legião de crianças brilha em comerciais, novelas ou programas de TV, quase
sempre com o incentivo dos pais

Vera Fiori

Acompanhados dos pais, tios ou avós, a maioria de
aparência humilde, eles vão chegando aos montes nas agências de modelos infantis
Baby e Vogue, ambas no bairro de Pinheiros. Tem uma loirinha de olhos azuis com
cara de sueca que mal sabe andar, uma menina negra saltitante com tererês nos
cabelos, um garoto de cabelo engomado com roupa de festa e bebês de todas as
etnias. Em apenas uma tarde, já daria para montar um elenco infantil para
desfiles, comerciais e novelas. A campainha não pára de tocar e o estúdio
fotográfico vai ficando apertado para tantos aspirantes a celebridade. A cada
flash das câmeras, ouve-se um choro. Caramba, vida de estrela não é nada fácil.

 

Foi por meio dessas agências que a “top model” da nossa
capa, Klara Castanho, de 6 anos, chegou ao estrelato. Ela é a Bel de Mothern,
seriado exibido no canal GNT. Também pode ser vista na telinha no comercial da
Samsung, no qual contracena com a humorista Maria Clara Gueiros e numa
propaganda de margarina. Segundo a mãe, Karla Castanho, depois que a foto de
Klara saiu numa revista feminina, começaram a surgir vários convites. Em sua
precoce carreira, a pequena já fez cerca de 60 trabalhos, entre fotos e
comerciais.

 

A garota de cabelo chanel, olhos expressivos e longos
cílios conquista todos à sua volta com a gargalhada gostosa e tiradas
espontâneas. Diz que adora Mothern, mas que não é nada parecida com Bel, sua
personagem. “Ela é mal educada”, fala, na lata. O episódio do qual mais gostou
foi o da “perua”, em que Bel cismava de ir a uma festa de aniversário com sapato
de salto, bolsa com brilho e “muitas pulseiras”.

 

Rindo, a mãe conta que, no primeiro dia de gravação,
Fernanda Umbro (atriz que faz a mãe de Klara e a única do elenco sem filhos nem
muita afinidade com crianças) saudou a menina com um seco: “e aí, beleza?” Mas
não é que rolou a maior química entre as duas? “A Fernanda faz muita palhaçada”,
derrete-se a pequena Klara. Até onde vai a carreira é uma coisa que a mãe deixa
para a filha decidir. “O dinheiro dos cachês é colocado na poupança e a escola é
sempre a prioridade.”

 

De tanto perguntarem, a ruivinha Marina Ruy Barbosa, de
12 anos, colocou no seu site um quase aviso, no qual diz que não tem nenhum
parentesco com o autor de novelas Benedito Ruy Barbosa. Por outro lado, é
tataraneta de outro ilustre personagem brasileiro, o jurista e orador Ruy
Barbosa. Sorte dela que tem no DNA o gosto pelos estudos. Se não fosse dedicada
à escola, não estaria na telinha. Este foi o trato que fez com os pais, Gioconda
e Paulo Ruy Barbosa, que sempre investiram na educação da única filha. Segundo o
pai, fotógrafo, a vontade de Marina – com atuações em editoriais de moda,
publicidade, teatro, cinema e TV – é seguir a carreira e, no futuro, quem sabe,
fazer um curso de direção de cinema. “Ela faz isso porque gosta. Temos uma
situação financeira confortável”, afirma.

 

A atriz, que, no momento, está na novela global Sete
Pecados, no papel de Isabel, conta que jamais vai esquecer de sua participação
em Belíssima, também da Globo. “Foi um aprendizado contracenar com grandes
atores como Cláudia Abreu, Tony Ramos, Glória Pires e Fernanda Montenegro.
Fiquei um mês na Grécia, aprendi até grego.” Mais maravilhoso, segundo Marina,
foi o elogio que recebeu do autor Sílvio de Abreu ao final da novela. “Fiquei
muito, mas muito feliz, porque ele gostou do meu desempenho.”

 

COMERCIAL DA VEZ

 

Não tem meio termo: ou você acha engraçadinho ou detesta
o comercial de Glade, um purificador de ar. Nas horas mais impróprias, como no
jantar, por exemplo, eis que o ator mirim Gabriel Macri, de 6 anos, aparece na
TV, querendo fazer “cocô na casa do Pedrinho”. A justificativa para o meigo
pedido é que, na casa do amigo, o banheiro é perfumado. Outra coisa que chama a
atenção é a pronúncia com que o garoto fala “Pedrrrinho”, com o erre acentuado
por conta das sessões que ele tinha com uma fonoaudióloga na época. No final das
contas, quem paga o mico pelo comercial é a mãe de Gabriel, a professora Andréa
Almeida Mello. “No começo, caía nas pegadinhas dos amigos, mas agora estou
esperta”, brinca.

 

Andréa conta que o convite para Gabriel ingressar nessa
área partiu de um encontro casual com a dona da agência Tops em Ação, no Rio. “O
Gabriel tem boa memória para decorar textos e, já no primeiro teste, foi
aprovado para este comercial .” Acredite se quiser, só para fazer cocô na casa
do Pedrinho, Gabriel agüentou firme 12 horas de gravação. Segundo Andréa,
enquanto ele se divertir com este tipo de trabalho, a família vai levando. Por
sua vez, Gabriel conta que gostou do trampo, apesar de errar a cena “umas 10 mil
vezes.” Confidencia que o banheiro era de mentirinha e que o vaso sanitário nem
água tinha. Por fim, despacha a repórter, porque um “prato cheio de comida”
esperava por ele.

 

PRECOCE

 

A dona de casa Gislaine de Souza Silva Andrade, que mora
em São José dos Campos, não ficaria surpresa se o bebê que esperava falasse
ainda na sua barriga. A mãe de Maísa Silva, de 5 anos, a garota espevitada que
se apresenta nos fins de semana no programa de Raul Gil, conta que, nas visitas
ao pediatra, o desenvolvimento da menina era diferente do das outras crianças.
“Ela foi um bebê precoce. Sentou, falou e andou antes do tempo.” Com 2 anos, já
prestava atenção ao programa de Raul Gil. “Virou-se para o avô e disse que ele
iria vê-la na TV.”

 

No aniversário de 3 anos, não quis brinquedo nem festa.
Pediu ao pai o Raul Gil de presente. “ Fomos até a emissora para conhecer o
ambiente. Não temos parentes no meio artístico, somos tímidos, o oposto dela.”
Quando a produção bateu o olho na menina dublando o grupo musical Rouge, surgiu
o convite para a participação no quadro Eu e as Crianças. “Ponderamos com medo
da exposição, mas a produção dá um atendimento realmente especial às crianças.”

 

Funcionária contratada, Maísa participa de mais outro
programa aos domingos, Homenagem ao Artista, e também divide o palco com o
apresentador. Autodidata, a garotinha bola as próprias coreografias e tem
resposta para tudo na ponta da língua. Até Ivete Sangalo, homenageada pela
cantora mirim, ficou de queixo caído com sua performance. Sobre o futuro, a mãe
diz que a carreira dura até quando a garota se sentir feliz. O cachê que recebe
vai para os estudos e ajudou os seus pais a fazerem a sua matrícula em uma
escola particular. Enquanto isso, a cantora vai colhendo os louros da fama. “Em
loja, supermercado, sempre junta uma rodinha ao redor dela. O pai sempre fala:
‘menos Maísa, menos’.”

 

PAIS BALANÇAM

 

Quando soube que seu filho Gabriel havia passado no
teste, entre outras 70 crianças, para fazer o papel do personagem Francisco, na
novela global Páginas da Vida, sua mãe, a publicitária Denise Kaufmann, conta
que perdeu o sono. “Era muita responsabilidade.” No começo, Gabriel, que entrou
na novela com 4 anos, tinha poucas falas. Depois, o texto foi aumentando e, com
a ajuda da coach do elenco infantil, Rosana Garcia, ele foi se desenvolvendo ao
longo da história.

 

Apesar de pequeno, não confundia ficção com realidade.
“Às vezes, ele se referia ao ator Marcos Caruso como ‘vovô Caruso’.” Quando
terminou a novela, a emissora quis renovar o contrato com Gabriel até 2009.
“Pedimos um tempo para pesar a decisão. Conversamos muito com ele em casa. Uma
hora, ele dizia que não queria mais, depois mudava de idéia de novo. É difícil
decidir por eles.” Alegre, irrequieto e espontâneo, Gabriel, torcedor fanático
do América, só se assusta um pouco com o assédio do público, mas, segundo a mãe,
ele gostou da experiência e logo deve pintar na telinha de novo.

 

CAÇA TALENTOS

 

A Tops em Ação é uma agência de modelos e atores do Rio
que oferece cursos de interpretação em teatro, televisão, cinema, moda, dança e
canto. Segundo sua diretora, Ieda Ribeiro, em 70% dos casos, parte dos próprios
pais a idéia de estimular a carreira infantil de modelo e ator. Será que
projetam nas crianças sonhos como ter fama, virar celebridade? “Totalmente”,
responde ela.

 

Com anos de experiência, Ieda fala que é complicado
lidar com as expectativas das famílias. “Afirmam que seus filhos são os
melhores, que têm de acontecer.” Pior é quando a criança cresce e “perde a
graça”, e os trabalhos são assumidos por outro rostinho da vez. Um exemplo é o
Ferrugem, aquele menino ruivinho com sardas que sumiu da mídia. “Não há
planejamento de carreira. Tudo vai depender do sentimento e da aptidão deles
quando crescerem. Tive vários Ferrugens na minha vida!”

Desejos
que se confundem

“Qual o valor que você quer
incutir na criança?” Ao lançar a pergunta, a psicóloga Sônia Thorstensen, com
vários estudos sobre os efeitos da mídia entre crianças e adolescentes, sugere
uma reflexão sobre o desejo dos pais e dos filhos.

 

Segundo ela, não há nada de
errado no fato de os pais almejarem para os seus filhos aquilo que não
conseguiram realizar. “É algo inerente ao amor parental. A questão é como isso
será administrado, de forma a não preencher nossas necessidades narcisistas,
confundindo os nossos desejos com os dos nossos filhos.”

 

Sobre a quase obsessão do
brasileiro pela fama, sucesso e dinheiro advindo destes, a psicóloga observa
que, levando-se em conta as dificuldades financeiras e os problemas de ensino do
País, virar celebridade é o que mais está à mão das pessoas. E completa:

 

– No mundo adulto das
celebridades instantâneas, repete-se o mito do narciso: pessoas egocêntricas que
usam o outro para atender às próprias necessidades. No mundo infantil, o perigo
é desenvolver apenas um aspecto do ser humano, o amor por si mesmo. Isso não é
ruim, mas exclui-se uma série de outros instrumentos fundamentais para suportar
as falhas e fracassos da vida. Quando a beleza e o sucesso acabam, o indivíduo
não tem suporte, podendo ir para as drogas ou cair em depressão por não ter
recurso de personalidade.

 

Ainda, segundo Sônia,
revelações infantis na música e nos esportes não são muito diferentes dos
modelos e atores mirins “empresariados” pelos pais, que se projetam nos filhos.
“Há uma diferença psíquica grande nos casos de tenistas, jogadores ou pianistas
brilhantes que produzem algo admirável com o seu esforço e não apenas pelo
charme ou beleza pessoais.”


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